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MPOX: casos continuam e merecem atenção, alertam especialistas

Brasil, juntamente com Estados Unidos, lidera o ranking mundial de mortes pela doença, 14 dos 65 óbitos registrados no mundo

08/12/2022
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Diante da escassez de vacinas no mercado internacional, a recomendação da SBI é destinar as doses para pessoas com HIV/AIDS, que estão com a contagem de linfócitos TCD4 abaixo de 350

Durante o 57º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (MEDTROP), realizado em Belém (PA), entre os dias 13 e 16 de novembro, um dos temas de grande destaque foi Monkeypox, que no final de novembro passou a ser denominada MPOX, pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Contudo, a pergunta sobre quando o Brasil vai iniciar a campanha de vacinação, que tomou conta do debate, não obteve nenhuma resposta oficial do Ministério da Saúde. Apesar da pasta ter anunciado, em setembro, a aquisição de 50 mil doses do imunizante contra a doença, o País recebeu apenas a primeira remessa com 9,8 mil doses. A previsão é que as demais cheguem até o final deste ano. Enquanto isso, Estados Unidos e Brasil, lideram o ranking mundial de mortes (20 e 14, respectivamente, dos 65 óbitos registrados), seguidos pela Nigéria (7), Gana e México (4 em casa). Até o dia 09 de dezembro, o Brasil contabilizava 10.231 casos, enquanto o mundo registrava 82.594 mil casos da doença, segundo o OurWorldinData.org, plataforma que compila os dados.

Um levantamento realizado pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) aponta que a maioria das vítimas fatais da MPOX viviam com HIV/AIDS. Diante do cenário e da escassez de vacinas no mercado internacional, a recomendação da entidade é destinar as doses às pessoas vivendo nessa condição. O vice-presidente da SBI, Dr. Alexandre Naime, enfatiza a necessidade do Brasil não só adquirir, mas também aplicar a vacina em grupos mais vulneráveis, principalmente nas pessoas com HIV/AIDS e contagem de linfócitos TCD4 abaixo de 350. “É fundamental que tenhamos esse imunizante, principalmente para esse público, já que quase todos os casos de óbitos no País foram de pessoas com HIV (13 dos 14) e com imunossupressão. Também é importante estender aos imunossuprimidos, que possivelmente fazem parte da população vulnerável”, complementa o professor e pesquisador da Universidade Estadual Paulista (unesp).

Em relação à possibilidade de imunizar outros grupos, o Dr. Naime destaca que isso tem sido alvo de debate, uma vez que a transmissão continua alta no Brasil, enquanto em outros países ela está em um platô. “Tudo vai depender do cenário epidemiológico futuro, por enquanto, não há como prever e nem como fazer uma afirmação assertiva. Se os casos continuarem no platô que se encontram ou começarem a cair, não vai ser necessário. Mas se houver  aumento grande no número de casos, a vacinação pode ser estendida”, atenta. Questionado se a situação ainda é especialmente preocupante e se os casos ainda merecem atenção, o vice-presidente da SBI assinala que toda a doença emergente ou reemergente exige atenção especial, principalmente na questão epidemiológica, seja para traçar diagnóstico de casos suspeitos ou confirmá-los. Para ele, a doença obviamente deve ser vista com muita atenção por toda a comunidade científica, médica, bem como os gestores de saúde.

Por fim, o Dr. Naime reconhece que o vírus pode circular abaixo do radar dos sistemas de detecção em saúde coletiva, já que a manifestação clínica da MPOX é muito parecida com outras infecções sexualmente transmissíveis (IST), como herpes e sífilis, por exemplo. Ainda segundo ele, se não houver índice alto de suspeição e treinamento dos profissionais de saúde que fazem o atendimento, os casos podem passar despercebidos e serem tratados de forma errônea e ficando sem o diagnóstico correto. “Por isso, a SBI juntamente com a Medicina Tropical tem insistindo em educação médica e educação em saúde continuada para que se aumente a suspeição diagnóstica”, conclui o médico infectologista.

Risco da doença não ser contida no Brasil caso erros de resposta à pandemia se repitam

Um artigo publicado na revista científica The Lancet Regional Health Americas intitulado Monkeypox in Brazil between stigma, politics, and structural shortcomings: Have we not been here before?  chama a atenção para que, caso o surto de MPOX não seja contido adequadamente no Brasil, erros semelhantes cometidos na resposta à pandemia de Covid-19 podem se repetir. O artigo aponta cinco riscos que devem ser contornados: estigma associado à infecção, deficiências do sistema de saúde, dependência de vacinas e tratamentos estrangeiros e crise de governança em que se desenrola na luta contra a doença.

O Dr. Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), primeiro autor do artigo, explica que o objetivo do artigo, primeiro, foi alertar para a situação da Monkexpox no Brasil. “Embora os dados indiquem que o surto teve desaceleração, como ocorreu em outros países (em relação ao pico da circulação viral, em agosto e setembro), temos hoje mais de 10.200 casos confirmados e um total de 14 óbitos, o que nos coloca como o país com mais mortes pela doença no mundo”, acrescenta ao dizer que como observado na história de outras epidemias e doenças transmissíveis no Brasil, por exemplo, HIV, tuberculose, sífilis e, mais recentemente Covid-19, caso medidas não sejam adotadas para o controle mais eficaz, há chance da dispersão da MPOX no imenso território brasileiro e entre grupos mais vulneráveis que tendem a ser mais atingidos.

Ainda segundo o Dr. Scheffer, a situação da MPOX é especialmente preocupante pela péssima resposta recente do Brasil, pelos erros cometidos em relação à Covid-19 e que não podem ser repetidos. “Também é preocupante que ocorreram cortes no orçamento do Ministério da Saúde para 2023, cujo os recursos não serão suficientes nem mesmo para cobrir as ações de tratamento e prevenção de HIV, tuberculose, hepatites e hanseníase. Assim, apresentamos cinco fatores críticos que estão interligados, e que deveriam ser considerados em um novo plano de combate à MPOX”, justifica.

O professor observa que a MPOX chama a atenção para dois temas que precisam compor as campanhas e medidas de saúde pública. Primeiro, evitar o estigma associado a uma infecção que afeta desproporcionalmente populações mais vulneráveis; e segundo o papel das fake News, mensagens enganosas ou imprecisas que dificultam a prevenção. “Não só em se tratando de MPOX, ações de combate a epidemias precisam hoje considerar um plano de específico de combate à desinformação”, argumenta. Ainda de acordo com o Dr. Scheffer, o artigo também mostra a dependência do Brasil na importação de vacinas e insumos, como ocorreu na Covid-19. Por isso, segundo ele, é muito importante a iniciativa do Butantan, que está em negociação com o National Institute of Health (NIH), dos Estados Unidos, visando produção da vacina contra a MPOX no Brasil, diante do aumento de casos e mortes no País.

“Por fim destacamos que os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil têm um histórico de respostas exitosas no combate ao HIV e a outros surtos e epidemias, como dengue, Zika, febre amarela e Chikungunya. Se o Ministério da Saude, que abriu mão da coordenação nacional durante a Covid-19, voltar a liderar a articulação com estados e municípios, a MPOX será mais adequadamente controlada no Pais”, encerra o professor da FMUSP.

OMS decide novo nome: MPOX

Após abrir uma consulta pública e ouvir diversos órgãos consultivos, com especialistas que representaram autoridades de 45 países diferentes, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou nova nomenclatura para a doença, agora denominada MPOX. A decisão foi tomada após uma série de deliberações com especialistas globais. A Organização informou que ambos os nomes poderão ser utilizados durante o período de um ano, até que as pessoas se acostumem com a nova nomenclatura. Ainda segundo a OMS, o termo Mpox pode ser usado em todas as línguas. A atribuição do novo nome é formalizada pela Classificação Internacional de Doenças (CID). Com isso, a nova nomenclatura será incluída no CID-10 online, versão atual do documento que é o padrão global para dados de saúde, documentação clínica e agregação estatística, já nos próximos dias. O processo de troca será concluído no lançamento da edição do CID-11, em 2023, quando o termo Monkeypox será substituído.

Entenda o caso

Desde junho, cientistas pressionavam por uma nomenclatura não discriminatória, a fim de evitar estigma e preconceito contra os indivíduos infectados e maus-tratos contra os animais. A matéria publicada pela Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) revelou que um artigo publicado no portal Virological, em 10 de junho, intitulado Urgent need for a non-discriminatory and non-stigmatizing nomenclature for monkeypox virus, assinado por um grupo de 30 cientistas de 11 países, solicitou a mudança de nomenclatura para se referir à varíola dos macacos. Segundo eles, além da terminologia utilizada para a doença, também havia problemas quanto a algumas referências ao continente africano e seus países, consideradas incorretas, discriminatórias e estigmatizantes. Para o grupo, ao levar em consideração que desde maio uma nova versão do vírus circulava pelo mundo, a denominação deveria ser apenas hMPXV (h por humano). Eles observaram que a cepa circulante nos 32 países fora da África era, provavelmente, diferente do vírus encontrado em animais. Outra defesa sugerida à época dizia respeito ao nome das variantes do vírus, associadas à África Ocidental (West clade) e à África Central na região do Congo (Congo clade). A proposta era que fosse adotado “Cepa 1”, no lugar de Congo clade e “Cepa 2 e 3”, no lugar de West clade.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**