Notícias

Pesquisador sênior de imunologia em Brasília, Eduardo Tosta fala com a SBMTPesquisador sênior de imunologia em Brasília, E

15/02/2012

Convidado pela Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Eduardo Tosta, especialista em imunologia clínica e mestrado em medicina tropical pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, doutorado e pós-doutorado em imunologia pela University of London e pesquisador sênior de imunologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília, comenta sobre a vacina experimental contra a malária que, atualmente, está sendo desenvolvida por pesquisadores britânicos e ainda sobre a recente morte de Milena Oliveira de Medeiros, diplomata brasileira que contraiu malária na África. Confira:


VACINA

Inicialmente, convém esclarecer que ainda não se dispõe de uma vacina antimalárica, mas de candidatos à vacina antimalárica. Das mais de 100 formulações já testadas ou em teste, a que tem mais chance de se transformar em uma vacina antimalárica é a que foi desenvolvida inicialmente pelo Walter Reed Army Institute for Research, dos Estados Unidos, e posteriormente aperfeiçoada pela empresa britânica GlaxoSmithKline (GSK) e que vem sendo testada em vários países africanos.

Esta candidata a vacina antimalárica recebeu o nome de Mosquirix e consiste em uma parte da proteína que recobre a superfície do esporozoíto (RT), fundida à proteína de superfície do vírus da hepatite B (S), co-expressas na levedura Saccharomyces cerevisiae modificada, juntamente com proteínas S não fundidas, e adicionadas a um sistema adjuvante, composto lipossomal de derivados de lipossacarídio e saponina com atividade imunoestimulante (AS01). Tais constituintes explicam o nome técnico da Mosquirix: RTS,S/AS01.

Nos últimos 10 anos diferentes formulações da RTS,S têm sido testadas em uma variedade de contextos epidemiológicos africanos e têm mostrado certo grau de eficácia, jamais apresentado por qualquer outra formulação, mesmo em populações jovens, o principal alvo de uma vacina antimalárica. Um grande ensaio multicêntrico de fase III está atualmente em andamento, compreendendo um total de 15.460 crianças de 11 localidades de sete países africanos, divididas em dois grupos: de 6 a 12 semanas e de 5 a 17 meses.

Os resultados preliminares do grupo de crianças mais velhas (6000 de um total de 8923 vacinadas) mostram redução do risco de ocorrência de manifestações clínicas da malária em 56% nos primeiros 12 meses após a vacinação e o risco de malária grave de 47% (New England Journal of Medicine 365:1863-1875, 2011). Os resultados definitivos somente estarão disponíveis no fim de 2012 e, se for aplicada uma dose de reforço após 18 meses, como planejado, os resultados finais serão conhecidos somente em 2014.

Apesar de ter alcançado uma eficácia melhor que a de todas as demais candidatas à vacina antimalárica já testadas, a proteção induzida pela Mosquirix está bem aquém do mínimo de 90% que se exige de uma vacina para que seja licenciada. Entretanto, mesmo que a eficácia de uma futura vacina antimalárica não alcance este patamar de proteção, ela seria muito bem-vinda, pois poderia reduzir a morbidade da malária e salvar milhares de vidas.

Certamente, a Organização Mundial da Saúde levou em conta os enormes desafios associados ao desenvolvimento de uma vacina antimalárica ao estabelecer um Roteiro para a Vacina Antimalárica (Malaria Vaccine Roadmap) em que propõe o desenvolvimento de uma vacina de primeira geração até 2015 com 50% de eficácia de proteção contra a malária grave, seguida por uma vacina de segunda geração com eficácia superior a 80% até 2025.

Esta visão atual representa um imenso avanço em relação à concepção anterior em que se buscava uma vacina capaz de impedir a infecção pelo plasmódio ou de evitar as manifestações clínicas da malária. A expectativa mais modesta de se buscar uma vacina capaz de livrar uma parcela da população das manifestações da malária grave, e potencialmente letal, leva em conta, implicitamente, o reconhecimento da incapacidade de nosso sistema imunitário exterminar o plasmódio, ser dotado de extraordinária capacidade de adaptação às adversidades.

Além disso, leva-se também em consideração que a função precípua do sistema imunitário não é a de destruir agentes infecciosos, mas de propiciar a adaptação a eles. Buscam-se assim vacinas coadaptativas, que facilitem a convivência do homem ao plasmódio com um mínimo de danos durante o processo de adaptação.
Mesmo que os resultados finais dos ensaios em andamento confirmem a eficácia da Mosquirix, é improvável que a atual formulação seja a escolhida para ser licenciada como a primeira vacina antimalárica da história da humanidade. Isto porque, além de necessitar de, pelo menos, duas doses de reforço, o que constitui dificuldade quase insuperável nas condições em que vivem os habitantes das áreas de transmissão, a atual formulação tem causado maior frequência de manifestações febris e de convulsões nos grupos vacinados e, o que é ainda inexplicável, também de meningite.

Além disso, nenhuma das candidatas à vacina antimalárica conseguiu proteger, mesmo que parcialmente, os vacinados por mais de um ano. Assim, se temos razões para saudar com alegria e esperança o desenvolvimento do primeiro composto capaz de induzir proteção contra a malária, apesar de limitada e transitória, não há espaço para excessos de otimismo frente aos enormes desafios que ainda têm que ser vencidos antes que possamos dispor de uma vacina antimalárica capaz de concorrer para minimizar o impacto que a malária tem causado durante a trajetória da humanidade.

MORTE DA DIPLOMATA BRASILEIRA

Não há como não se revestir de um tom dramático a morte de uma jovem diplomata em sua primeira missão fora do país, ainda mais quando se reconhece que esta circunstância seria, provavelmente, evitada se o diagnóstico tivesse sido feito precocemente e o tratamento adequado fosse instituído em tempo hábil. Que possamos tirar lições deste triste acontecimento (lamentavelmente não o único):

1 – A necessidade de o Ministério das Relações Exteriores assumir a responsabilidade de orientar seus profissionais em missões externas quanto aos problemas de doenças a que estarão expostos e de como proceder nesses casos;

2 – Que todas as instituições hospitalares que recebem pessoas que estiveram em áreas de transmissão de malária disponham de testes rápidos para o diagnóstico da doença de pessoal capacitado para realizá-los;

3 – A necessidade de que todo o profissional de saúde considere a malária como a primeira hipótese diagnóstica nos casos de indivíduos febris que moram ou que estiveram em áreas de transmissão de malária. Se a malária passar a fazer parte da realidade dos médicos que trabalham fora das áreas de transmissão – se eles passarem a pensar ‘malaricamente’ – muitas vidas deixarão de ser ceifadas.

Convidado pela Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Eduardo Tosta, especialista em imunologia clínica e mestrado em medicina tropical pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, doutorado e pós-doutorado em imunologia pela University of London e pesquisador sênior de imunologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília, comenta sobre a vacina experimental contra a malária que, atualmente, está sendo desenvolvida por pesquisadores britânicos e ainda sobre a recente morte de Milena Oliveira de Medeiros, diplomata brasileira que contraiu malária na África. Confira:


VACINA

Inicialmente, convém esclarecer que ainda não se dispõe de uma vacina antimalárica, mas de candidatos à vacina antimalárica. Das mais de 100 formulações já testadas ou em teste, a que tem mais chance de se transformar em uma vacina antimalárica é a que foi desenvolvida inicialmente pelo Walter Reed Army Institute for Research, dos Estados Unidos, e posteriormente aperfeiçoada pela empresa britânica GlaxoSmithKline (GSK) e que vem sendo testada em vários países africanos.

Esta candidata a vacina antimalárica recebeu o nome de Mosquirix e consiste em uma parte da proteína que recobre a superfície do esporozoíto (RT), fundida à proteína de superfície do vírus da hepatite B (S), co-expressas na levedura Saccharomyces cerevisiae modificada, juntamente com proteínas S não fundidas, e adicionadas a um sistema adjuvante, composto lipossomal de derivados de lipossacarídio e saponina com atividade imunoestimulante (AS01). Tais constituintes explicam o nome técnico da Mosquirix: RTS,S/AS01.

Nos últimos 10 anos diferentes formulações da RTS,S têm sido testadas em uma variedade de contextos epidemiológicos africanos e têm mostrado certo grau de eficácia, jamais apresentado por qualquer outra formulação, mesmo em populações jovens, o principal alvo de uma vacina antimalárica. Um grande ensaio multicêntrico de fase III está atualmente em andamento, compreendendo um total de 15.460 crianças de 11 localidades de sete países africanos, divididas em dois grupos: de 6 a 12 semanas e de 5 a 17 meses.

Os resultados preliminares do grupo de crianças mais velhas (6000 de um total de 8923 vacinadas) mostram redução do risco de ocorrência de manifestações clínicas da malária em 56% nos primeiros 12 meses após a vacinação e o risco de malária grave de 47% (New England Journal of Medicine 365:1863-1875, 2011). Os resultados definitivos somente estarão disponíveis no fim de 2012 e, se for aplicada uma dose de reforço após 18 meses, como planejado, os resultados finais serão conhecidos somente em 2014.

Apesar de ter alcançado uma eficácia melhor que a de todas as demais candidatas à vacina antimalárica já testadas, a proteção induzida pela Mosquirix está bem aquém do mínimo de 90% que se exige de uma vacina para que seja licenciada. Entretanto, mesmo que a eficácia de uma futura vacina antimalárica não alcance este patamar de proteção, ela seria muito bem-vinda, pois poderia reduzir a morbidade da malária e salvar milhares de vidas.

Certamente, a Organização Mundial da Saúde levou em conta os enormes desafios associados ao desenvolvimento de uma vacina antimalárica ao estabelecer um Roteiro para a Vacina Antimalárica (Malaria Vaccine Roadmap) em que propõe o desenvolvimento de uma vacina de primeira geração até 2015 com 50% de eficácia de proteção contra a malária grave, seguida por uma vacina de segunda geração com eficácia superior a 80% até 2025.

Esta visão atual representa um imenso avanço em relação à concepção anterior em que se buscava uma vacina capaz de impedir a infecção pelo plasmódio ou de evitar as manifestações clínicas da malária. A expectativa mais modesta de se buscar uma vacina capaz de livrar uma parcela da população das manifestações da malária grave, e potencialmente letal, leva em conta, implicitamente, o reconhecimento da incapacidade de nosso sistema imunitário exterminar o plasmódio, ser dotado de extraordinária capacidade de adaptação às adversidades.

Além disso, leva-se também em consideração que a função precípua do sistema imunitário não é a de destruir agentes infecciosos, mas de propiciar a adaptação a eles. Buscam-se assim vacinas coadaptativas, que facilitem a convivência do homem ao plasmódio com um mínimo de danos durante o processo de adaptação.    
Mesmo que os resultados finais dos ensaios em andamento confirmem a eficácia da Mosquirix, é improvável que a atual formulação seja a escolhida para ser licenciada como a primeira vacina antimalárica da história da humanidade. Isto porque, além de necessitar de, pelo menos, duas doses de reforço, o que constitui dificuldade quase insuperável nas condições em que vivem os habitantes das áreas de transmissão, a atual formulação tem causado maior frequência de manifestações febris e de convulsões nos grupos vacinados e, o que é ainda inexplicável, também de meningite.

Além disso, nenhuma das candidatas à vacina antimalárica conseguiu proteger, mesmo que parcialmente, os vacinados por mais de um ano. Assim, se temos razões para saudar com alegria e esperança o desenvolvimento do primeiro composto capaz de induzir proteção contra a malária, apesar de limitada e transitória, não há espaço para excessos de otimismo frente aos enormes desafios que ainda têm que ser vencidos antes que possamos dispor de uma vacina antimalárica capaz de concorrer para minimizar o impacto que a malária tem causado durante a trajetória da humanidade.

MORTE DA DIPLOMATA BRASILEIRA

Não há como não se revestir de um tom dramático a morte de uma jovem diplomata em sua primeira missão fora do país, ainda mais quando se reconhece que esta circunstância seria, provavelmente, evitada se o diagnóstico tivesse sido feito precocemente e o tratamento adequado fosse instituído em tempo hábil. Que possamos tirar lições deste triste acontecimento (lamentavelmente não o único):

1 – A necessidade de o Ministério das Relações Exteriores assumir a responsabilidade de orientar seus profissionais em missões externas quanto aos problemas de doenças a que estarão expostos e de como proceder nesses casos;

2 – Que todas as instituições hospitalares que recebem pessoas que estiveram em áreas de transmissão de malária disponham de testes rápidos para o diagnóstico da doença de pessoal capacitado para realizá-los;

3 – A necessidade de que todo o profissional de saúde considere a malária como a primeira hipótese diagnóstica nos casos de indivíduos febris que moram ou que estiveram em áreas de transmissão de malária. Se a malária passar a fazer parte da realidade dos médicos que trabalham fora das áreas de transmissão – se eles passarem a pensar ‘malaricamente’ – muitas vidas deixarão de ser ceifadas.