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Talvez seja o momento certo para dar um passo em frente e fazer algo sobre a leishmaniose, diz o Dr. Ali Khamesipour, de Teerã

As autoridades devem estar atentos, já que os refugiados, sobretudo aqueles de áreas endêmicas ou que tenham viajado recentemente para esses lugares, devem ser cuidadosamente examinados

09/11/2018
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Eu não vejo cientistas manifestarem qualquer preocupação com a leishmaniose em relação ao fato de que milhões de pessoas no mundo já se infectaram

De acordo com o Dr. Ali Khamesipour , a presença da leishmaniose, ainda que em baixas incidências, é um desastre para a Europa. Ele é categórico ao dizer que existe um risco potencial, não para toda a Europa, mas para partes do continente. Ainda de acordo com ele, o avanço da leishmaniose entre imigrantes do Oriente Médio que chegaram ao Novo Mundo nos últimos anos é possivelmente um reflexo da mudança climática e de flebótomos mais prevalentes. O especialista também chama a atenção para a expansão da leishmaniose para áreas não endêmicas devido às mudanças climáticas, que podem fazer com que regiões se tornem propensas ao desenvolvimento de flebótomos, o que permitiria que a doença migrasse para esses locais.

Para saber mais sobre este assunto, veja a entrevista completa com o Dr. Ali Khamesipour.

SBMT: Qual é a situação dos refugiados do Oriente Médio na Alemanha em relação à leishmaniose?

Dr. Ali Khamesipour: Foi relatado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR que cerca de 65,3 milhões de pessoas tenham se deslocado até o final de 2015, das quais 40,8 milhões se deslocaram internamente, 21,3 milhões eram refugiados e 3,2 milhões buscavam asilo.  O número de sírios refugiados pela guerra é aproximadamente 5 milhões apenas nos países vizinhos. Mais de um milhão de imigrantes e pessoas em busca de asilo chegaram à Alemanha em 2015.

SBMT: Há um risco potencial de um surto de leishmaniose na Europa, em virtude desses refugiados?

Dr. Ali Khamesipour: É muito pessimismo prever um surto de leishmaniose na Europa, mas mesmo a presença de leishmaniose, ainda que com baixa incidência, é um desastre para a Europa e tudo que é possível dizer é que há um risco potencial  – não para toda a Europa – mas para algumas partes, pelas seguintes razões:

  1. A leishmaniose atualmente é endêmica em alguns lugares da Europa, e no passado também foi endêmica em outras regiões.
  2. Os flebótomos, que são os vetores das leishmanioses existem em algumas partes da Europa.
  3. Embora cada espécie de flebótomo seja vetor de um tipo específico de Leishmania, algumas espécies de flebotomíneos atuam como vetores permissivos, transmitindo mais de uma espécie de Leishmania.

SBMT O que pode ser feito para evitar que isso ocorra?

Dr. Ali Khamesipour: As autoridades devem permanecer alertas. Refugiados, especialmente aqueles oriundos de áreas endêmicas ou que tenham viajado para estes lugares recentemente, devem passar por exames físicos com precisão.  Identificar os pacientes e cuidar de lesões é crucial.  É preciso considerar que o período de incubação é longo, geralmente até 8 meses, mas pode ser ainda mais.

SBMT: Existe a possibilidade de uma proliferação de leishmaniose entre os imigrantes do Oriente Médio que chegaram no novo mundo nos últimos anos como refugiados?

Dr. Ali Khamesipour: Sim, existe essa possibilidade devido ao clima tropical e flebotomíneos mais prevalentes.

SBMT: Podemos dizer que a doença se tornou um efeito colateral da crise dos refugiados? Na Síria, por exemplo, a doença é endêmica desde épocas remotas – o primeiro caso foi diagnosticado em 1745 – mas antes da guerra limitou-se a duas áreas em torno de Alepo e Damasco.    Em 2016, de acordo com um artigo publicado na revista científica PLoS Neglected Tropical Diseases, o número de casos ultrapassou 100.000 por ano.  Os autores atribuíram esse aumento ao deslocamento em massa de populações no país e a mudanças no habitat dos flebótomos. O que você acha que mudou desde então?

Dr. Ali Khamesipour: Com certeza é verdade. A incidência anual de Leishmaniose cutânea em toda a Síria era inferior a 30.000 casos por duas décadas antes da guerra, mas a incidência de 100.000 mencionada no trabalho é apenas para as regiões sob domínio do governo Sírio, então no país inteiro pode ser maior ainda.

SBMT: Casos de leishmaniose já foram reportados em todos os continentes, exceto Austrália e Antártica.   Você acredita que a mudança climática pode levar a doença a esses lugares também?

Dr. Ali Khamesipour: A expansão da Leishmaniose para áreas não-endêmicas com mudanças climáticas que acontece agora, pode tornar algumas regiões propícias ao desenvolvimento de Phlebotomus e a doença poderá migrar para esses lugares.

SBMT: Quais são as perspectivas em relação ao desenvolvimento de vacinas para leishmaniose humana?

Dr. Ali Khamesipour: Teoricamente, o desenvolvimento de vacinas contra leishmaniose não é difícil. Pessoas que moram em áreas endêmicas para leishmaniose cutânea (LC) e desenvolvem a doença uma vez, estarão protegidas pelo resto da vida após a cicatrização, e o uso da leishmanização, que é a inoculação de Leishmania major virulenta em uma pessoa para induzir uma lesão de LC artificial, após a cicatrização a pessoa adquire proteção natural.  Além disso, a cura da lesão de LC ocorre juntamente com uma forte resposta imune contra antígenos de Leishmania, que é possível de ser demonstrado através de testes in vivo e in vitro. Praticamente nenhuma vacina está disponível contra qualquer forma de leishmaniose. Eu pessoalmente considero crítica a falta de colaboração real entre os laboratórios de alta tecnologia – que estão bem equipados e têm dinheiro suficiente e as áreas endêmicas que geralmente carecem de infraestrutura com o problema da doença.  Se houvesse colaboração entre ambos o mundo desenvolvido e o mundo em desenvolvimento, a criação de uma vacina protetora para humanos seria possível.

SBTM: Você poderia falar sobre as precauções a serem tomadas em relação à segurança da vacina?

Dr. Ali Khamesipour: Eu não vejo nenhuma manifestação de preocupação em relação a vacinas contraLeishmania entre cientistas em relação ao fato de que milhões de pessoas já se infectaram ao redor do mundo e a doença não gera nenhum problema além dela própria.  Milhões de pessoas foram leishmanizadas, e o único problema foi o desenvolvimento de lesão de LC.  Milhares de pessoas no novo e no velho mundos foram vacinadas usando vacinas de primeira geração ou usando o antígeno leishmanin (Montonegro), e nenhum efeito colateral foi constatado excedo do que já era previsto, como reação local.

SBMT: Gostaria de acrescentar algo mais?

Dr. Ali Khamesipour: Eu gostaria de acrescentar que a ferramenta mais prática para controlar a doença é o desenvolvimento de uma vacina, mas francamente, os esforços para o desenvolvimento de uma vacina até agora foram muito menores do que era esperado para que se pudesse cogitar o desenvolvimento de uma vacina contra uma doença parasitária.  Você pode comparar o orçamento atribuído a este problema.

A leishmaniose é uma doença negligenciada e as ferramentas disponíveis para diagnósticos e tratamentos são primitivas, com pouco avanço, independentemente de avanços em outras ciências médicas.  Talvez seja o momento certo para dar um passo à frente e fazer algo sobre a leishmaniose.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**