Notícias

Nossa revisão demonstra claramente que os ecossistemas tropicais atualmente enfrentam uma infinidade de ameaças, alerta Dr. Jos Barlow

Encontrar soluções sustentáveis para a crise da biodiversidade tropical é complexo e requer ação local e global. A capacidade de pesquisa local também é fundamental, pois as soluções eficazes dependem do contexto

12/09/2018
width=550

Eu também acho que os países ricos têm um papel importante a desempenhar no apoio aos países tropicais para melhorar suas capacidades de pesquisa e governança

Ao que tudo indica, os Trópicos estão com problemas. É o que revela um estudo conduzido por um grupo de cientistas liderados pelo Dr. Jos Barlow, da Lancaster University, publicado na revista Nature. De acordo com o artigo “The future of hyperdiverse tropical ecosystems, os Trópicos estão enfrentando uma mistura de ameaças provocadas pelo homem. Essas ameaças estão aumentando o risco de extinção para muitas espécies. Na opinião do Dr. Jos Barlow, o Brasil tem um papel único no futuro dos Trópicos, pois é um dos poucos países tropicais com forte capacidade de pesquisa. Ainda segundo o autor, para evitar esse futuro sombrio, investimento é fundamental.

Para saber mais sobre o assunto, confira abaixo a entrevista na íntegra com o Dr. Jos Barlow.

SBMT: Atualmente, quais são os principais problemas que afetam os Trópicos? Por quê?

Dr. Jos Barlow: A principal descoberta de nossa análise é que não há um único problema que afeta os trópicos – ao contrário, nossa análise demonstra claramente que os ecossistemas tropicais enfrentam atualmente uma infinidade de ameaças, devido a pressões locais como desmatamento, exploração madeireira ou pesca excessiva a pressões globais, como mudanças climáticas e aumento da demanda por fontes de produtos agrícolas nos trópicos.

SBMT: O senhor acredita que a mudança climática pode agravar as doenças nos trópicos? Por quê?

Dr. Jos Barlow: Eu sou um ecologista e não um epidemiologista, então há muitas pessoas mais qualificadas para responder a isso (especialmente no Brasil, onde a FioCruz e outras lideram o caminho). Mas, como muitos vetores invertebrados de doenças tropicais respondem a variáveis climáticas, parece muito provável que a mudança climática altere a transmissão da doença.

SBMT: Podemos dizer que a pobreza também aparece como um fator / ameaça para o surgimento e disseminação de doenças nos Trópicos?

Dr. Jos Barlow: Como acima em relação à epidemiologia. Mas é claro que a pobreza influencia a capacidade dos países tropicais de responder a questões ambientais e sociais – incluindo doenças.

SBMT: A fraqueza na governança e na capacidade de pesquisa estão agravando a perspectiva de longo prazo na biodiversidade tropical, a menos que medidas urgentes sejam aplicadas. Você poderia nos falar um pouco sobre isso?

Dr. Jos Barlow: Encontrar soluções sustentáveis para a crise da biodiversidade tropical é complexo e requer ação local e global. A ação local só será eficaz a longo prazo se as estruturas de governança forem capazes de manter qualquer mudança de política – é relativamente fácil projetar práticas sustentáveis que pareçam boas no papel, mas o verdadeiro desafio está na implementação.  Capacidade de pesquisa local também é fundamental, assim como soluções eficazes são dependentes do contexto. Não se pode simplesmente implementar uma política apenas porque ela funciona bem em países desenvolvidos, ou em outra região tropical – cada região tem sua própria mistura única de pessoas e natureza, e a capacidade de pesquisa local é fundamental para entender esses contextos locais e se desenvolver ambientalmente sustentável e socialmente – apenas soluções.

SBMT: Em sua opinião, como vamos abordar os desafios ambientais urgentes enfrentados pelos Trópicos?

Dr. Jos Barlow: Não vai ser fácil – e não há solução única. Portanto, temos que adotar várias soluções. Os problemas globais só podem ser resolvidos através da colaboração internacional – e precisamos incentivar os governos a limitar as mudanças climáticas e melhorar a colaboração entre os países para tornar o comércio global mais sustentável. Eu também acho que os países ricos têm um papel importante no apoio aos países tropicais para melhorar suas capacidades de pesquisa e governança – não podemos negociar sustentavelmente com os países sem contribuir para isso.

SBMT: O que é preciso fazer para evitar esse futuro sombrio?

Dr. Jos Barlow: Investimento e ação colaborativa são fundamentais.

SBMT: O senhor gostaria de acrescentar algo que considera importante e que não tenha sido abordado acima?

Dr. Jos Barlow: Eu acho que o Brasil tem um papel único no futuro dos trópicos, pois é um dos poucos países tropicais com forte capacidade de pesquisa. Espero que isso continue.

SBMT: Finalizando, gostaria que o senhor falasse um pouco sobre seu trabalho e suas experiências.Dr. Jos Barlow: Minhas experiências tropicais vêm de 20 anos de pesquisa na Amazônia brasileira, onde testemunhei em primeira mão as consequências devastadoras de secas severas e desmatamento, que se combinam para provocar incêndios florestais. Minha pesquisa em andamento é na região de Santarém, onde um milhão de hectares de floresta queimaram durante o El Nino de 2015-16 Esses incêndios provocaram enormes perdas para a população local e para a biodiversidade, mas só podem ser evitados por uma ação conjunta envolvendo muitos setores diferentes.