Parasitoses intestinais e seu impacto na sociedade
Além dos impactos econômicos e na saúde, as parasitoses intestinais também reforçam o estigma e a desigualdade social, particularmente nas comunidades onde estas infecções são prevalentes
06/06/2024Ricardo Toshio Fujiwara, presidente da Sociedade Brasileira de Parasitologia (SBP), biomédico e professor do Departamento de Parasitologia da Universidade Federal de Minas Gerais
Lilian Lacerda Bueno, bióloga e professora do Departamento de Parasitologia da Universidade Federal de Minas Gerais
As parasitoses intestinais, causadas por protozoários e helmintos, acompanham o ser humano desde os primórdios da civilização. Essas infecções, mesmo nos dias atuais, representam uma ameaça significativa à saúde pública, levando a graves consequências nutricionais e de saúde para os indivíduos afetados. O agravamento da doença causada por esses parasitos intestinais está intimamente relacionado à carga parasitaria da infecção, mas, de forma geral, os efeitos prejudiciais ao bem-estar dos indivíduos são observados pela redução de absorção de nutrientes devido à competição por nutrientes entre os parasitos e seus hospedeiros. Além disso, as parasitoses intestinais desencadeiam processos inflamatórios locais que, ao longo do tempo, e com exposição frequente, podem levar à perda de função do tecido. Finalmente, essas doenças resultam no comprometimento do crescimento e, em alguns casos, anemia grave.
O fardo econômico dos parasitas intestinais vai além das implicações individuais para a saúde, colocando pressão sobre os sistemas de saúde em todo o mundo. O saneamento inadequado e as más condições de vida contribuem para a prevalência dessas infecções, especialmente em populações socialmente vulneráveis. Como resultado, as instalações de cuidados de saúde, especialmente em locais com recursos limitados, enfrentam o desafio de diagnosticar, tratar e gerir infecções parasitárias como um todo, incluindo as intestinais, aumentando as despesas globais com cuidados em saúde. A médio e longo prazos, os custos com cuidados médicos, medicamentos e intervenções em saúde pública, incluindo saneamento básico, impactam o sistema público de saúde.
Além dos impactos econômicos e na saúde, as parasitoses intestinais também reforçam o estigma e a desigualdade social, particularmente nas comunidades onde estas infecções são prevalentes. Um dos principais fatores que contribuem para o aumento do risco de infecções por parasitos intestinais entre as populações socialmente vulneráveis é a falta de acesso a água potável e instalações sanitárias, que atinge, de acordo com o último relatório do IBGE, mais de 40% das famílias no Brasil. Abordar o estigma social associado aos parasitas intestinais é também crucial para promover a sensibilização, a educação e práticas de saúde inclusivas para garantir tratamento e apoio equitativos a todos os indivíduos afetados por estas doenças.
Estudos recentes demonstram que as alterações fisiológicas causadas pelas parasitoses intestinais podem interferir negativamente em diversas outras doenças, como por exemplo, as autoimunes e tumorais. Nesse sentido, é crítico implementar uma estratégia paralela de investigação e desenvolvimento (I&D) para novas ferramentas e tecnologias de controlo – ou seja, medicamentos, diagnósticos e vacinas – que possam ser necessárias para eliminar maioria das doenças tropicais negligenciadas do Brasil, como as parasitoses intestinais.
Impacto das enchentes e mudanças climáticas na propagação das parasitoses intestinais
As enchentes, que são frequentemente exacerbadas pelas mudanças climáticas, têm um impacto significativo na propagação das parasitoses intestinais. Durante as enchentes, a água invade áreas residenciais, contaminando fontes de água potável com esgoto e outros resíduos. Esse ambiente úmido e contaminado é propício para a sobrevivência e disseminação dos parasitas. Além disso, as enchentes podem deslocar populações, forçando-as a viver em condições de superlotação e higiene precária, aumentando ainda mais o risco de infecções parasitárias.
As mudanças climáticas também afetam os ciclos de vida dos parasitas e seus hospedeiros intermediários. Temperaturas mais altas e alterações nos padrões de umidade podem estender as áreas geográficas onde os parasitas podem sobreviver e se reproduzir. Isso resulta na exposição de novas populações a esses agentes infecciosos, que anteriormente não eram comuns em certas regiões. A abordagem integrada, que inclui a melhoria do saneamento, a educação em saúde, e a adaptação climática, é crucial para proteger as populações afetadas e reduzir a incidência dessas doenças debilitantes.
A prevenção das parasitoses intestinais em face das enchentes e das mudanças climáticas exige uma abordagem multifacetada. Melhorias na infraestrutura de saneamento e no fornecimento de água potável são essenciais para prevenir a contaminação fecal. Programas de educação em saúde pública são igualmente importantes para promover práticas de higiene adequadas, como lavar as mãos regularmente e cozinhar alimentos de forma segura. Durante e após enchentes, é crucial fornecer apoio às comunidades afetadas, garantindo acesso a abrigos adequados, água limpa e serviços de saúde.
É imperativo que políticas públicas e estratégias de adaptação às mudanças climáticas considerem os impactos na saúde pública, incluindo as parasitoses intestinais. Investir em infraestrutura resiliente, monitorar e controlar as populações de parasitas e desenvolver sistemas de alerta precoce para eventos climáticos extremos são passos importantes para mitigar os efeitos adversos das mudanças climáticas na saúde das populações vulneráveis.
**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**