
Meningite eosinofílica: risco oculto dos parasitos no Brasil
Casos esporádicos revelam a necessidade de vigilância e conscientização sobre o Angiostrongylus cantonensis
10/03/2025
Foto: Coleção de Moluscos do IOC (CMIOC) A Meningite eosinofílica, ligada ao parasito transmitido por caracol, molusco terrestre com concha, exige atenção de profissionais de saúde e da população
A Meningite eosinofílica, uma inflamação das membranas que envolvem o cérebro e a medula espinhal causada, na maioria dos casos, por parasitos como Angiostrongylus cantonensis, representa um desafio para a saúde pública brasileira. Diferente das meningites bacterianas ou virais, conhecidas por seu potencial epidêmico, essa forma da doença ocorre pelo contato humano com moluscos, como o caramujo-gigante-africano (Achatina fulica), introduzido no país na década de 1980. Transmitido por roedores, seu hospedeiro definitivo, o parasito alcança o homem de maneira acidental, muitas vezes por alimentos crus e mal higienizados, levantando questões quanto ao diagnóstico, tratamento e à vigilância epidemiológica.
Os primeiros casos associados ao Angiostrongylus cantonensis no Brasil datam de 2007. Desde então, notificações esporádicas foram registradas em estados como Amapá, Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Um estudo de 2014, publicado na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) e liderado pelo Dr. Carlos Graeff-Teixeira, à época professor de parasitologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), revisou 34 casos até aquele ano, com um óbito confirmado. Atualmente a doença mantem sua relevância e importância clínica apesar de sua relativa raridade.
A infecção ocorre quando larvas do parasito presentes em moluscos ou vegetais crus contaminados, são ingeridas. Os sintomas, que incluem dor de cabeça, febre, náuseas, vômitos e rigidez na nuca, assemelham-se aos de outras meningites, mas o quadro pode se complicar com lesões mais severas, as larvas também podem atingir os olhos, provocando distúrbios visuais. O diagnóstico depende da análise do líquido cefalorraquidiano (LCR), obtido por punção lombar. “Nos casos característicos da infecção por Angiostrongylus cantonensis, a quantidade de eosinófilos no liquor é muito grande, mas nem todos os profissionais de saúde conhecem essa possibilidade como causa de meningite”, explica o Dr. Graeff-Teixeira. Ele aponta barreiras e diz que muitos laboratórios não fazem a contagem diferencial das células no LCR, o que impede identificar os eosinófilos.
Ainda de acordo com o professor atualmente na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), o tratamento enfrenta limitações. Não existe medicamento com eficácia comprovada para eliminar os vermes. “Os parasitos estão no cérebro, um tecido muito nobre. Há o risco, embora controverso, de piora das lesões com a morte dos vermes induzida pela medicação”, observa. O tratamento, portanto, concentra-se no controle da inflamação com corticoides, principal abordagem contra a neuroangiostrongilíase. Propostas como desenvolver substâncias que mobilizem os vermes para fora do tecido cerebral foram discutidas, mas não resultaram em soluções práticas. “Seria ideal evitar que os vermes não ficassem no cérebro, mas o que aconteceria se seguissem adiante é um desafio sem resposta no momento”, pondera o Dr. Graeff-Teixeira.
A vigilância epidemiológica também enfrenta desafios. “A infecção por Angiostrongylus deveria ser notificada, mesmo que não de forma compulsória. Além disso, os profissionais de saúde precisam saber considerar essa possibilidade e encaminhar material para diagnóstico”, defende o parasitologista. Ele sugere mapear os moluscos vetores, como o caramujo-africano, relatado até em regiões de praia. “Nas áreas frequentadas pela população, conhecer o risco de transmissão em cada localidade depende de estudos sobre os hospedeiros intermediários”, atenta.
No Brasil, a angiostrongilíase – tanto pelo A. cantonensis, que afeta o sistema nervoso, quanto pelo A. costaricensis, que atinge o intestino – ocorre de forma focal e sazonal. “Isso faz com que não haja perspectiva de agravamento em larga escala”, avalia o professor. Diferente de locais como o Havaí, onde os moluscos carregam grandes quantidades de larvas, a carga parasitária no Brasil é menor, e o hábito de consumir moluscos crus, comum na Ásia, não prevalece aqui. Ainda assim, o caramujo se espalhou para áreas urbanas e rurais, especialmente onde há hortas e jardins. Antes de consumir hortaliças, verduras e frutas com casca, o especialista recomenda lavar com água corrente e deixá-las de molho por 30 minutos em uma solução de uma colher de sopa de hipoclorito de sódio por litro de água. Esse procedimento ajuda a eliminar possíveis larvas ativas.
O Brasil tem se destacado no diagnóstico da doença, com pesquisas conduzidas por equipes lideradas pela Dra. Alessandra Morassutti, na Universidade de Passo Fundo (UPF), e pela Dra. Leyva Melo, no Instituto Adolfo Lutz (IAL), referência para exames de anticorpos e PCR. No Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) cientistas também contribuem para os avanços da detecção da meningite eosinofílica.
Em 2024, um estudo publicado na revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (RSBMT), pelo grupo do Dr. Graeff-Teixeira, descreveu um caso de Meningite eosinofílica em um indivíduo que consumiu peixe cru durante ecoturismo na Amazônia. Intitulado “Gnathostoma infection after ingestion of raw fish is a probable cause of eosinophilic meningitis in the Brazilian Amazon”, o relato marcou o primeiro registro desse parasito fora da Ásia, Isto revela a existência de outros agentes capazes de causar a síndrome de Meningite eosinofílica.
A Meningite eosinofílica reflete a interação entre espécies invasoras, hábitos humanos e desafios de saúde pública. Enquanto crianças e trabalhadores rurais estão entre os mais vulneráveis ao contato com o parasito, a integração entre pesquisa, assistência médica e medidas de prevenção torna-se fundamental para enfrentar essa ameaça silenciosa.
**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**