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Oropouche: método para previsão de ocorrência de casos estima 5 milhões de pessoas em risco na América Latina

A perda de vegetação é apontada como uma das principais causas da ocorrência da febre Oropouche

09/10/2023

Estudo utilizou uma abordagem de modelagem epidemiológica de hipervolume para estimar o risco de transmissão e prever áreas potenciais de ocorrência da febre Oropouche

Em um estudo intitulado “Transmission risk of Oropouche fever across the Americas“, publicado em maio, na revista Infectious Diseases of Poverty, os pesquisadores usaram dados de localidade de transmissão do vírus Oropouche (OROV) e fenologia da vegetação de alta resolução de dados de satélite para desenvolver modelos de epidemiologia espacial para compreender e prever a propagação da doença zoonótica transmitida por vetores, a febre Oropouche. Os resultados mostraram que as regiões tropicais da América Latina são áreas de risco para a transmissão do vírus.

Para o estudo, os autores utilizaram uma estrutura de mapeamento de risco biogeográfico utilizando dados sobre casos humanos da febre Oropouche e dados de paisagem derivados de imagens de satélite. Uma série de protocolos de modelagem foi testada para identificar as abordagens que fornecem os melhores recursos preditivos e descrições robustas. Os modelos foram então usados para identificar áreas potenciais onde a febre poderia ocorrer e áreas que apresentavam síndromes febris desconhecidas que poderiam ser potencialmente causadas pelo vírus Oropouche.

O Dr. Daniel Romero-Alvarez, um dos autores, explica que o estudo é um experimento de ecologia distributiva no qual foram aplicadas técnicas de modelagem de distribuição de espécies de última geração para caracterizar a distribuição potencial do vírus Oropouche nas Américas. Entre as principais descobertas, ele destaca os mapas desenvolvidos que mostraram múltiplas regiões nas quais o OROV pode ser detectado.

“Desde o desenvolvimento desta pesquisa, regiões como o Norte da Colômbia começaram a relatar a presença de OROV com base em inquéritos sorológicos”, acrescenta ao ressaltar que, de acordo com os modelos projetados pela equipe, aproximadamente 5 milhões de pessoas poderão viver em áreas expostas ao OROV. Os cientistas também avaliaram como as mudanças na paisagem podem impactar o surgimento do vírus. “Mostramos que as áreas onde foram detectados e estudados surtos de febre de Oroupuche apresentam uma maior perda de vegetação em comparação com regiões sem febre. Esta descoberta sugere que a perda de vegetação pode ser a causa dos surtos de febre Oropouche”, frisa o Dr. Romero-Alvarez.

De acordo com o pesquisador, este estudo é uma peça interessante no quebra-cabeças para compreender a ecologia do OROV e, como tal, contribui para a ecologia das doenças infecciosas. “O ciclo de vida do OROV tem como particularidade o fato de que a transmissão humana depende de mosquitos infectados (Culicoides paranesis) e, portanto, nossa abordagem de modelagem – conhecida como caixa preta – utiliza a presença de surtos humanos como garantia da presença do vetor e do patógeno na mesma região. Na publicação, compartilhamos mapas coropléticos representando o risco potencial da febre Oropouche com base em segundas unidades administrativas políticas com uma lista em Excel para que os esforços de vigilância possam ser maximizados em pesquisas futuras sobre OROV”, complementa.

Questionado se as Américas correm risco de um surto do vírus Oropouche, o pesquisador é categórico ao afirmar que a priori, sim. No entanto, ele coloca a resposta dentro do contexto de que existem dois conceitos importantes a serem discutidos. O primeiro, de que um surto é entendido como a detecção de um patógeno em uma população humana. Normalmente, os surtos são relatados pela mídia como a presença de casos humanos que apresentam de uma série de sintomas. Em segundo lugar, os mapas do estudo mostram como podem ser encontradas condições adequadas para OROV em múltiplas regiões do continente.

“Nesse contexto, o OROV pode ser detectado em inquérito sorológico ou pela análise de amostras antigas armazenadas em bancos de sorologia por meio de técnicas moleculares. Nestes últimos casos, pode não ser considerado um surto, embora possa ter causado doenças humanas no passado. Assim, o risco de um surto presente ou passado sempre existe, não apenas para o OROV, mas para qualquer outro patógeno. Como os patógenos são examinados apenas em humanos doentes, surtos podem estar acontecendo sem relatos”, esclarece.

Por fim, o Dr. Romero-Alvarez enfatiza que a febre Oropouche pode estar presente em muitos outros locais além daqueles onde foram feitas detecções reais, e é por isso que os modelos de distribuição de espécies que sugerem a distribuição potencial de agentes patogénicos são tão importantes para informar sobre a monitorização, vigilância e descoberta de doenças infecciosas. “Durante o desenvolvimento deste estudo percebemos que a informação sobre os reservatórios de vida selvagem do OROV é quase um paradigma com espécies como as preguiças (especificamente Bradypus tridactylus) confinadas em áreas distantes dos recentes surtos de OROV. Outros animais selvagens são também incriminados e devem ser examinados para antecipar a verdadeira distribuição do OROV antes de causar surtos humanos”, encerra.

Sobre o Oropouche

O Oropouche é um arbovírus da família Bunyaviridae (sorogrupo Simbu), transmitido pelo mosquito Culicoides paraensis, também conhecido como borrachudo ou maruim, da família Ceratopogonidae, encontrado em águas paradas. Contudo, já foi comprovado que outros vetores também podem transmitir o OROV, inclusive o Aedes aegypti. Existe um ciclo selvagem que envolve hospedeiros como primatas e preguiças, e um ciclo urbano onde o ser humano continua sendo o principal hospedeiro. A doença produz sintomas semelhantes aos da dengue. Após período de incubação de 4 a 8 dias, surgem os sintomas, representados por febre alta, cefaléia (dor de cabeça), artralgia (dor nas articulações), mialgia e calafrios; às vezes há náuseas, vômitos e erupção cutânea. Os sintomas duram de 5 a 7 dias, mas a recuperação total pode levar várias semanas em alguns pacientes. Raros casos de meningoencefalite foram relatados. O Oropouche foi detectado pela primeira vez em 1955, em Trinidad e Tobago, no Caribe.

O vírus tem ampla distribuição nas Américas do Sul, Central e no Caribe e pode se espalhar rapidamente, com potencial para surtos. Desde um dos surtos mais significativos ocorridos no Peru, em 2016, foi dada atenção especial à incidência do vírus. Na Venezuela o Oropouche é encontrado com frequência. Em 2017, ele foi relatado pela primeira vez em Cartagena, cidade portuária na costa caribenha da Colômbia. No Brasil, após a epidemia de Zika, em 2015, e de um surto de febre amarela, em 2017, o País também acendeu o alerta para o risco de ressurgimento deste vírus, que se adaptou bem ao meio urbano e tem chegado cada vez mais próximo das grandes cidades brasileiras. Ele foi identificado pela primeira vez no território brasileiro na década de 1960, sendo que mais de 500 mil casos foram registrados nas últimas décadas. O Oropouche é um vírus que potencialmente pode emergir a qualquer momento e causar um sério problema de saúde pública.

 

Saiba Mais: www.romerostories.com

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**