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Mais de mil cientistas brasileiras lançam Rede em defesa da vida das mulheres na pandemia

Grupo busca soluções com entidades e com o governo para melhorar a vida de mulheres em situação de vulnerabilidade social

08/05/2021
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Rede Brasileira de Mulheres Cientistas é um projeto aberto e está recebendo assinaturas de cientistas de todo o Brasil

Pesquisadoras de todo o Brasil se uniram para criar a Rede Brasileira de Mulheres Cientistas, movimento lançado em 19 de abril, que tem como objetivo chamar atenção para a condição das mulheres brasileiras na pandemia de COVID-19, algo praticamente ignorado no debate público, bem como apresentar propostas e respostas para o enfrentamento da pandemia. A Rede é um projeto aberto que está recebendo assinaturas de cientistas de todo o País. Até o momento mais de mil pesquisadoras já aderiram a iniciativa.

Presidente da Rede Brasileira de Pesquisas em Tuberculose REDE-TB, a epidemiologista e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Dra. Ethel Maciel explica que a articulação surgiu a partir de algumas pesquisadoras e ganhou rápida adesão no meio acadêmico. Ainda de acordo com ela, a ideia é trabalhar no nível político, buscando garantir mais igualdade para a população feminina, e também estimular e colaborar com estudos acadêmicos sobre os impactos da pandemia para as mulheres. Queremos um olhar especial para políticas públicas que ajudem nos problemas que as mulheres, inclusive a parcela significativa que faz parte dos profissionais de saúde, têm enfrentado, como emprego, moradia, alimentação adequada, saúde sexual e reprodutiva, além do combate à violência contra a mulher, um dos nossos focos, que aumentou muito durante a pandemia acrescenta a professora que faz parte do grupo executivo da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas.

Por trás da participação das mulheres na ciência, há também um cenário de desigualdade de gênero. Mesmo passando mais tempo que os homens cuidando das tarefas domésticas e dos filhos, as mulheres que estão na linha de frente do combate à pandemia têm suas vozes menos ouvida. A Dra. Michelle Fernandez, professora e pesquisadora no Instituto de Ciência Política (IPOL) da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em políticas públicas de saúde, destaca que o espaço das mulheres na ciência sempre foi mais reduzido, ainda que se tenha um grande número de estudantes nos cursos de graduação e de pós-graduação. Entretanto, segundo ela, as mulheres sempre ocuparam menos espaços nos cargos de comando, na coordenação de pesquisa, o que vem mudando lentamente nos últimos anos. “Estamos assumindo cada vez mais espaço e crescendo não só em número, mas também na ocupação de cargos de chefia, contudo, ainda temos uma maioria masculina nesses espaços e a disparidade pode ser vista no reconhecimento da pesquisa. Criou-se a ideia de que os homens detinham o conhecimento, o que se reflete ainda hoje quando as mulheres se posicionam enquanto cientistas e são menos valorizadas, menos ouvidas”, lamenta a Dra. Fernandez.

Outro desafio enfrentado pelas mulheres é a queda acentuada da participação no mercado de trabalho. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) a menor em 30 anos. Para se ter uma ideia, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNAD/IBGE), 8,5 milhões de mulheres deixaram a força de trabalho no terceiro trimestre de 2020 (dado mais recente), na comparação com o mesmo período de 2019, ou seja, antes da pandemia. Com isso, mais da metade das mulheres com 14 anos ou mais ficaram fora do mercado de trabalho. A professora Fernandez lembra que este cenário foi agravado fortemente na pandemia em função do papel de cuidadora que a mulher exerce na sociedade. “Quando crianças que deveriam estar na escola ficam em casa, quando há pessoas com menos acesso aos serviços de saúde e doentes com COVID-19, a mulher deixa de ocupar espaço no mercado de trabalho para cuidar da família, papel historicamente assumido por elas”, atenta. Para a Dra. Fernandez, a ausência de uma rede de apoio para que as mulheres possam sair de casa é fator determinante. “É fundamental que os governos pensem no apoio social que devem despender à sociedade de uma maneira geral. Também é importante uma reflexão sobre o retorno seguro de escolas, através de uma discussão autêntica de como fazê-lo de forma segura. Discussão essa que não foi levada a sério e que até hoje não aconteceu”, pondera a Dra. Fernandez.

Membro da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) a Dra Ana Rabello, que faz parte do Grupo de Pesquisas Clínicas e Políticas Públicas em Doenças Infecciosas e Parasitárias do Centro de Pesquisas René Rachou/Fiocruz (MG), integrante da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas, chama a atenção para um aspecto importante da carreira acadêmica das mulheres no Brasil. Para ela, reunir pesquisadoras de várias instituições brasileiras, de diversas áreas do conhecimento, de diversas origens e percursos ao longo da carreira científica pode levar esperança a mulheres cientistas, que experimentam os efeitos das desigualdades em seu cotidiano. “A reflexão vem a respeito da recente alternativa de inclusão do período de licença maternidade no Curriculum Lattes, resultado de mobilização de mulheres pesquisadoras. Tardia, com certeza. Suficiente? A maternidade é tradicionalmente vista como um assunto, quando não um ‘problema’, da mulher. A licença paternidade mais parece uma permissão para acompanhar a mãe, do que o necessário tempo de vivência da paternidade, em sua inteira complexidade. O fato é que a maternidade não é um assunto da mulher, nem apenas dos pais. Alguém precisa gestar e alguém precisa cuidar das crianças do mundo. Crianças são responsabilidade também das instituições, do poder público e da sociedade”, frisa a Dra. Rabello.

Considerando que falamos em pesquisadoras e que locais de pesquisa são, por definição, lugares do pensar, a Dra. Rabello traz algumas indagações que nos fazem refletir: Quantas instituições contam com local de apoio ao aleitamento? Onde as crianças ficam quando as mães estão trabalhando e precisam amamentar? Na instituição? Reuniões são agendadas levando em consideração horários de deslocamento para que mães (ou pais) deixem ou busquem seus filhos nas escolas? Os relatórios de produtividade levam em conta a maternidade, o aleitamento e o tempo de ocupação com crianças pequenas? “Estranho precisar lembrar que somos seres que comem, que precisam tempo para médicos, dentistas, assuntos pessoais. Estas atividades não podem ser espremidas nos horários de almoço, nas fugidas mais cedo ou chegadas mais tarde ao trabalho. Da mesma forma, o olhar para a chegada de uma criança ao mundo, precisa ser maior do que os presentes de praxe, os chás de bebê dos colegas, as fotos no Instagram. As mães são profundos poços de culpa. Culpadas no trabalho, por não estarem sendo mães; culpadas quando estão com as crianças, porque precisariam estar se dedicando ao trabalho. Esta culpa não deveria existir ou está no lugar errado. Que a dupla paternidade aumente este cordão, que já vem se tornando mais forte, que a licença paternidade seja real, que as conquistas não se percam e que a sociedade reconheça sua responsabilidade no cuidado de suas crianças”, conclui a Dra. Rabello.

Por fim, a Dra. Fernandez assegura que o grupo pretende ampliar o debate em relação às políticas para mulheres na pandemia e levar ao conhecimento público a situação delas. “Precisamos falar sobre o aumento do número de mulheres fora do mercado de trabalho, do aumento de mortes por violência doméstica, da morte de grávidas e puérperas com COVID-19, que mesmo sendo grupo de alto risco estão fora dos prioritários do plano de vacinação. São questões que precisam ser pautadas”, justifica. A Rede também quer atuar em parceria com gestores públicos em diferentes níveis da Federação. “A ideia é oferecermos apoio técnico-científico para que as políticas públicas sejam repensadas, de forma que os órgãos públicos possam ampliar sua capacidade de respostas a fim de mudar a realidade dessas mulheres. Além disso, queremos difundir experiências bem-sucedidas na resposta à pandemia, sempre tendo em mente o objetivo maior da Rede que é a defesa da vida das mulheres durante a pandemia no Brasil”, encerra a Dra. Fernandez, uma das idealizadoras da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas.

A carta de lançamento da Rede ressalta que as mulheres pobres, negras e moradoras de periferias são ainda mais fortemente afetadas pela pandemia, seja em função da própria crise sanitária, seja em decorrência da crise econômica, da suspensão das aulas nas escolas, da intensificação da violência doméstica, da restrição ao acesso a tratamentos de saúde ou a medidas relacionadas à saúde reprodutiva. Publicada na página oficial da Rede, a carta pública apresenta os princípios do movimento e já foi assinada por mais de 2.000 pesquisadoras de várias áreas. Confira o documento na íntegra

Veja aqui a lista das cientistas que já assinaram. Para participar entre no site: https://mulherescientistas.org/

Está mais do que comprovado que ter mulheres atuando à frente de governos, à frente de pesquisas, só traz resultados positivos. Uma das respostas mais bem-sucedidas na pandemia aconteceu na Nova Zelândia, país governado por uma mulher. E neste momento crucial que o Brasil enfrenta é fundamental que propostas para políticas relacionadas a mulheres ocupem espaço na agenda pública, de forma que essas mulheres cientistas possam colaborar com respostas e, assim, tratando e refletindo questões das mulheres, a Rede vai impactar no enfrentamento à pandemia e em toda a sociedade brasileira.