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Perigo de reintrodução da poliomielite

Depois do sarampo e da febre amarela, a pólio pode volta ao Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, cem municípios brasileiros estão com coberturas vacinais abaixo de 50%

08/01/2020
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Uma em cada 200 infecções leva à paralisia irreversível, normalmente nas pernas. Entre os acometidos, 5% a 10% morrem quando há paralisia dos músculos respiratórios

O Brasil recebeu o certificado de eliminação da pólio em 1994, no entanto, até que a doença seja erradicada no mundo (como ocorreu com a varíola), existe o risco de uma pessoa infectada (não necessariamente doente) entrar no País (casos importados) e transmitir o vírus a uma pessoa sem histórico de imunização, o que pode levar ao início de novos casos. A poliomielite se espalha em populações com baixa cobertura vacinal e o vírus tem o potencial de causar paralisia ou, ocasionalmente, morte. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a erradicação exige altas coberturas vacinais em todo o mundo para que se consiga bloquear a transmissão do vírus, extremamente contagioso.

Infelizmente, algumas crianças permanecem sem acesso às doses adequadas por motivos diversos, incluindo falta de infraestrutura, localidades remotas, migração, conflitos, insegurança e resistência à vacinação. Apesar dos esforços para manter as crianças livres do vírus em todo o mundo, recentemente as Filipinas, que estavam livres desse mal há 19 anos, vem registrando casos da doença. O país apresentou baixas taxas de imunização. A Malásia é o segundo país asiático a notificar caso de poliomielite. A última ocorrência foi em 1992, O ressurgimento da doença foi visto como inesperado e preocupante. O Paquistão e o Afeganistão relatam casos de poliovírus selvagem, enquanto as Filipinas e a Malásia reportaram casos do vírus derivado da vacina. O vírus ainda é detectado no Paquistão. A OMS disse que o risco de propagação adicional é alto devido ao movimento da população e à baixa imunidade contra o poliovírus. Ainda segundo a entidade, a detecção da cepa ressalta a importância de manter altos níveis de cobertura rotineira da vacina contra a poliomielite. Já na África, um número crescente de países está registrando surtos. A cobertura rotineira em crianças menores de 1 ano foi estimada em 36% em 2018.

Em relação à referência sobre poliomielite na Venezuela, em 19 de julho de 2018, a Dra. Ana Elena Chevez, da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS), explica que o Comitê Nacional de Certificação da Venezuela (CNNC) para a erradicação da poliomielite descartou que o caso da AFP fosse causado por um poliovírus selvagem ou por um poliovírus derivado de vacina (VPDV). Considerando o histórico do caso, os resultados da investigação epidemiológica, os resultados dos testes laboratoriais e a avaliação neurológica, o NCC classificou o caso como poliomielite paralítica associada à vacina (VAPP), que não implica risco de surtos ou transmissão secundária.

No Brasil, não existem casos desde 1990, situação que se encontra ameaçada com a queda da cobertura vacinal em todo o País. Em 2018, o Ministério da Saúde emitiu um alerta para a baixa vacinação: 312 cidades não vacinaram nem metade das crianças com menos de 1 ano de idade em 2017. Em 2019, cem municípios brasileiros apresentaram coberturas vacinais abaixo de 50%.

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Vírus vivo nas vacinas orais pode sofrer mutações

Segundo o virologista Dr. Vincent Racaniello, professor no Departamento de Microbiologia e Imunologia da Faculdade de Medicina da Universidade Columbia, os surtos de poliomielite na África, Bornéu, Filipinas e outros países são causados pela circulação de poliovírus derivado da vacina tipo 2. A cepa da vacina do tipo 2 sofre mutação após ser ingerida pelo receptor, é eliminada nas fezes e pode ser transmitida às pessoas que não são vacinadas. Ainda de acordo com ele, em 2019 houve mais surtos de poliomielite derivada de vacina do que surtos causados por poliovírus não vacinal (poliovírus selvagem).

O diretor de erradicação da poliomielite da OMS, Michel Zaffran, esclarece que os surtos que atualmente afetam vários países da África são o que chamam de surtos circulantes de poliovírus derivado de vacina (cVDPV). É uma questão um pouco complicada, mas basicamente os cVDPVs podem surgir em populações mal vacinadas. Eles são chamados de derivados da vacina porque são uma forma alterada de uma cepa originalmente contida na vacina oral contra a poliomielite (VOP). “A VOP contém uma forma viva e enfraquecida de poliovírus. Em ocasiões muito raras, ao se replicar no intestino humano, as cepas de VOP mudam geneticamente e podem se espalhar em comunidades que não são totalmente vacinadas contra a poliomielite, especialmente em áreas onde há falta de higiene, falta de saneamento ou superlotação”, explica.

Ainda segundo o Dr. Zaffran, alterações adicionais ocorrem à medida que esses vírus se espalham de pessoa para pessoa e, se for permitido continuar se espalhando em uma população sub-imunizada, com o tempo, ele pode mudar geneticamente até o ponto em que recupera a capacidade de causar paralisia, dando origem a um cVDPV. “A experiência mostra que a baixa cobertura da imunização contra a poliomielite é o principal fator de risco para o surgimento e a disseminação de um cVDPV. O problema não é tanto a própria vacina, mas a baixa cobertura vacinal. Se a VOP for administrada a apenas alguns em uma grande população suscetível, o vírus da vacina poderá continuar a se multiplicar, mudar geneticamente e se espalhar naqueles que não foram vacinados”, ressalta. Se uma população estiver totalmente imunizada, ela estará protegida contra a mudança e a disseminação deste vírus.

O pesquisador Edward Parker do Departamento de Pesquisa Clínica da London School of Hygiene and Tropical Medicine (LSHTM) comenta que a vacina oral contra a poliomielite contém versões enfraquecidas do vírus da poliomielite. Em ocasiões muito raras, essas cepas de vacina se espalham de pessoa para pessoa e recuperam a capacidade de causar doenças. “Em 2019, é verdade que vimos vários grupos de casos derivados de vacinas na África. A comunidade mundial de saúde respondeu rapidamente a elas, dando doses extras de vacina nas áreas afetadas, o que, esperamos, interromperá a disseminação dos vírus”, diz. Ainda segundo ele, casos derivados de vacinas são certamente uma grande preocupação para os esforços de erradicação da poliomielite, mas também é importante lembrar as vidas que foram salvas por essas vacinas.

Não há poliovírus selvagem circulando na África

O Dr. Vincent Racaniello é enfático ao dizer que até onde se sabe, não há poliovírus selvagem circulando na África. “Há poliovírus selvagem circulando no Afeganistão e no Paquistão”, atenta o virologista. Michel Zaffran também é categórico ao afirmar que o poliovírus selvagem não foi detectado em nenhum lugar da África desde 27 de setembro de 2016. “Inclusive a Região Africana como um todo é elegível para ser certificada como livre do poliovírus selvagem em 2020. Será uma grande história de sucesso em saúde pública. O fato de o continente parecer estar livre de poliovírus selvagem é uma conquista enorme. No entanto, isso marcaria uma história de sucesso ‘inacabada’, já que agora a ameaça de surtos de cVDPV também precisa ser tratada. A boa notícia é que o sucesso na erradicação do poliovírus selvagem mostra que isso também pode ser alcançado com o cVDPV, e esse é o objetivo. A meta é garantir que nenhuma criança na África seja paralisada novamente, por poliovírus selvagem ou derivado de vacina”, destaca.

Nigéria, República Democrática do Congo, República Centro-Africana e Angola são países que sofrem surtos de poliomielite causados por vírus derivados da vacina do tipo 2. Os dados podem ser acessados aqui. Outros países que experimentam surtos de poliovírus derivados da vacinação são: Benim, Camarões, Chade, Côte dIvoire, Etiópia, Gana, Níger, Togo e Zâmbia. Estes países enfrentam muitos desafios, incluindo uma fraca cobertura da vacinação de rotina, recusa às vacinas, acesso difícil a alguns locais.

Questionado sobre a utilização da solução inativada de vírus para injeção e a vacina oral contendo vírus vivo e atenuado (exige apenas duas gotas de medicamento), o diretor de erradicação da poliomielite da OMS assinala que a tanto a vacina inativada quanto à vacina oral contra são excelentes e oferecem ótima proteção pessoal contra paralisia causada pelo poliovírus. “A vacina oral contra a poliomielite é usada em muitos países porque não requer injeção – é administrada por via oral. Além disso, a vacina oral é melhor para interromper os surtos de poliomielite do que a vacina inativada injetada.”, complementa o doutor Vincent Racaniello.

“No entanto, a VIP fornece apenas proteção pessoal, mas não impede a propagação progressiva do vírus. Somente a vacina oral tem esse benefício, e é por isso que precisamos da VOP para erradicar a poliomielite do mundo. No entanto, uma vez alcançado, precisamos parar de usar a VOP, caso contrário, continuaremos correndo o risco de surgimento de cVDPV. Portanto, esse é o objetivo do esforço de erradicação: erradicar o poliovírus selvagem e parar de usar a VOP, momento em que somente a VIP será utilizada”, observa Zaffran.

Todos os países do mundo seguiram esse procedimento, incluindo Estados Unidos, Suíça etc. Eles usaram a VOP para interromper a transmissão indígena do poliovírus endêmico e, depois disso, mudaram para a VIP para manter os níveis de imunidade, sem nenhum risco de cVDPV. “Esse é o plano para todos os países e é um processo que já está em andamento, à medida que nos aproximamos da erradicação das cepas remanescentes do poliovírus selvagem (que agora está encurralado em apenas dois países – Paquistão e Afeganistão)”, acrescenta.

Na celebração do Dia Mundial de Combate à Pólio, 24 de outubro, a Comissão Global de Certificação para a Erradicação do Vírus da Pólio declarou que a cepa do vírus selvagem da poliomielite tipo 3 foi eliminada. Existem três sorotipos do poliovírus: 1, 2 e 3. Os dois últimos foram declarados erradicados, mas ainda temos que enfrentar o sorotipo 1.

As vacinas são seguras

O virologista e professor da Universidade Columbia Vincent Racaniello, assegura que as vacinas são seguras. “Elas são a melhor maneira de prevenir doenças infecciosas e levaram a um aumento da expectativa de vida nos últimos 100 anos. A varíola foi erradicada pela vacinação e estamos à beira da erradicação da poliomielite”, lembra.

O pesquisador Edward Parker recorda que antes de qualquer vacina ser licenciada, ela é rigorosamente testada para garantir que seja segura e eficaz. O monitoramento contínuo ocorre para detectar quaisquer efeitos colaterais raros. Embora questões como casos de poliomielite derivados de vacinas surjam em casos muito raros, eles são amplamente superados pelo imenso bem que as vacinas fazem. “Como resultado disso, nunca hesitei em tomar nenhuma das minhas vacinas programadas”, garante. Ainda segundo ele, é crucial reconhecer a coragem das pessoas na linha de frente dos esforços de erradicação da poliomielite. Mais uma vez, 2019 viu trabalhadores da saúde morrerem durante campanhas de vacinação, geralmente devido à disseminação de informações erradas e desconfiança sobre as vacinas. Apesar desses obstáculos, estamos mais próximos da erradicação da poliomielite do que nunca. Esta é uma conquista baseada na persistência e coragem dos trabalhadores da vacina.

Michel Zaffram também garante que as vacinas são seguras e uma das ferramentas de desenvolvimento mais econômicas já desenvolvidas. “Graças à administração em larga escala, milhões de vidas infantis continuam sendo salvas, inclusive entre as populações mais vulneráveis”, enfatiza. Ainda segundo ele, a vacina oral contra a poliomielite é extremamente segura e eficaz na proteção de crianças contra a paralisia ao longo da vida. Mais de 12 bilhões de doses foram administradas várias vezes a mais de um bilhão de crianças nos últimos dez anos. Os benefícios superam em muito o risco extremamente baixo de um cVDPV. A vacina oral reduziu a incidência global de poliomielite >99% desde 1988, de 350.000 casos por ano, em mais de 125 países endêmicos, para 112 casos de poliomielite selvagem, em dois países em 2019 (em dezembro de 2019). Ainda de acordo com ele, quaisquer riscos associados à vacina oral, relacionados aos cVDPVs, são superados pelos benefícios de saúde pública da vacina. No entanto, uma vez que os poliovírus selvagens forem erradicados globalmente, o uso dessa vacina precisará ser interrompido, para também eliminar os riscos a longo prazo dos cVDPVs.

Em 1996, Nelson Mandela, juntamente com o Rotary International e os governos e a sociedade civil de toda a África, lançaram uma campanha abrangente para Expulsar a pólio da África. Na época, o poliovírus selvagem paralisava mais de 75.000 crianças todos os anos em todos os países do continente.

O ano de 2019 foi um ano importante para a erradicação da poliomielite. Assistimos ao desenvolvimento de novas vacinas contra a doença pela primeira vez em mais de meio século. “Eles consistem em cepas mais estáveis de vírus enfraquecidos, o que reduz o risco de casos derivados de vacinas. Se as vacinas forem eficazes em ambientes ainda afetados pela poliomielite, isso pode representar um passo fundamental para a erradicação da doença. A poliomielite nos ensinou que o desenvolvimento de uma vacina eficaz contra uma doença é apenas metade da batalha. Oferecer essa vacina a absolutamente todas as crianças, especialmente em regiões afetadas por distúrbios políticos e sociais, costuma ser um desafio ainda maior”, conclui o pesquisador Edward Parker da LSHTM.

Uma em cada 200 infecções leva à paralisia irreversível, normalmente nas pernas. Entre os acometidos, 5% a 10% morrem quando há paralisia dos músculos respiratórios. Embora ocorra com maior frequência em crianças com menos de 5 anos de idade, a poliomielite pode atacar adultos que não foram imunizados. Mais de 99% das infecções de poliomielite vão e vêm sem sintomas. Como resultado disso, o vírus pode circular silenciosamente em uma região sem causar nenhuma doença, tornando incrivelmente difícil a erradicação. Os esforços de vigilância da poliomielite estão, portanto, concentrando-se cada vez mais na detecção de vírus em amostras ambientais, como esgoto.

Desempenho da vacina oral contra a pólio em países de baixa renda

O doutorado do pesquisador Edward Parker examinou as barreiras ao desempenho da vacina oral contra a poliomielite em países de baixa renda. Questionado sobre as conclusões, ele revela que infelizmente, é improvável que esse problema tenha uma explicação simples. No entanto, descobriram que bebês que tinham outros vírus intestinais no momento da imunização eram menos propensos a responder efetivamente. Portanto, parece que esses outros vírus, que são muito comuns em países de baixa renda, podem ser uma barreira fundamental para a vacina oral contra a poliomielite. “Para analisar os fatores que influenciam a resposta à vacina, tive a sorte de colaborar com uma incrível equipe de pesquisadores sediada no Christian Medical College, no sul da Índia. Usamos amostras de fezes coletadas de crianças no dia da vacinação para fornecer uma imagem instantânea das bactérias e vírus presentes no intestino. Em seguida, usamos técnicas de seqüenciamento de ponta para comparar se os bebês que respondem bem à vacina contra a poliomielite têm um microbioma intestinal diferente dos que não respondem”, descreve.

Mais informações podem ser encontradas nos links abaixo:

http://polioeradication.org/news-post/vaccine-derived-polioviruses/

http://polioeradication.org/news-post/the-two-polio-vaccines/

https://youtu.be/xQOWcmSP75c