Monkeypox: pesquisa brasileira abre caminho para profilaxia e prevenção
Estudo revela epítopos imunogênicos compartilhados entre vírus da Monkeypox e Alaskapox, apontando para imunidade cruzada
06/09/2024Um estudo realizado por pesquisadores do Laboratório de Biologia Molecular de Microrganismos (LaBioMol) da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG) revelou que os vírus Monkeypox (MPXV) e Alaskapox (AKPV) compartilham epítopos imunogênicos, regiões específicas de suas proteínas que podem desencadear uma resposta imunológica no corpo humano. Publicado na revista The Lancet Microbe, o artigo intitulado “Shared immunogenic epitopes between host entry and exit proteins from monkeypox and Alaskapox viruses“ abre novas possibilidades para o desenvolvimento de vacinas e métodos de diagnóstico contra essas doenças virais emergentes.
A pesquisa, liderada pelo Dr. Leonardo Augusto de Almeida, identificou epítopos conservados nas proteínas envolvidas nos processos de entrada e saída dos vírus nas células humanas. Essa descoberta sugere que uma infecção por um desses vírus pode conferir algum nível de imunidade contra o outro, um conceito conhecido como imunidade cruzada. De acordo com o Dr. Almeida, a recente descoberta de epítopos conservados entre os vírus monkeypox e alaskapox representa uma oportunidade significativa para o desenvolvimento de vacinas e testes eficazes contra patógenos relacionados. “Essa descoberta facilita o desenvolvimento de intervenções bivalentes ou multivalentes, aumentando a proteção global e ajudando a controlar surtos emergentes e reemergentes,” afirma o professor.
Para realizar o estudo, os pesquisadores utilizaram técnicas computacionais para mapear as proteínas-alvo dos dois vírus e descobriram que três dos dez epítopos identificados anteriormente no MPXV estão 100% conservados no AKPV. Além disso, outros quatro epítopos apresentaram mutações que não comprometem sua capacidade de induzir uma resposta imunológica, tornando-os candidatos viáveis para testes diagnósticos. Segundo o Dr. Almeida, ao identificar a conservação de proteínas entre patógenos da mesma família ou filogeneticamente relacionados, torna-se mais fácil e rápido desenvolver vacinas eficazes contra múltiplos patógenos. “A conservação dessas regiões imunogênicas, juntamente com as análises rápidas proporcionadas pela bioinformática, facilita a definição dos melhores alvos para imunizantes multivalentes,” explica.
O professor destaca ainda que a integração entre bioinformática e imunologia é essencial para o rápido e eficaz desenvolvimento de novos imunizantes. “A bioinformática permite a rápida escolha e definição dos alvos que serão reconhecidos pelo sistema imunológico, enquanto a imunologia identifica os padrões mais eficazes de resposta,” comenta. Ele acrescenta que o sucesso na obtenção de vacinas depende do aprofundamento em ambas as áreas. “A colaboração entre essas disciplinas é crucial para o avanço na criação de vacinas para doenças emergentes e no aprimoramento das vacinas já disponíveis,” conclui. O próximo passo da pesquisa inclui testes in vitro e pré-clínicos para avaliar a eficácia dessas vacinas em modelos animais. Esses testes serão fundamentais para validar a aplicação prática das descobertas e possibilitar parcerias com outras instituições para avançar nas pesquisas.
A descoberta de epítopos imunogênicos compartilhados entre o MPXV e o AKPV é especialmente relevante no contexto atual, em que a monkeypox foi recentemente declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII). Com a nova variante clado 1b se espalhando pela África Central e apresentando alta letalidade, a identificação de estratégias de imunização que possam oferecer proteção cruzada entre diferentes vírus tornou-se uma prioridade global. Além disso, a pesquisa oferece insights valiosos para a criação de novas estratégias de vacinação e prevenção, que se concentrem na identificação de epítopos compartilhados entre diferentes vírus, acelerando o desenvolvimento de vacinas para futuras pandemias.
Surtos de Mpox na RDC não são novidade
A nova variante da monkeypox, identificada pela primeira vez na República Democrática do Congo (RDC) em setembro de 2023, rapidamente se espalhou para outros países da África Central, como Camarões, República Centro-Africana, Ruanda, Uganda e Quênia. Essa variante apresenta uma taxa de mortalidade de até 10%, afetando particularmente as crianças. Em 2024, a RDC registrou a maioria dos casos e mortes, concentrando 96,3% dos casos e 97% das mortes.
A RDC registra casos de monkeypox há mais de uma década, mas o aumento contínuo de infecções nos últimos anos tem preocupado a Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2024, o número de casos ultrapassou 14 mil, superando o total de 2023, com 524 mortes registradas até o momento. Diante da nova declaração de emergência global pela OMS, o Ministério da Saúde da RDC iniciou negociações para adquirir mais 25 mil doses da vacina Jynneos, além das 47 mil doses recebidas desde 2023, das quais 29 mil já foram aplicadas.
Entre 2022 e 2023, a doença foi declarada uma emergência global devido à rápida disseminação do vírus em vários países. O número de casos atingiu seu pico em agosto de 2022 e, em seguida, começou a diminuir gradualmente até abril de 2023. Apesar dessa redução, a OMS alertou que a doença continuava sendo um desafio significativo para a saúde pública mundial. Agora, pouco mais de um ano após o fim da primeira emergência global, a doença volta a ser uma ameaça de disseminação mundial. Desde o início da epidemia em 2022, quase 100 mil casos foram relatados em 122 países, sendo que 115 desses países não tinham histórico anterior da doença, segundo dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos.
Desde a primeira emergência global por monkeypox, há dois anos, o Centro de Tecnologia de Vacinas da UFMG vem desenvolvendo uma vacina brasileira para prevenir a infecção. A iniciativa é uma das prioridades da Rede Vírus, um comitê especializado criado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para combater vírus emergentes no Brasil. Em 2022, o Instituto Nacional de Saúde dos EUA doou à UFMG a “semente do vírus”, essencial para o desenvolvimento do insumo farmacêutico ativo (IFA) usado na vacina. Atualmente, existem duas vacinas contra a doença: a Jynneos, recomendada pela OMS e produzida pela Bavarian Nordic, e a ACAM 2000, fabricada pela Emergent BioSolutions, que apresenta mais efeitos colaterais e é considerada menos segura.
**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**