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Mudanças climáticas podem agravar doenças nos trópicos: ecologia e economia são principais determinantes

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11/11/2013

Climate O impacto do clima na agricultura será uma questão importante, além do risco de desnutrição o problema econômico aumentará

 

As variações nos padrões de temperaturas podem afetar as condições de vida dos humanos. A mudança climática pode afetar as provisões de comida e água em algumas regiões, e contribuir na propagação de doenças infecciosas, aponta o estudo publicado na edição mais recente da revista Nature e na mídia.

Em entrevista à SBMT, Dr. Jean-Paul Gonzalez, médico com especializações em virologia, epidemiologia, evolução e ecologia da saúde – que atuou como professor de Epidemiologia e Saúde Pública da Escola de Medicina de Yale e de Microbiologia na Mahidol University (Bangkok, Tailândia) e financiou um Centro de Pesquisa para doenças virais emergentes – fala sobre os efeitos das mudanças climáticas. Ele explica que os trópicos, além da grande variedade de micróbios, vetores, hospedeiros naturais do vírus, reservatórios etc, a pobreza também aparece como um fator de aparecimento e propagação de doenças, eventualmente, impulsionado por outros fatores como a desnutrição, higiene, conflitos e violência, além da promiscuidade, as quais prejudicando o sistema de saúde.

SBMT: Estudo publicado na edição mais recente da revista Nature aponta que os efeitos mais graves da mudança climática serão percebidos antes nas regiões tropicais do planeta na metade deste século. Como as variações nos padrões de temperaturas podem afetar as nossas condições de vida? 

JPG: 400 anos da era presente já era sabido, com as primeiras escritas de Hipócrates “Em Ares, Águas e Lugares” que, fatores ambientais (inclusive clima, entre outros) são de extrema importância para a saúde humana. Portanto, entre eles, o clima é um dos maiores responsáveis pelo surgimento e disseminação de doenças. Também, em relação à latitude (do Equador aos Polos), ambientes humanos locais (por exemplo, imunidade de rebanhos, rural versus urbano, etc.) e ambientes naturais (por exemplo, altitude, interior, costa), pode-se descrever diversos climas originais (por exemplo, tropical, subtropical, polar, montanhoso, temperado, etc.) que tem fundamental impacto no aparecimento, ressurgimento e transmissão de doenças, e também em doenças metabólicas, sistêmicas e degenerativas. Clima e saúde importam, inclusive, influenza, dengue, cólera, febre amarela, Chikungunya, Febre do Nilo, encefalite japonesa, tem suas sazonalidades definidas estritamente pela temperatura e pluviosidade.

Além disso, já era sabido também, que as regiões intertropiciais abrigam a maior diversidade de espécies animais ou vegetais que se tem conhecimento. De fato, o mesmo é valido para grandes animais como mamíferos ou répteis, e também é verdade para os microorganismos. Como exemplo, diversas bactérias têm uma variedade de espécies (ou subespécies) que variam de altamente sensíveis a altamente resistente a variações térmicas.

Quanto aos trópicos, além da grande variedade de micróbios, vetores, hospedeiros naturais, reservatórios de vírus etc, a pobreza também aparece como fator de aparecimento e propagação de doenças, eventualmente potencializada por outros fatores – Eu diria co-fatores – como desnutrição, higiene, conflitos, violência e promiscuidade prejudicando o sistema de saúde. Finalmente, qualquer mudança ambiental, como o clima, forçará uma população, sensu lato (humana ou animal) a se adaptar, e os micróbios a se adaptarem para sobreviver. Dados esses fundamentos, como biodiversidade (micróbios) e pobreza (vulnerabilidade), as zonas tropicais serão as primeiras a sentirem as mudanças climáticas.

Apesar de os trópicos estarem mais expostos devido aos germes e sua incontável variedade de hospedeiros e vetores, fatores políticos e socioeconômicos (instabilidade política, conflitos), existe uma grande dúvida em quão rapidamente o clima irá mudar. Em um futuro próximo, doenças serão mais influenciadas por mudanças nas políticas de saúde pública, desafios socioeconômicos e doenças emergentes associadas a fatores humanos do que influências climáticas, a exemplo do clima.

SBMT: A mudança climática pode contribuir na propagação de doenças infecciosas, uma vez que diversas doenças, principalmente as transmitidas por vetores, são limitadas por variáveis ambientais como temperatura, umidade, padrões de uso do solo e de vegetação. A avaliação dos possíveis impactos dos processos de mudanças globais sobre a saúde pode ser uma solução?

JPG: Sim. Nós devemos avaliar todos os fatores envolvidos na mudança climática e seus impactos na saúde. Nós conhecemos muitos deles, e temos métodos para antecipar o surgimento e propagação e desenvolver modelos para controle e prevenção de doenças associadas ou não a mudanças climáticas. Diversas doenças são exemplares por serem fortemente dependentes do clima (estações do ano). Diversas doenças transmitidas por artrópodes estão entre elas.

Há um ano, eu defini o risco de surgimento de uma doença como “fundamentos e domínios de surgimento”, considerando de um lado, “fundamentos” como o risco dado em um período de tempo (dimensão temporal) e combinando “risco e vulnerabilidade”, e de outro lado, “domínios” como distribuição (potencial ou provada) geográfica (dimensão espacial) das doenças. É uma equação simples para a doença surgir: unam-se os fundamentos (risco, fatores, hospedeiro, patógeno, transmissão) em um dado período e lugar, e multiplique-os pela magnitude (geografia) de um domínio permissivo (populações não imunes, transporte, barreiras naturais ou artificiais).

Doenças dependentes do clima também são exemplares para o estudo que visa compreender o impacto dos fatores climáticos (temperatura, umidade) na saúde. Como exemplo – você mencionou as doenças transmitidas por vetores (mosquito ou carrapato) – doenças transmitidas por vetores (artrópodes) são totalmente dependentes do clima por que os vetores são altamente sensíveis à umidade (pluviosidade e temperatura).  Quando tais mecanismos são bem conhecidos, o controle e a prevenção podem ser obtidos – juntamente com políticas de saúde, como reduzindo os locais de reprodução dos vetores da dengue antes da primeira chuva, cortar a grama, tratamento de animais domésticos para eliminar o risco de picada de carrapatos em humanos (Febre Hemorrágica da Criméia e do Congo, Febre Hemorrágica de Omsk). Além disso, outras doenças transmitidas por vetores (roedores, morcegos, etc.) são dependentes do clima, mas indiretamente: a influência do clima sobre a abundância de alimentos, fontes de subsistência (lavouras, frutas, insetos, etc.). Como se pode perceber, além da biodiversidade do hospedeiro, nós devemos estudar o ciclo natural da biodiversidade de diferentes patógenos. Adquirir conhecimento é a única solução compulsória.

SBMT: É sabido que o aquecimento global pode afetar as doenças tropicais. Como e quais medidas preventivas poderiam ser implementadas para diminuir a incidência de doenças?

JPG: Sondagem e Pesquisa são as únicas matérias bipolares essenciais para se compreender a evolução de doenças em escalas local e global. É uma questão de conhecimento e de empenho financeiro e ideológico de nossa sociedade/política, que devem realmente se empenharem em sondagem e pesquisa para o bem estar de todos. De qualquer maneira, será mais por uma questão de boa vontade que conseguiremos combater o surgimento e a propagação inesperada de doenças. Para isso, conforme foi dito acima, precisamos conhecer as doenças que circulam atualmente (ou seja, os ciclos naturais dos germes), aqueles, que são ameaças potenciais para a população. Estejam prontos!

SBMT: As doenças transmitidas por vetores, mais frequentes nos países de clima tropical, aparecem como um dos principais problemas de saúde pública que podem decorrer do aquecimento global. O que pode ser feito para evitar que isso ocorra?

JPG: Sondagem e pesquisa. Novamente, por anos as doenças transmitidas por vetores foram negligenciadas, e adquirir conhecimento é essencial para compreender tais doenças complexas que envolvem múltiplos hospedeiros, barreiras permanentes de transgressão das espécies por germes, múltiplos padrões epidemiológicos dependendo dos ambientes humano e natural. De fato, padrões epidemiológicos estão mudando com o ambiente (por exemplo, a dengue, de rural para urbana, encefalite japonesa, de aves para porcos como principais hospedeiros. Os vírus da SRA e vírus Nipah, uma vez que os morcegos são os vetores) e nossas sociedades (por exemplo, Febre do Vale do Nilo ou encefalite SRA e intercâmbios internacionais; doença de Lyme e conservação de vida selvagem ou atividades recreativas) em evolução constante.

Também, temos que pensar em termos de biossegurança, o surgimento de uma nova doença em uma população ou em um novo ambiente (ou ambiente em mudança) estão afligindo toda a estrutura da população e da sociedade, além das perdas humanas, a economia é frequentemente perturbada, e relações locais e internacionais são prejudicadas, e o desequilíbrio social e econômico ocorre. Tudo é verdade em nível global, para qualquer sociedade em qualquer latitude. Ultimamente, mudança climática é uma preocupação global, pois o que acontecer nas baixas latitudes, afetará diretamente (migrações) ou indiretamente (economia) as altas latitudes na zona do Paleártico (temperado). Nós, cientistas a serviço da saúde, temos que compreender já o potencial de impacto do clima nas zonas tropicais, a fim de reduzir seu impacto e prever/prevenir futuras expansões potenciais de doenças para as zonas temperadas.

SBMT: Com relação às doenças tropicais não-infecciosas nas cidades tropicais, a exemplo dos desmoronamentos, inundações, entre outras, o aquecimento global deve agravar essa situação. Quais políticas públicas podem ser adotadas a partir de agora?

JPG: Novamente, Sondagem e Pesquisa! Temos que compreender nossos ambientes para podermos antecipar qualquer mudança e suas consequências para a saúde. Um conhecimento gigantesco já foi construído em relação a isso (por exemplo, o efeito do desmatamento, mineração, indústrias extrativistas, represas e ferrovias, eventos climáticos extremos, etc.), mas a falta de comunicação tem sido fonte de ignorância, desentendimento e fracassos (como a Represa de Assuã e a Bilharzia; Katrina e o surgimento de bactérias patogênicas de água salgada). Cientistas têm que se comunicar com a população e com a política, para que as pessoas estejam cientes dos riscos e os políticos saberem como mitigar os riscos.

SBMT: Desde o El Niño, epidemiologistas e entomologistas começaram a dar atenção especial aos impactos dos grandes fenômenos climáticos sobre a saúde quando epidemias importantes de malária foram registradas em vários lugares do mundo, como no Paquistão, Sri Lanca, Vietnã e em diversos países endêmicos da África e da América Latina. Em sua opinião, há possibilidade de passarmos por outro fenômeno que desencadeie uma nova epidemia?

JPG: O El Niño deve ser considerado um fenômeno supra-sazonal, e assim como acontece com as estações e os climas, diversas doenças dependem dele, às vezes diretamente, como os locais de reprodução do mosquito da dengue no sudeste da Ásia ou a febre amarela na África), e às vezes indiretamente, como a cólera, correntes de afloramento, temperatura do mar e plâncton na costa do Peru. Surgimento do virus Nipah, levado do Borneo para a Malásia por morcegos após o “super” El Niño de 1998 seguido da seca e grandes incêndios florestais no Borneo). Monitorar o clima em escala global é indubitavelmente importante para prever o surgimento ou a propagação de qualquer doença dependente do clima. Eventos climáticos extremos são exemplares para se estudar e se compreender a fim de antecipar e prevenir qualquer ameaça inesperada à saúde.

SBMT: Maior vulnerabilidade de imunobiológicos – como as vacinas; maior dificuldade de conservação de alimentos e maior irradiação ultravioleta – câncer de pele – são alguns dos efeitos sobre a saúde provocados pelas elevadas temperaturas. Em sua opinião, o que se pode esperar para um futuro próximo com relação a esses efeitos?

JPG: Quando falamos em “aquecimento global”, estamos falando do aumento de um ou dois graus Celsius em várias décadas, e que não alterarão as tecnologias em uso para preservação a frio. Também, a necessária cadeia fria de campanhas de imunização são cada vez mais respeitadas, pelo menos é bem sabido que a temperatura deve ser precisamente monitorada para manter a vacina (e outras drogas) eficazes. Alguns graus não irão alterar o manejo das cadeias de frio. A radiação ultravioleta não penetra grossos frascos de plástico ou vidro. A radiação ultravioleta é uma preocupação maior com pessoas – pescadores – vivendo em regiões próximas aos trópicos, onde a radiação incide mais diretamente (penetração atmosférica) do que em latitudes mais temperadas.

SBMT: Uma vez que os trópicos devem abrigam a maior parte da população mundial por volta de 2050 e contribuem significativamente para o abastecimento alimentar global, corremos o risco de não termos alimentos no futuro? Diante dessa situação, como o senhor vê a propagação de doenças não-transmissíveis, que incluem a desnutrição e as doenças mentais? Quais medidas poderiam ser adotadas para minimizar os riscos?

JPG: Sim, o impacto do clima na agricultura (como nas fontes alimentícias) será um tema importante, além do risco de desnutrição, um problema econômico surgirá. Quanto às outras perguntas, esta também é complexa e a equação exige múltiplas variáveis: taxa de crescimento demográfico, fornecimento de alimentos versus urbanização, transporte, energia, acesso a serviços de saúde são todos desafios majoritários para um futuro bem próximo. Como minimizar isso? Poucas palavras: preocupação mundial, solidariedade, planejamento do futuro das sociedades e mudança de comportamento.

SBMT: O senhor acredita que os conflitos causados pela ampliação de áreas secas levando a disputas de terras e à violência, além da migração forçada destas populações para cidades já saturadas de favelas – fato que já ocorre na África – estejam ligados ao aquecimento global? Quais as conseqüências disso?

JPG: Já foi utilizado o termo “refúgio climático” para pessoas que abandonaram suas moradias originais por conta de colheitas fracas por conta de secas ou empobrecimento do solo por superexploração. Mas isso é sabido: é sazonal e ultimamente não tem sido associado a um suposto “aquecimento global”. Hoje é consenso entre especialistas abandonar o termo “aquecimento global” e continuar com o conceito de “mudança climática”, uma vez que a temperatura da Terra pode eventualmente, a níveis globais, oscilar, mas o importante para a humanidade e para a saúde, é que qualquer mudança climática (zonas tropicais); enquanto, em alguns lugares, o aumento de um grau, ou um mês de seca a mais, podem ter consequencias dramáticas para a transmissão de doenças por vetores ou para a lavoura. Entretanto, em latitudes maiores, o prejuízo seria compensado com um sistema de saúde eficiente e fornecimento de alimentos.

SBMT: O Nordeste do Brasil é sujeito a secas e concentra a maior parte da violência política. É possível que a violência política também tenha relação com o aquecimento global?

JPG: Novamente, o termo “aquecimento global” deve ser utilizado com cautela. Mudanças climáticas não podem afetar diretamente a violência política, contudo, podem desempenhar um papel fundamental na economia (desemprego, câmbio, suprimentos, etc.) e ultimamente, no seu alter ego social correspondente: a política. A violência surge da desigualdade, e o desequilíbrio climático pode definitivamente perturbar a sociedade.

SBMT: Para encerrar, gostaria que o senhor falasse um pouco sobre seu trabalho e suas experiências.

JPG: Após passar um tempo como pesquisador em países em desenvolvimento pelo Instituto Francês de Pesquisa e Desenvolvimento com a finalidade de treinar cientistas ao fazer pesquisa e de ajudar países em desenvolvimento a adquirir conhecimento e propriedade intelectual (como na saúde). Ultimamente eu me juntei à Metabiota, companhia norte americana que me permite aplicar toda minha experiência e conhecimento para treinar e ensinar técnicas e estratégias de engenharia para melhorar a Saúde em países em desenvolvimento. O principal objetivo das pessoas envolvidas em tratamento de saúde em todos os níveis é muito simples: “como e por que as pessoas adoecem?”, uma pergunta simples que tem sido respondida para diversas doenças e outras situações patológicas, mas que necessita de uma visão global em termos de compreender o mecanismo de doenças emergentes em diferentes partes do mundo, sociedades, ambientes, ecossistemas. Tal abordagem também precisa ser uma preocupação global, onde agentes de saúde e cientistas possam trabalhar sem fronteiras, como as incessantes epidemias globais, que nada declaram às alfândegas. The impact of the climate on agriculture will be an important issue, beside the risk of malnutrition (or denutrition) economical problem will rise

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**