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Pesquisa analisa porque transmissão do HIV é sexista

Estudo levou em conta dados de casais heterossexuais “discordantes” em país africano

14/08/2014
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O foco principal do Dr. Jonathan M. Carlson é desenvolver modelos estatísticos que ajudem a compreender a resposta adaptativa do HIV ao sistema imunológico. Ele vem trabalhando em estreita colaboração de pesquisadores biólogos e médicos

Mulheres e homens que fazem sexo com homens têm probabilidades maiores  (duas e 20 vezes, respectivamente) de serem infectados por HIV do que homens heterossexuais. Para analisar o tema, um estudo publicado na revista Sciense revelou que a genética do vírus em si tem muito a ver com isso. O trabalho desenvolvido por pesquisadores da Microsoft Research e da Universidade de Emory detalha como só as cepas mais fortes do agente tendem a infectar homens heterossexuais. Para isso, foram analisados dados de um estudo de décadas sobre a transmissão do HIV entre casais heterossexuais discordantes (um é HIV positivo e, o outro, negativo) na Zâmbia. Abaixo, um dos coordenadores do trabalho, Dr. Jonathan Carlson  fala a respeito do tema durante entrevista à Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT).

SBMT: Qual foi o principal objetivo da pesquisa?

J.M.C: O HIV é caracterizado por uma rápida taxa de mutação que resulta em um alto nível de diversidade genética dos vírus em cada indivíduo infectado. Entretanto, novas infecções se dão basicamente por uma única variante genética que vem de uma nuvem de vírus circulando no doador. Nossa pergunta era se havia algo especial nesse vírus fundador, ou se vírus fundadores são simplesmente aqueles que estão no lugar certo e na hora certa.

SBMT: Quais foram os principais resultados obtidos?

J.M.C: Nossos dados mostraram que, enquanto existe uma chance razoável envolvida, a sorte favorece os agentes que têm maior adequação. Isto é, vírus que se reproduzem mais rapidamente. A adequação foi estimada baseada em vários fatores, mas o mais relevante foi que os vírus cujas sequências de RNA eram mais próximas da sequência mais comum na Zâmbia eram os mais prováveis de serem transmitidos. Isto indica que essas sequencias (consensos) são comuns porque têm vantagens na transmissão. Além disso, nós descobrimos que essa vantagem na transmissão era mais forte em homens do que em mulheres. Isso significa que existe uma barreira de adequação em homens, induzindo a uma pressão de seleção mais forte. Desta maneira, homens estão menos suscetíveis a infecções do que mulheres, mas quando são contaminados, o são geralmente os vírus mais adequados que provocam doenças mais graves. De maneira similar, homens com úlceras genitais ou inflamações são mais suscetíveis à infecção, e assim as contaminações mais frequentes eram provocadas por vírus menos adequados.

SBMT: Apesar de ter tratado apenas de casais heterossexuais, como se conclui que relações homossexuais são mais suscetíveis à transmissão do HIV?

J.M.C: É difícil especular além dos doados disponíveis nesse estudo. Mas esperamos que o paradigma geral ficará: maior risco de infecção significa menores barreiras genéticas. Isso significa que, quando existe infecção, geralmente será por vírus menos adequados e que resultarão em doenças menos graves.

SBMT: Como esse trabalho pode auxiliar a entender melhor a transmissão do HIV entre seres humanos?

J.M.C: Isso mostra que a exposição frequentemente resulta em infecções que não produzem células-alvo, abrindo uma janela onde os vírus mais fortes podem vencer os mais fracos, bem como na janela onde vacinas ou drogas possam impedir qualquer vírus de se gerar uma infecção sistêmica. Isso também mostra que qualquer abordagem que leve a vírus menos adequados (como remédios ou respostas imunes que selecionam por certas mutações de escape) reduzirão as taxas de transmissão. Também mostra que vacinas preventivas ou tratamentos com remédios têm uma janela de oportunidade para funcionar, mas que os efeitos colaterais de uma barreira de entrada aumentada serão o avanço de infecções que ocorrem normalmente por vírus mais adequados e que normalmente resultam em doenças mais graves.

SBMT: Os resultados da pesquisa mostram que dificilmente uma vacina seria capaz de proteger contra todos as versões do HIV?

J.M.C: Isso sugere que as vacinas devem focar em regiões onde o vírus está bem conservado – isto é, onde existem poucas variantes circulando entre a população. Nos nossos dados, os agentes que tiveram poucas mutações nessas regiões altamente conservadas eram menos suscetíveis à transmissão. Então, se pudermos focar a resposta imune nessas áreas, poderemos bloquear as variantes mais comuns e garantir que os vírus mutantes que são naturalmente resistentes à vacina em circulação serão menos suscetíveis à transmissão devido às suas mutações de resistência. Esse enfoque já está sendo estudado por diversos grupos; nossos dados fornecem uma explicação importante para essas abordagens e uma visão mais clara de como essas vacinas podem funcionar.

SBMT: Há perspectiva de resultados mais promissores em relação ao combate à Aids nos próximos anos?

J.M.C: O resultado mais importante sobre controle de transmissão é a observação de que fornecer medicamentos tanto para indivíduos infectados como alto risco, indivíduos não infectados reduzirão as transmissões. Nosso trabalho lança uma luz em como essas abordagens funcionam e fazem algumas previsões de efeitos colaterais. O essencial é a importância de estudos complementares para garantir que o avanço de infecções entre pessoas que usam remédios de prevenção não resultará em doenças clinicamente mais graves. Nosso resultado sugere que o avanço dos vírus será caracterizado por maiores adequações, mas pesquisas clínicas são essenciais para determinar se isso resulta em diferenças importantes no resultado clínico.