Políticas inclusivas: mulheres na pós-graduação e pesquisa e o impacto do movimento Parent in Science
Mulheres pretas e indígenas correspondem a menos de 1% dos bolsistas
05/02/2024
Em um cenário acadêmico em constante evolução, as políticas para mulheres na pós-graduação e pesquisa têm assumido uma importância crescente e destacado questões cruciais de equidade de gênero, de forma a proporcionar um ambiente mais inclusivo para os desafios específicos enfrentados por pesquisadoras, especialmente aquelas que são mães. O movimento “Parent in Science” emerge como uma força motriz para essas mudanças, buscando criar uma cultura mais justa e apoiar efetivamente as mulheres que desempenham papéis de mães na ciência. A participação feminina na pesquisa e na pós-graduação tem crescido, mas desafios persistentes ainda afetam a trajetória de muitas mulheres nesses campos. Questões como a dificuldade de conciliar carreira acadêmica com a maternidade e estereótipos de gênero persistem, limitando o progresso das mulheres na academia. Para abordar essas questões, diversas instituições têm implementado políticas inclusivas que visam proporcionar um ambiente mais favorável para as mulheres na pós-graduação e pesquisa. Essas políticas incluem flexibilidade nos prazos acadêmicos, apoio financeiro específico para mães pesquisadoras e programas de mentoria.
O movimento Parent in Science surge como uma resposta positiva a esses desafios, concentrando esforços em conscientizar sobre a importância de políticas que considerem as necessidades das mães na ciência. Fundado por pesquisadoras e mães cientistas, o movimento, que busca influenciar políticas institucionais e nacionais, destacando a importância de ambientes acadêmicos inclusivos, tem desempenhado um papel crucial ao chamar a atenção para questões muitas vezes negligenciadas. Por meio de pesquisas, campanhas, workshops e advocacia, o movimento destaca a necessidade de suporte específico para pesquisadoras que são mães, promovendo um diálogo mais amplo sobre as barreiras que as mulheres enfrentam.
À medida que o Parent in Science continua a ganhar destaque, a esperança é que sua influência leve a mudanças significativas nas políticas acadêmicas. A busca pela equidade de gênero não apenas fortalece a diversidade na pesquisa, mas também enriquece a qualidade e amplitude das contribuições científicas. Em um cenário em constante evolução, é essencial que as políticas para mulheres na pós-graduação e pesquisa se adaptem e evoluam. O movimento é um catalisador para essas mudanças, mostrando que a inclusão de todas as vozes é crucial para o avanço da ciência e da academia como um todo. Para saber mais sobre o assunto, a assessoria de comunicação da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) entrevistou a Dra. Fernanda Stanisçuaski, fundadora e coordenadora do Parent in Science.
SBMT: Quais são as principais demandas do movimento em relação a mudanças nas políticas institucionais?
Dra. Fernanda Stanisçuaski: As demandas variam muito, dependendo se nos referimos a estudantes ou docentes, por exemplo. No contexto da pós-graduação, o ponto principal é a necessidade de flexibilização das regras que temos em nosso sistema. Para as discentes de pós-graduação, vamos passar a garantir o mínimo. Atualmente, não há nenhuma lei que garanta licença-maternidade, temos a lei das prorrogações das bolsas, mas neste caso estamos falando só de bolsistas, que não é a maioria dos nossos estudantes de pós-graduação. Portanto, ao pensar nas discentes, precisamos garantir o direito básico da licença, para que isso permita uma adaptação das estudantes a essa nova realidade de ser mãe.
Na pós-graduação, isso é extremamente importante, exigindo uma articulação com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) devido aos prazos das defesas, já que muitos programas não garantem esse direito porque vai aumentar o tempo de titulação e isso impacta a avaliação da Capes. Já para as docentes, a questão da produtividade é de extrema importância. Tivemos muitos relatos de docentes que são desligadas dos quadros de programas de pós-graduação devido à queda na produtividade, algo compreensível devido à pausa durante a licença e às responsabilidades relacionadas à maternidade. Para não tirar essas mulheres do sistema, é necessário lidar adequadamente com essa queda de produtividade. Já houve um avanço com a inclusão do campo das licenças na plataforma Sucupira. Agora, aguardamos os novos documentos de área da Capes, com a expectativa de que fique explícito que o tempo de licença das discentes não conte no tempo médio de titulação do programa e, para as docentes, se for uma escolha do programa, as métricas serão adaptadas. Não haverá a necessidade de desligar a docentes do programa; simplesmente ela não entra na avaliação se o programa considerar essa a melhor estratégia.
Ainda de maneira mais ampla, em relação às discentes, é necessário considerar a questão da seleção. Hoje, existem exemplos de programas que aplicam fatores de correção da nota ou vagas específicas para mães, pois sabemos que se a discente já foi mãe antes de ingressar na pós-graduação, a seleção tem um viés pela questão de currículo. Esta é uma medida que também tem sido adotada. E existe a questão financeira, principalmente para as estudantes de graduação, assim como para a pós-graduação. As bolsas atuais não atendem às necessidades, tornando extremamente importante pensar em políticas de permanência que envolvam questões financeiras, além do oferecimento de creche, entre outras medidas.
SBMT: Como as instituições estão respondendo às demandas do movimento Parent in Science para garantir uma conciliação efetiva entre a carreira acadêmica e a vida familiar?
Dra. Fernanda Stanisçuaski: As instituições têm respondido positivamente às nossas demandas, as nossas conversas, contudo, muitas vezes, essa resposta fica apenas na conversa e temos pouco comprometimento na prática. Embora todos reconheçam a importância da questão de desigualdade, de gênero, raça e de classe social, que está intrinsecamente ligada à maternidade, na prática, vemos poucos esforços efetivos. Temos alguns exemplos de instituições, como a Universidade Federal Fluminense (UFF), que há bastante tempo tem trabalhado a inclusão das mães por meio de diferentes políticas. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), também apresentou alguns avanços, mas ainda é necessário um movimento mais abrangente. Não pode se limitar a um programa dentro de uma instituição, ou uma universidade, é preciso termos uma política nacional com ações direcionadas às mães na academia.
Em relação às agências de fomento, compreendemos as limitações financeiras, sabemos que elas operam em um déficit muito grande de verba, mas as mães nunca ficam como prioridade. Ao pensar nos estudantes, especialmente nas bolsas internacionais, como de doutorado sanduíche ou de pós-doutorado no exterior, a falta de auxílio dependente, auxílio de passagem para dependentes, cria obstáculos significativos, fazendo com que mulheres mães acabem sendo excluídas destas possibilidades, principalmente no que diz respeito à internacionalização. Quanto às bolsas e editais de fomento para as docentes e pesquisadoras, a questão da competitividade é relevante. Se a maternidade não for considerada, enfrentaremos desafios significativos em relação às mulheres estarem ocupando bolsas ou recebendo editais de financiamento.
SBMT: Quais são os principais desafios e barreiras que as mães enfrentam no ambiente acadêmico e de pesquisa? Como essas dificuldades podem impactar a progressão de suas carreiras científicas?
Dra. Fernanda Stanisçuaski: Os principais desafios e barreiras que enfrentamos estão relacionados à rigidez do nosso sistema, conforme mencionado anteriormente. Existe uma idealização da carreira acadêmica que segue a sequência: graduação, mestrado, doutorado, pós-doutorado, e, finalmente, ingresso como docente e pesquisador em uma instituição, sem pausas ou desvios deste caminho pré-definido. Isso impõe desafios temporais significativos, pois valorizamos carreiras lineares que alcançam essas metas em determinado período de tempo. Essa rigidez representa uma barreira significativa para a progressão da carreira das mulheres na academia. Outra questão relevante é a dificuldade de permanência, especialmente para estudantes, tanto pela inflexibilidade do sistema, que muitas vezes enxerga qualquer flexibilidade como um privilégio. Por exemplo, há certa resistência em oferecer condições especiais a estudantes que enfrentam imprevistos, como o adoecimento de um filho, pois isso poderia ser considerado injusto para os demais alunos. Precisamos mudar essa visão, abandonar a penalização da maternidade e compreender como essas situações impactam a vida das mulheres. Ainda nos apegamos muito na crença de que o esforço individual é suficiente e isso não reflete a realidade. Isso para as estudantes causa um impacto muito grande na progressão dentro do ensino superior e na academia.
SBMT: Qual é o papel do Parent in Science na promoção da equidade de gênero no ambiente científico? De que maneira as demandas do movimento visam reduzir disparidades de gênero na progressão acadêmica?
Dra. Fernanda Stanisçuaski: Em relação ao papel do Parent in Science na promoção da equidade de gênero, trabalhamos com essa questão como um recorte específico dentro do amplo tema de gênero. É fundamental compreender que nem todas as mulheres são mães, e a desigualdade de gênero não é exclusivamente impactada pela maternidade. Aspectos como assédio e estereótipos desempenham um papel significativo na academia e contribuem para as desigualdades observadas hoje. A maternidade é um desses fatores, então trabalhamos nesse tema pensando também nas interseções. Quando falamos em mães, precisamos pensar nas mães negras, mães indígenas, mães com deficiência e mães de filhos com deficiência. Todos estes são recortes importantes que buscamos trazer, pois queremos falar de equidade e não podemos desconsiderar as diferenças que existem dentro da maternidade, já que nem toda maternidade é igual. Nossas discussões sobre maternidade contribuem significativamente para promover a equidade, pois queremos garantir que as mulheres não sejam excluídas do sistema devido à maternidade. Isso se aplica tanto às estudantes que enfrentam dificuldades para concluir seus cursos quanto às docentes que encontram obstáculos em progredir dentro do sistema e chegar no topo da carreira, nos espaços de tomada de decisão, de poder.
SBMT: De que maneira o Parent in Science busca aumentar a conscientização sobre os desafios enfrentados pelas mães na ciência?
Dra. Fernanda Stanisçuaski: Sobre a conscientização, temos concentrado nossos esforços na divulgação de nossos resultados, pesquisas e trabalhos científicos. Participamos de diversos eventos e tentamos não negar convite porque entendemos a importância de alavancar essa discussão. Embora tenha havido uma diminuição, inicialmente ouvíamos frequentemente as pessoas relatando que não tinham pensando sobre esse aspecto, já que a maternidade historicamente sempre foi invisibilizada dentro da academia, pois muitos consideravam a vida profissional como algo isolado da vida pessoal, o que sabemos não ser verdade. Nesse sentido, a principal contribuição do Parent foi tirar a maternidade da invisibilidade e levar essa discussão para dentro das instituições, principalmente para aqueles locais onde as decisões estão sendo tomadas. Não é fácil, nem todas as portas se abrem facilmente, mas acreditamos que conseguimos, conciliando dados e compartilhando as experiências e relatos, abrir várias dessas portas para a discussão. Ainda precisamos de um avanço muito grande em relação a implementação de medidas práticas, mas acreditamos que conseguimos avançar significativamente na promoção dessa discussão.
SBMT: Existe uma análise regular do impacto dessas políticas na participação e sucesso das mulheres em programas de pós-graduação?
Dra. Fernanda Stanisçuaski: Sobre a análise das políticas, esse é um ponto fundamental, e ainda enfrentamos problemas relacionados a isso. Muitas vezes, não temos acesso aos dados. Há algum tempo, algumas instituições adotaram a prorrogação do prazo para a análise de currículos. Mas será que isso fez diferença? Temos algumas análises, como a realizada, por exemplo, pela UFF demonstrado que ter políticas afirmativas para mães em um edital de bolsa para orientadora de Iniciação Científica (IC) fez diferença sim! Contudo, temos acesso limitado a esses dados. É muito importante que as instituições realizem suas próprias análises ou disponibilizem os dados. Alguns comitês de assessoramento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) já têm a regra para ampliação do prazo para as bolsas de Produtividade em Pesquisa (PQ) para a análise do currículo. Mas será que isso fez diferença? Não temos essa informação. Portanto, é essencial ter acesso aos dados ou, se isso não for possível, que as instituições estejam comprometidas em avaliar suas práticas. Como essas políticas são relativamente recentes, ainda não sabemos se são realmente efetivas na extensão que precisamos. Portanto, ainda precisamos avançar na análise regular do impacto das políticas no ingresso, na permanência e na progressão das mulheres na academia e na ciência.
SBMT: Como o movimento pretende evoluir para continuar promovendo mudanças positivas no cenário científico?
Dra. Fernanda Stanisçuaski: Continuaremos nosso trabalho de gerar dados, pois esses números são importantes para orientar políticas. Ainda precisamos avançar muito na questão da discussão racial, trazer esse recorte em todas as discussões. Independentemente do tema, o recorte racial e de classe social precisa ser constante, pois, como mencionei, as experiências das mães não são universais. Além disso, existem alguns grupos para os quais não temos dados, como mães que são mulheres com deficiência e mães de pessoas com deficiência. Isso obviamente tem um impacto distinto na carreira destas cientistas, estudantes e pesquisadoras, e não temos números para trabalhar isto. Portanto, acredito que a nossa ideia de evoluir nas mudanças deve passar por um olhar específico para diferentes grupos de mães, considerando raça, classe social, deficiências e sexualidade. Pois, quando falamos de direitos, como licença-maternidade, por exemplo, em um casal de mulheres, quem tem direito à licença? Quem não tem? Quem vai usufruir das políticas ou não? Há muitos recortes ainda a serem explorados, e o trabalho do Parent está apenas no início e vejo que esse será o nosso foco daqui para frente.
SBMT: O que justifica apenas 35,6% dos pesquisadores com a bolsa de produtividade em pesquisa concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) há 20 anos serem mulheres?
Dra. Fernanda Stanisçuaski: Isso ocorre devido à inflexibilidade do sistema. Os critérios para a concessão das bolsas são extremamente rígidos, embora tenha havido algumas mudanças ao longo do tempo, principalmente de caráter mais qualitativo. Mas mesmo assim a avaliação ainda se concentra muito em números de publicações e orientações. E sabemos que isso muda com a maternidade, o que não significa que a mulher não é capaz, produtiva ou não esteja contribuindo para o nosso sistema acadêmico e científico aqui no Brasil. Acredito que o principal problema está nas métricas utilizadas, que são voltadas para um grupo muito específico de cientistas. Por fim, não podemos ignorar a questão da raça. Para se ter uma ideia, somente agora, este ano, temos a primeira mulher negra ocupando uma bolsa PQ-1A do CNPq. Ou seja, quando falamos em sub-representação das mulheres, esses 35% têm um recorte muito importante de raça que não podemos esquecer.
**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**