Pesquisa identifica resistência aos principais inseticidas usados na Nigéria para controle do Anopheles gambiae
Ensaios mostraram que as doses recomendadas pela OMS e pelo CDC já não garantam a mortalidade esperada dos mosquitos coletados em Zuba
23/12/2025
Artigo publicado na RSBMT identifica perda de eficácia da permetrina e da deltametrina em população de Anopheles gambiae s.l. em Zuba
Uma investigação conduzida em Zuba, no Conselho de Área de Gwagwalada, intitulada “Pyrethroid Resistance in Anopheles gambiae s.l.: A Focus on Permethrin and Deltamethrin for Malaria Vector Control” , publicada na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (RSBMT), revelou níveis preocupantes de resistência do Anopheles gambiae s.l., principal vetor da malária na África, a dois dos inseticidas mais utilizados nos programas de controle vetorial, permetrina e deltametrina. Os resultados chamam atenção por serem os primeiros dados específicos produzidos para essa localidade, uma área que, apesar de densamente povoada e com condições ambientais favoráveis à proliferação de mosquitos, não possuía registros prévios de vigilância entomológica voltada à resistência a inseticidas.
Os autores analisaram amostras coletadas em poças temporárias e pneus abandonados durante a estação chuvosa de 2024, período em que os criadouros se multiplicam no entorno da comunidade. Após a criação dos mosquitos em laboratório, foram aplicados bioensaios padronizados pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). A partir das doses recomendadas internacionalmente, 21,5 μg/frasco para permetrina e 12,5 μg/frasco para deltametrina, além de uma série de concentrações inferiores, os pesquisadores avaliaram a mortalidade em diferentes intervalos de tempo.
Os números demonstraram a perda de eficácia dos compostos. A permetrina alcançou 84,4% de mortalidade após 30 minutos, abaixo do patamar de 98% definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como indicativo de suscetibilidade. A mortalidade total foi observada apenas aos 35 minutos. No caso da deltametrina, o desempenho foi ainda inferior, com 76% de mortalidade no mesmo intervalo, atingindo 100% apenas aos 40 minutos. Doses subletais não apresentaram qualquer efeito após 24 horas, comportamento que reforça o padrão de resistência já observado em outras regiões da Nigéria.
Para o Dr. Adedayo Michael Awoniyi, um dos autores, os resultados refletem um processo que se desenvolve há décadas no país e que agora se manifesta de forma mensurável em Zuba. “A população local de Anopheles gambiae s.l. não responde mais de forma adequada às concentrações recomendadas. Isso compromete o desempenho de ferramentas centrais do controle vetorial”, afirmou. Ele lembrou que tanto os mosquiteiros tratados quanto a pulverização intradomiciliar dependem majoritariamente de piretroides, compostos que passaram a ser usados de maneira intensiva desde o início dos anos 2000. Segundo o pesquisador, a pressão seletiva contínua, somada ao uso agrícola de inseticidas, cria um ambiente favorável à sobrevivência e à propagação de mosquitos resistentes.
A pesquisa insere-se em um contexto mais amplo. A África Subsaariana concentra a maior parte das transmissões globais, e a Nigéria responde por uma parcela significativa dos casos e óbitos por malária. A OMS e o CDC recomendam que países endêmicos realizem monitoramentos regulares de resistência para ajustar medidas de controle com base em evidências locais. Apesar disso, muitas áreas ainda operam sem dados próprios, o que dificulta a identificação de tendências emergentes. Zuba, segundo o estudo, é um exemplo dessa lacuna. Com drenagem precária, expansão urbana desordenada e acúmulo de água parada, a região reúne condições que favorecem criadouros e podem acelerar a seleção de populações resistentes.
O Dr. Awoniyi destaca que a resistência observada envolve diferentes possibilidades biológicas, ainda não caracterizadas nesse estudo. Mutações no canal de sódio, conhecidas como kdr, ou mecanismos metabólicos baseados na ação de enzimas detoxificadoras, como citocromos P450 e glutationa S-transferases, já foram documentados em outras regiões e podem estar relacionados ao padrão identificado em Zuba. “A ausência de análise molecular impede a confirmação, mas o comportamento fenotípico se alinha ao que tem sido registrado em estados do norte e do sudoeste do país, onde a resistência aos piretroides se consolidou como um desafio operacional”, acrescenta.
O levantamento também expõe um segundo ponto crítico, a exposição repetida a concentrações subletais tende a acelerar a evolução da resistência. Como as doses abaixo do recomendado não produziram qualquer mortalidade na população analisada, o Dr. Awoniyi considera que situações em que inseticidas são aplicados de forma inadequada, seja por dosagem insuficiente, seja por degradação do produto, podem contribuir para o fortalecimento de linhagens resistentes ao longo do tempo. Esse efeito, segundo ele, já foi descrito em estudos anteriores e ressalta a necessidade de padronização rigorosa das intervenções.
O pesquisador reconhece limitações em relação à pesquisa. Ele explica que os dados foram obtidos em apenas um distrito e correspondem a um recorte temporal específico. “Ainda assim, pela ausência de registros prévios, a pesquisa traz dados importantes para o planejamento local, e os resultados funcionam como um alerta. O monitoramento se torna indispensável. Sem acompanhamento contínuo, perde-se a capacidade de ajustar as medidas de controle e, com isso, aumenta o risco de persistência da transmissão mesmo em áreas com intervenção”, finaliza.
Confira o artigo “Pyrethroid Resistance in Anopheles gambiae s.l.: A Focus on Permethrin and Deltamethrin for Malaria Vector Control” publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (RSBMT): https://doi.org/10.1590/0037-8682-0233-2025.