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Oropouche: pesquisas buscam entender mecanismos da transmissão vertical do vírus

Até o momento, o Brasil registra sete casos associados à transmissão vertical do OROV, quatro este ano e três retrospectivos, todos com microcefalia

30/07/2024

Médicos e profissionais de saúde estão sendo orientados a ficarem atentos aos sintomas da doença em gestantes e a reportarem imediatamente qualquer caso suspeito

A febre Oropouche é causada pelo vírus Oropouche (OROV) e é uma arbovirose que, neste ano, vem ganhando maior atenção devido à expansão das epidemias nos últimos meses. Agora, a doença levanta preocupação adicional quando se trata de mulheres grávidas. Recentemente, Pernambuco identificou um caso de infecção congênita pelo vírus em um feto de 30 semanas que morreu (natimorto). As amostras coletadas foram enviadas para o Instituto Evandro Chagas (IEC), no estado do Pará, onde, no início do mês de julho, foi realizado o diagnóstico. A Secretaria Estadual de Saúde (SES) e o IEC informaram que esse era o primeiro caso de perda gestacional registrado na literatura médica. O Ministério da Saúde emitiu uma nota técnica recomendando que estados e municípios redobrem a vigilância sobre a possibilidade de transmissão vertical do vírus Oropouche. Além desse episódio, três casos de microcefalia associados ao vírus Oropouche foram diagnosticados pelo IEC em recém-nascidos do estado do Acre. Assim, o total de casos até o momento é de quatro de 2024, além de três casos retrospectivos que foram negativos para outras causas, incluindo Zika.

O Dr. Pedro Fernando da Costa Vasconcelos, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), professor da Universidade do Estado do Pará (UEPA), ex-diretor e pesquisador emérito do IEC, um dos envolvidos nas investigações, explica que, além desses casos, foram registrados em estudos retrospectivos outros três de microcefalia em recém-nascidos, nos quais Zika, dengue, chikungunya e outras causas foram descartadas. Esses casos foram diagnosticados em Pernambuco e em outros estados. “A presença de anticorpos específicos da classe IgM no líquido cefalorraquidiano (LCR) dos pacientes sugere uma infecção recente pelo vírus Oropouche, levando a um diagnóstico presuntivo. No entanto, ainda não se pode confirmar uma relação causal definitiva, pois o vírus não foi encontrado nos tecidos desses pacientes até o momento”, destaca.

Ainda de acordo com o Dr. Vasconcelos, o mecanismo de patogenia da transmissão vertical do vírus Oropouche ainda não é bem compreendido. Pesquisas experimentais estão sendo iniciadas para identificar os receptores celulares que facilitam a entrada do vírus no sistema nervoso central (SNC) e sua passagem através da barreira placentária, e da barreira hematoencefálica. Ainda que haja pouca informação específica sobre o OROV, estudos de vírus relacionados, como o Akabane na Austrália e o Schmallenberg na Europa, mostram que a transmissão vertical pode causar lesões importantes em rebanhos de gado (bovinos, ovinos e caprinos), o que sugere um mecanismo semelhante para o OROV, já que esses três vírus pertencem à mesma família, Peribunyaviridae, e ao mesmo gênero (Orthobunyavirus) e grupo sorológico, Simbu “O mecanismo de transmissão de ambos os vírus foi semelhante, células trofoblásticas na placenta receptivas ao vírus, atravessando as barreira hematoplacentária e hematoencefálica. Ainda que essas barreiras normalmente impeçam a transmissão da maioria dos vírus e outros microrganismos, há confirmação de infecção vertical congênita por esses dois vírus. Acreditamos que o OROV utilize o mesmo mecanismo, já que são vírus muito relacionados. Mas precisamos investigar os casos, tanto de óbitos em humanos quanto os em estudos experimentais que iniciamos”, acrescenta.

Pesquisas são necessárias para entender patogênese e imunopatologia

Questionado sobre as possíveis complicações de saúde que os recém-nascidos infectados pelo OROV podem enfrentar, o Dr. Vasconcelos atenta que elas ainda são desconhecidas. “Entretanto, considerando que esses casos demonstrados sorologicamente e que podem também ser confirmada a presença do antígeno viral por imuno-histoquímica ou pela detecção do RNA viral por PCR em tempo real no tecido das crianças, será possível descrever os mecanismos de transmissão. E, tendo em vista que essas crianças vieram ao óbito por microcefalia, de forma muito semelhante aos casos de Zika, supomos que, se confirmada a participação etiológica do Oropouche na transmissão vertical e nas lesões dessas crianças, já que todas as demais causas conhecidas de microcefalia (como Zika, chikungunya, dengue, toxoplasmose, herpes, citomegalovírus, rubéola, etc.) foram investigadas e descartadas, existe a possiblidade de que o OROV poderia causar lesões semelhantes às do Zika, apesar de serem de famílias virais diferentes (Zika é um flavivírus da família Flaviviridae, enquanto o Oropouche pertence à família Peribunyaviridae)”, detalha. Ainda segundo o pesquisador, se esses casos de microcefalia negativos para Zika forem confirmados como causados pelo Oropouche, o quadro clínico é bastante semelhante ao do Zika, com algumas variações que só estudos experimentais e análises dos cérebros das crianças vão permitir identificar. Em termos gerais, os quadros clínicos são muito parecidos.

Em relação aos efeitos a longo prazo em crianças nascidas de mães infectadas pelo vírus OROV durante a gestação, ainda não há informações suficientes, pois são casos recentes e agudos, não sendo possível avaliar os impactos a médio e longo prazo. “Se for confirmado que os casos de microcefalia diagnosticados por sorologia são causados pelo vírus OROV, e a presença do vírus ou do antígeno viral for detectada nos tecidos cerebrais, podemos deduzir que os impactos serão semelhantes aos causados por outras infecções do grupo TORCHZ (Toxoplasmose, Rubéola, Citomegalovírus, e vírus Herpes simples e Zika). Essas infecções causam lesões graves no SNC, resultando em déficits motores, cognitivos e, em alguns casos, retardo, demência ou limitações de movimento”, lamenta o pesquisador. Contudo, ele atenta que somente com o tempo e mais casos diagnosticados será possível confirmar essas alterações e estabelecer uma relação causal clara. “Especular sobre os efeitos agora seria prematuro e sensacionalista. O momento é de cautela, pois são casos isolados e ainda se faz necessária uma investigação científica rigorosa. Esses casos são raros e ainda estão sendo investigados. Somente após a conclusão dos estudos é que conseguiremos entender melhor a relação causal entre a infecção pelo vírus OROV e os casos de microcefalia”, frisa.

O Dr. Vasconcelos espera que isso não aconteça e, se ocorrer, será uma surpresa muito grande e um novo problema de saúde pública. Se for confirmada a transmissão vertical do vírus OROV, é provável que casos esporádicos e periódicos de microcefalia induzida pelo vírus ocorram. “No entanto, não acredito que esses casos se limitem a este ano ou ao surto atual no Brasil. Pode haver casos isolados ou pequenos clusters de microcefalia durante futuras epidemias do vírus, mas não devemos esperar uma epidemia semelhante à do Zika”, diz. De acordo com ele, a expansão do vírus já foi demonstrada e isso pode resultar em epidemias periódicas de febre por Oropouche, que eventualmente incluam alguns casos de transmissão vertical de gestantes infectadas. Pesquisas contínuas são essenciais para entender melhor a transmissão vertical do OROV e suas implicações, garantindo uma resposta adequada às novas ameaças à saúde pública.

Por fim, o virologista lembra que tem se observado um aumento na transmissão do vírus Oropouche, nunca visto antes no Brasil ou em qualquer parte do mundo. “No IEC, com nossa vasta experiência, estudamos mais de 30 epidemias na Amazônia e nunca vimos casos dessa natureza. Desde 2023, e continuando em 2024, houve um aumento crescente de casos de febre do Oropouche nos estados do Norte do Brasil, Acre, Rondônia, e principalmente no Amazonas e em Roraima. Mais recentemente, casos foram descritos também nos estados do Nordeste e Sudeste. A expansão do vírus era esperada. Em 2008 e 2009, detectamos infecções fatais em primatas não humanos, atribuídas ao OROV. Esses achados, inicialmente voltados para estudar a febre amarela, indicaram a expansão do vírus”. A expansão era e é esperada, mas se será acompanhada de casos de transmissão vertical é incerto. Especular sobre isso agora seria prematuro”, encerra.

São necessárias pesquisas adicionais sobre a imunopatologia do OROV, tanto em casos humanos quanto em modelos experimentais com animais. Essas pesquisas devem focar nas citocinas e células envolvidas nas lesões do SNC para que se possa compreender os mecanismos de infecção e transmissão vertical. Estudos anteriores mostraram que infecções neurológicas por OROV em adultos, como meningite e meningoencefalite, tiveram resolução favorável sem sequelas graves. Dada a ausência de vacinas e tratamentos específicos, a prevenção é a principal estratégia para combater a febre Oropouche. Gestantes devem ser especialmente cuidadosas para evitar picadas de insetos transmissores, utilizando repelentes seguros, roupas de manga longa e instalando telas de proteção em janelas e portas. Campanhas de conscientização e medidas de controle de insetos hematófagos também são essenciais para reduzir a incidência da doença.

A transmissão vertical do vírus OROV durante a gravidez representa um novo desafio para as autoridades de saúde pública no Brasil. Embora a febre geralmente não seja fatal, a infecção em recém-nascidos pode ter consequências desconhecidas, uma vez que ainda não se conhece o impacto a longo prazo da infecção. Diagnosticar a doença durante a gravidez apresenta desafios significativos. Os sintomas inespecíficos e a semelhança com outras doenças virais dificultam a identificação precisa. Além disso, a falta de testes diagnósticos amplamente disponíveis e específicos para o OROV complica ainda mais a situação. Atualmente, não existem tratamentos antivirais específicos para a febre do Oropouche. O manejo da doença é sintomático, focando no alívio da febre e das dores. Em gestantes, o tratamento torna-se mais complexo, pois muitos medicamentos são contraindicados durante a gravidez, necessitando de uma abordagem cuidadosa e individualizada.

Sobre a doença

A febre Oropouche é transmitida principalmente pela picada de insetos hematófagos infectados, especialmente do gênero Culicoides (maruins), presentes em todo o continente americano, do Canadá à Argentina e Chile. A capacidade de expansão do vírus é grande, influenciada por fatores como desflorestamento, culturas agrícolas, alterações climáticas e movimentação de pessoas. Os sintomas da doença clássica variam desde febre alta, dores de cabeça, dores musculares e nas articulações, e a doença pode ser confundida com outras arboviroses, como a dengue e a chikungunya. A infecção geralmente é autolimitada, mas casos graves podem ocorrer. Em algumas epidemias estudadas pelo IEC, houve casos de meningite e meningoencefalite, mas, felizmente, os pacientes se recuperaram sem sequelas.

Akabane e Schmallenberg

O arbovírus Akabane, primeiro vírus identificado do grupo sorológico Simbu, pertencente ao gênero Orthobunyavirus e família Periunyaviridae, demonstrou potencial de transmissão congênita e de transmissão entre rebanhos bovinos, ovinos e caprinos na Austrália. Até o momento, não há casos documentados de infecção em humanos na Austrália. Já o vírus Schmallenberg, diagnosticado neste século, apresentou transmissão significativa entre gado bovino, causando lesões muito semelhantes às provocadas pelo vírus Zika, incluindo microcefalia e natimortalidade elevada. Na Europa, o impacto foi grande, e houve suspeitas de casos humanos, embora não esteja claro se foram confirmados.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**