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Mortes por doença de Chagas na Bahia: estudo revela desigualdades regionais e crescimento entre idosos

Pesquisa aponta alta mortalidade em áreas vulneráveis e reforça a necessidade de políticas públicas focadas na prevenção, diagnóstico precoce e controle do vetor

31/10/2024

Pesquisa alerta para a implementação de medidas preventivas e a necessidade de capacitação contínua das equipes de saúde para identificar e tratar precocemente os casos, evitando mortes prematuras

O artigo “Spatio-temporal trends in mortality due to Chagas disease in the State of Bahia, Brazil, from 2008 to 2018“, publicado recentemente na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (RSBMT), analisa as variações regionais e temporais das taxas de mortalidade por doença de Chagas. O estudo destaca a persistência de altas taxas de mortalidade, especialmente entre idosos acima de 70 anos. A taxa ajustada pela idade variou de 4,3 para 5,1 mortes por 100 mil habitantes entre 2008 e 2018, com aumento em quatro das nove macrorregiões de saúde (Oeste, Sudoeste, Nordeste e Extremo Sul), sendo as complicações cardíacas responsáveis por 85,1% dos óbitos com doença de Chagas como causa básica. Além de evidenciar as tendências regionais e demográficas, o estudo levanta questões sobre o manejo da doença, as lacunas no sistema de saúde e as vulnerabilidades estruturais que perpetuam a alta mortalidade, destacando pontos essenciais para a formulação de políticas públicas eficazes.

As análises revelam um aumento na mortalidade entre 2008 e 2018 em áreas como Barreiras, Cruz das Almas, Guanambi, Feira de Santana, Jacobina e Santo Antônio de Jesus, regiões de saúde onde os fatores de risco incluem a presença atual ou, em décadas passadas, de triatomíneos infectados, associados a condições socioeconômicas desfavoráveis. Em contraste, regiões como Paulo Afonso e Ilhéus apresentaram coldspots, sugerindo que essas áreas podem ter menor risco para a transmissão da doença. Outro ponto abordado é a vulnerabilidade social, com triatomíneos vivendo em ambientes modificados pelo homem, o que aumenta a exposição das populações mais pobres ao Trypanosoma cruzi. A precariedade das condições de vida nessas áreas pode contribuir para a persistência da transmissão e para o elevado número de mortes.

Segundo a sanitarista da Diretoria de Vigilância Epidemiológica do Estado da Bahia, Cristiane Medeiros Moraes de Carvalho, uma das autoras do artigo, as áreas mais vulneráveis demandam ações intensivas de vigilância e controle do vetor. “As populações vulneráveis enfrentam dificuldades de acesso ao sistema de saúde, especialmente nas áreas rurais, o que limita o conhecimento sobre a doença de Chagas. Embora as condições de moradia tenham melhorado, muitas casas, especialmente na zona rural, ainda podem apresentar riscos. Nesse contexto, é essencial que a população adote medidas preventivas e que haja o fortalecimento da educação permanente e da educação em saúde em todo o Estado”, assinala.

A especialista também menciona o aumento preocupante da mortalidade entre as mulheres. “Observamos que, possivelmente, por historicamente procurarem mais os serviços de saúde e estarem mais expostas a atividades em áreas de mata, como agropecuária e pesca, antes realizadas majoritariamente por homens, elas apresentaram uma taxa crescente de mortalidade por doença de Chagas. Ressalta-se que, desde 2017, gestantes de áreas endêmicas na Bahia são recomendadas a realizar o teste de Chagas no pré-natal, e bebês de mães infectadas devem ter acesso ao diagnóstico oportuno”, explica a sanitarista.

A mortalidade por Chagas está fortemente ligada a complicações cardíacas, o que sugere a necessidade de melhorar o diagnóstico e o acompanhamento dos pacientes, especialmente os idosos, que sofrem com comorbidades associadas à doença. “Para enfrentar o desafio da cardiomiopatia chagásica em idosos, é essencial capacitar continuamente os profissionais de saúde e garantir o acesso dos casos com indicação ao serviço especializado. Além disso, o suporte psicossocial e o acompanhamento contínuo na atenção primária, com apoio da telemedicina, são fundamentais para melhorar a qualidade de vida dos idosos afetados”, alerta a pesquisadora.

Um problema crônico levantado no estudo é a subnotificação da doença, particularmente nos casos agudos. Embora apenas dois casos agudos confirmados laboratorialmente tenham sido registrados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) na Bahia durante o período do estudo, o número de mortes informados no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) relacionadas à fase aguda foi maior. Para a sanitarista, o cuidado na formação e na educação continuada dos profissionais de saúde é o primeiro passo para melhorar o diagnóstico e a notificação dos casos de Chagas. “Isso deve começar já na graduação. Fortalecer esse ensino é fundamental. Além disso, a oferta de testes rápidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) representa uma grande promessa para ampliar o diagnóstico e a notificação dos casos crônicos, informação essencial para embasar políticas públicas”, frisa.

Por fim, a pesquisadora enfatiza as informações sobre os óbitos causados pela doença de Chagas, destacando que a forma de maior incidência identificada foi a doença de Chagas crônica com comprometimento cardíaco (B57.2). No entanto, chama a atenção para o fato de que, na Classificação Internacional de Doenças (CID 10), este código também abrange a forma crônica sem outras especificações, por não haver um código para essas situações, o que pode comprometer a análise. “Embora a maioria dos óbitos registrados sob esse código seja referente à forma crônica com comprometimento cardíaco, é importante considerar a definição completa do código. Vale lembrar que, enquanto o CID-10 não contempla um código específico para a forma crônica indeterminada da doença, o CID-11 prevê a inclusão da classificação para a forma crônica indeterminada da doença”, finaliza.Confira o artigo “Spatio-temporal trends in mortality due to Chagas disease in the State of Bahia, Brazil, from 2008 to 2018” publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (RSBMT): https://doi.org/10.1590/0037-8682-0058-2024

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**