Melhorias dramáticas mediadas por secuquinumabe na neurite refratária relacionada à hanseníase por meio da modulação das vias imunológicas T helper 1 (Th1) e T helper 17 (Th17) Kurizky PS et al. – Secuquinumabe na neurite relacionada à hanseníase refratária
No presente relatório, o secuquinumabe induziu uma redução rápida e forte na inflamação neural e melhorias clínicas
09/11/2021Patrícia Shu Kurizky [1], [2], Jorgeth de Oliveira Carneiro da Motta [2], Natanael Victor Furtunato Bezerra [2], Márcia Carolline dos Santos Sousa [2], Danilo Corazza [3], Taiana Karla dos Santos Borges [3] e Ciro Martins Gomes [1], [2], [3]
[1]. Universidade de Brasília, Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas, Faculdade de Medicina, Brasília, DF, Brasil. [2]. Universidade de Brasília, Hospital Universitário de Brasília, Faculdade de Medicina, Brasília, DF, Brasil. [3]. Universidade de Brasília, Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical, Núcleo de Medicina Tropical, Brasília, DF, Brasil.
Autor correspondente: Ciro Martins Gomes, MD, PhD.
e-mail: cirogomes@unb.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3069-6884
Recebido em 27 de maio de 2021
Aceito em 8 de outubro de 2021
RESUMO
Uma mulher de 39 anos foi diagnosticada com hanseníase multibacilar recidivante e neurite refratária. Aqui, descrevemos uma perda evidente de eficácia terapêutica após o terceiro pulso de corticosteroides, que pode ser atribuída à taquifilaxia e à modulação posterior do interferon-? (IFN-?), fator de necrose tumoral-? (TNF-?,) interleucina-17A (IL-17A) e IL-12/23p40 após a fase de indução de secuquinumabe. Neste caso, a análise de citocinas plasmáticas mostrou que secuquinumabe induziu uma redução na IL-17 concomitante com melhorias clínicas impressionantes na função neural do paciente. Curiosamente, o secuquinumabe induziu reduções nas citocinas relacionadas às respostas Th1 e estágios anteriores da resposta Th17 incluindo IL-23/12.
Palavras-chave: hanseníase, interleucina-17, neurite
INTRODUÇÃO
A hanseníase continua prevalente nas áreas em desenvolvimento, e a neurite é uma das principais complicações associadas ao curso da doença.1 O dano neural é o resultado da hipersensibilidade imunológica e ocorre com mais frequência durante os estados reacionais do tipo I (TIR).1,2 Nosso objetivo foi para descrever melhorias dramáticas na neurite relacionada à hanseníase refratária com o uso de secuquinumabe. O paciente forneceu consentimento informado e o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília(5087215.1.0000.5558/72312117.4.0000.5558).
RELATO DO CASO
Uma mulher de 39 anos de idade previamente saudável foi diagnosticada com hanseníase multibacilar (lepra lepromatosa limítrofe) em 2014 por meio de baciloscopia positiva mostrando um índice baciloscópico de 3+. A paciente foi tratada com a poliquimioterapia multibacilar padrão de 12 doses por 12 meses, conforme recomendado pela Organização Mundial de Saúde. A paciente foi tratada novamente em 2019 por causa de um estado TIR incontrolável, sugerindo a possibilidade de recorrência da hanseníase. No entanto, a baciloscopia foi negativa. Embora o ácido desoxirribonucleico M. leprae tenha sido amplificado com sucesso em 2016, nenhuma evidência de resistência molecular ao tratamento com rifampicina, dapsona ou ofloxacina foi encontrada, conforme examinado por análise de sequenciamento genético de mutações rpoB, folp1 e gyrA. Além disso, a paciente foi submetida a neurólise bilateral dos nervos ulnar, mediano e tibial posterior. Também foram prescritos um pulso de dexametasona e dois pulsos de metilprednisolona. Os dois pulsos de metilprednisolona mostraram uma evidente falta de eficácia.
Em novembro de 2020, a paciente retornou com piora da neurite e novas deformidades, apesar do uso diário de prednisona 1 mg/kg e uso semanal de metotrexato 20 mg. Secuquinumabe foi então iniciado com uma dose de 150 mg por semana. Após a terapia de indução, foi observada uma redução da dor e inflamação. A terapia imunobiológica foi mantida semanalmente, seguindo o esquema de dosagem de indução de artrite psoriática até a semana 5, após a qual uma dose mensal com reduções consistentes na prednisona (de 80 mg diários para 20 mg diários em 5 semanas) foram administradas e uma melhora clínica progressiva foi observada (Figura 1).
O sangue foi coletado 5 dias após cada pulso de corticosteroides sistêmicos e após a fase de indução de secuquinumabe. Níveis plasmáticos de interferon-? (IFN-?), fator de necrose tumoral-? (TNF-?), interleucina-17A (IL-17A), IL-12/23p40, IL-10,IL-6, IL-4 E IL-2 foram medidos usando o Becton Dickinson (BD) Cytometric Bead Array Human T helper 1) (Th1/Th2/Th-17 Cytokine Kit e o kit Human IL-12/IL23p40 Flex Set (RUO) em um Citômetro de fluxo BD LSR Fortessa™ (BD, Franklyn Lakes, EUA) seguindo as instruções do fabricante. Todas as análises foram realizadas em triplicata, e os valores foram normalizados e comparados com aqueles obtidos de 10 controles e 10 pacientes TIR. Foi observada uma forte relação entre a resposta clínica e os níveis de citocinas relacionados às respostas imunes Th1 e Th17 A Figura 2 mostra uma perda evidente de eficácia terapêutica após o terceiro pulso de corticosteroides, que pode ser atribuída à taquifilaxia e à modulação posterior de IFN-?, TNF-?, IL-17A e IL-12/23p40 após indução de secuquinumabe.
DISCUSSÃO
Aproximadamente 40% dos pacientes com hanseníase multibacilar desenvolvem reações hansênicas durante o curso da progressão da doença.3 Sinais de lesão nervosa requerem tratamento imediato para prevenir deformidade permanente.3 O papel de diferentes respostas imunológicas de subconjuntos de células T é bem estudado na hanseníase não reacional, mas apenas alguns estudos foram realizados sobre as reações hansênicas.4,5 Os estados TIR estão relacionados a uma forte resposta Th1 com efeitos autoimunes, mas outros tipos de respostas também estão sendo investigados. As células Th17 são um subconjunto inflamatório de células T auxiliares descritas em doenças autoimunes, bacterianas e virais. As células CD4+ e IL-17+ participam da imunorregulação e aumentam após o tratamento da hanseníase. 4 Relatórios anteriores mostraram que os níveis de IL-17 estavam elevados no sangue de pacientes afetados por eritema nodoso.4 Além disso, os níveis do isômero IL-17F são também elevados no sangue de pacientes TIR.4
No presente caso, a análise de citocinas plasmáticas mostrou que o secuquinumabe induziu uma redução na IL-17 concomitante a melhorias clínicas impressionantes na função neural do paciente. Curiosamente, o secuquinumabe induziu reduções nas citocinas relacionadas às respostas Th1 e aos estágios anteriores da resposta Th17 incluindo IL-23/12. É possível que o secuquinumabe atue como um agente poupador de esteróides. Alternativamente, conforme descrito para a psoríase, o bloqueio da IL-17 interrompeu o estímulo inflamatório das células-alvo (por exemplo, células epidérmicas na psoríase e células de Schwann na neurite hansênica) e, consequentemente, interrompeu a atração de células relacionadas às vias inflamatórias Th1 e Th17.6 Esta conexão é descrita como uma alça inflamatória que liga diferentes respostas imunológicas.7 Também é importante afirmar que a supressão específica dos isômeros da IL-17 tem um efeito menor na proteção imunológica contra micobactérias em comparação ao uso de imunossupressores clássicos e inibidores de TNF-?.
No presente relatório, o secuquinumabe induziu uma redução rápida e forte na inflamação neural e melhorias clínicas A resposta clínica foi consistente com os níveis de citocinas e modulação específica da resposta Th1 e Th17 após possível taquifilaxia em resposta aos corticosteroides. No entanto, não existe um substituto validado para os corticosteroides na neurite relacionada à TIR e isso causa efeitos colaterais consideráveis; portanto, mais estudos são urgentemente necessários para confirmar o papel dos inibidores da IL-17 na neurite hansênica.
Agradecimentos
Os autores agradecem as contribuições da equipe do Hospital Universitário de Brasília para o diagnóstico e tratamento dos pacientes com hanseníase.
Contribuição dos autores
PSK: Conceitualização, Metodologia; JOCM: Investigação, Validação; NVFB: Investigação, Validação; MCSS: Investigação, Validação; DC: Investigação, Validação; TKSB: Redação – Preparação do esboço original; CMG: Redação – Revisão e Edição, Supervisão.
Conflito de Interesses
Nenhum declarado.
Apoio Financeiro
Nenhum declarado.
ORCID
Patrícia Shu Kurizky: 0000-0002-5759-2727
Jorgeth de Oliveira Carneiro da Motta: 0000-0003-2425-346X
Natanael Victor Furtunato Bezerra: 0000-0002-5348-3363
Marcia Carolline dos Santos Sousa: 0000-0003-3133-8103
Danilo Corazza: 0000-0001-5702-5610
Tatiana Karla dos Santos Borges: 0000-0002-6813-6276
Ciro Martins Gomes: 0000-0002-3069-6884
Referências
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FIGURA 1: Imagens clínicas que mostram a melhora nas deformidades 1 semana (imagem acima) e 2 semanas (imagem do meio) e 1 mês (imagem abaixo) após a fase de indução de secuquinumabe. As melhorias na sensibilidade tátil palmar e plantar e a dor relacionada também foram impressionantes. Cada cor representa a sensação tátil mais leve sentida pela estesiometria (grama-força (gf)): círculo azul = 0,2 gf; círculo roxo = 2,0 gf; círculo vermelho completo = 4,0 gf; x vermelho = 10 gf; círculo branco com bordas vermelhas = 300 gf; círculo preto = ausência de sensibilidade.
FIGURA 2: Gráfico mostrando os níveis basais das citocinas medidas após o primeiro pulso de corticosteroide e durante a possível taquifilaxia. Houve reduções nos níveis de IFN-?, TNF-?, IL-17A e IL-12/23p40 após a fase de indução de secuquinumabe concomitante com melhorias clínicas expressivas.
**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**