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Marburg: atenção deve focar na vigilância e no acompanhamento epidemiológico, diz presidente da SBMT

Risco de disseminação do vírus é considerado alto nacionalmente, moderado regionalmente e baixo globalmente, de acordo com informe da OMS

09/03/2023

No comunicado, a agência internacional afirmou que, até o dia 21 de fevereiro, o número cumulativo de casos da doença no país é de 9 e todos morreram

A Organização Mundial de Saúde (OMS) informou em comunicado divulgado em 25 de fevereiro, que o risco de transmissão do Marburg, vírus da família filovírus, a mesma do Ebola, é classificado como baixo ao nível global e moderado no continente africano. Em nível nacional, porém, ele é alto. De acordo com a agência internacional, até 21 de fevereiro, o número cumulativo de casos da doença no país é de nove e todos morreram. Trinta e quatro contatos estão atualmente em acompanhamento, embora a maioria dos contatos dos casos falecidos não tenham sido identificados. As investigações seguem em curso para monitorar eventuais novos registros. O surto foi confirmado pelas autoridades de saúde da Guiné Equatorial no dia 13 de fevereiro. Essa é a primeira vez que o país relata o Marburg. No mesmo dia, o governo de Camarões também detectou dois casos suspeitos em uma região da fronteira com a Guiné Equatorial. Transmitido por morcegos, seus hospedeiros naturais, a disseminação entre humanos se dá pelo contato direto com fluidos corporais contaminados pelo vírus, como saliva, secreções e sangue.

O presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), Dr. Julio Croda, explica que o Marburg é uma doença importante e que requer vigilância ativa. “É uma febre hemorrágica extremamente grave, a qual devemos estar atentos devido as altas taxas de mortalidade, que nos diferentes surtos que ocorreram variou entre 24% e 88%. Como ele é bastante similar ao Ebola, um dos vírus mais letais do mundo, é preciso atenção com essa doença”, ressalta. Ainda de acordo com o Dr. Croda, outro aspecto importante é evitar a disseminação para outros países. “Apesar de não ser um vírus de transmissão respiratória, existe um risco importante dele se espalhar e deve ser considerado dada a grande a mobilidade humana. A vigilância é fundamental para que haja uma rápida identificação de todos os casos, todos os contatos e, se necessário, proceder o isolamento adequado para conter o surto”, acrescenta.

Em se tratando de um vírus que causa uma doença para a qual não existem vacinas ou tratamentos, o presidente da SBMT reforça a importância de manter a vigilância ativa para febre hemorrágica em todo o Brasil, principalmente pessoas vindas da África Central, Guiné Equatorial, e aquelas que eventualmente possam ter estado em contato com indivíduos sintomáticas, para que rapidamente se inicie a investigação, o correto diagnóstico e a adoção de medidas de isolamento, afim de restringir a propagação do vírus. “Os diversos surtos que ocorreram na África Central tiveram uma contenção importante justamente pelo baixa transmissibilidade do vírus, assim, foi possível em tempo hábil identificar casos de contatos, proceder o isolamento e interromper a cadeia de transmissão. Ao longo dos anos a África tem nos mostrado que é possível conter um surto por meio de uma vigilância ativa”, assinala o Dr. Croda. O pesquisador também enfatiza a importância da vigilância genômica e metagenômica viral de novas doenças emergentes. “Em caso de suspeição, a vigilância epidemiológica pode encaminhar amostras para realização de sequenciamento genético completo e metagenômico específico para vírus relacionados à febre hemorrágica. Com a identificação precoce do patógeno é possível implementar as medidas necessárias”, pontua.

Vacina experimental tem resultados animadores

Um estudo intitulado “Safety, tolerability, and immunogenicity of the chimpanzee adenovirus type 3-vectored Marburg virus (cAd3-Marburg) vaccine in healthy adults in the USA: a first-in-human, phase 1, open-label, dose-escalation trial”, publicado no periódico científico The Lancet, no final de janeiro, constatou a eficácia de uma vacina experimental contra o vírus da febre hemorrágica Marburg (MARV). Os resultados de segurança do estudo foram animadores ao não apresentarem eventos adversos graves, sendo a vacina experimental bem tolerada. Ela aparentemente induziu imunidade forte e duradoura à glicoproteína MARV, sendo que 95% dos participantes do estudo apresentaram uma resposta robusta de anticorpos após a vacinação e 70% mantiveram essa resposta por mais de 48 semanas. O imunizante, batizado de cAd3-Marburg, é produzido a partir de um adenovírus de chimpanzé modificado e foi desenvolvido no Centro de Pesquisa de Vacinas (VRC, na sigla em inglês) do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID, na sigla em inglês). A ideia é realizar mais testes com a candidata à vacina em Gana, Quênia, Uganda e nos Estados Unidos. Caso os dados adicionais confirmem os resultados promissores do ensaio de fase 1, a cAd3-Marburg pode, quem sabe, ser utilizada em respostas de emergência a surtos como o que acontece agora na Guiné Equatorial.

Para o Dr. Croda, os resultados são encorajadores. “É importante que tenhamos opções de vacina, assim como tratamentos, para serem usados em situações de emergência, nos surtos, de forma que possam reduzir o impacto da doença, principalmente no que diz respeito aos casos de hospitalização e de óbito. Não estamos falando de uma vacina a ser administrada em toda população, mas que façam parte de insumo estratégico, ferramenta que todo país deveria ter. O desenvolvimento é importante, assim como também é fundamental o investimento financeiro de diversos países para que possam trabalhar no sentido de manter o estoque estratégico para utilização caso necessário”, aponta.

Grupo de estudos no Brasil

Apesar de não haver registro de casos de Marburg no Brasil, a RedeVírus MCTI, comitê de especialistas instituído em fevereiro de 2020 para auxiliar o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações no desenvolvimento de estratégias para enfrentamento da Covid-19, criou um grupo de trabalho destinado à realização de pesquisas de testes diagnósticos para o vírus Marburg. “Temos virologistas brasileiros que pesquisam os filovírus, mas infelizmente eles enfrentam obstáculos, entre eles, infraestrutura limitada, principalmente no que diz respeito a laboratórios de nível de segurança 3. Somente nestes laboratórios é possível estudar a evolução do vírus, realizar pesquisas para o desenvolvimento de vacina e de tratamento”, lamenta o dr. Croda.

Características clínicas

Embora seja diferente do vírus Ebola e ainda mais facilmente transmissível que ele, o Marburg desenvolve um quadro clínico praticamente igual. O período de incubação varia entre 2 e 21 dias e os sintomas, semelhantes aos de outras doenças infecciosas, costumam evoluir muito rapidamente. Febre alta, hemorrágica, dor de cabeça, fadiga extrema, faringite, diarreia persistente, dores musculares e nas articulações, dores torácicas e/ou abdominais, câimbras, tosse, náuseas e vômitos, são alguns dos sintomas. À medida que a doença progride, pode haver sangramento interno e externo, inclusive nas gengivas, nariz, olhos e intestinos. No momento em que a enfermidade vai se tornando mais grave, o paciente pode desenvolver icterícia (cor amarelada dos olhos e da pele), pancreatite, perda acentuada do peso corporal, delírios, choque, insuficiência hepática, hemorragias graves e disfunção de múltiplos órgãos. A melhor forma de confirmar o diagnóstico é por meio de exames que identifiquem o vírus ou anticorpos ou antígenos relacionados a ele, circulantes no corpo.

O vírus Marburg recebeu o nome da cidade alemã onde foi detectado pela primeira vez, em 1967. Ele chegou até o local por meio de uma equipe de pesquisadores que esteve em contato com macacos infectados em Uganda, na África. Até o momento, foram registrados surtos na Alemanha e Sérvia (1967), totalizando 29 casos e 7 mortes; na República Democrática do Congo (RDC)(1998 e 2000), 154 casos e 128 mortes; em Angola (2005), 374 casos e 329 mortes; em Uganda (2012), 15 casos e 4 mortes; novamente em Uganda (2017), 3 casos e 3 mortes. Em agosto de 2021 e julho de 2022, a OMS também foi informada sobre casos pontuais da infecção na Guiné e em Gana, respectivamente. Ao longo dos surtos , a taxa de letalidade variou entre 24% e 88%. Alguns casos isolados foram identificados em laboratórios na Europa e nos Estados Unidos, mas o vírus Marburg se manifesta principalmente no continente africano. Apesar de não haver registro de casos no Brasil, a vigilância segue constante.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**