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ReBEC: plataforma local, ciência global

Vanguarda no Brasil e no mundo, a plataforma virtual é único registro primário do mundo em português reconhecido pela OMS

08/12/2021
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Voltado a pesquisadores, profissionais de saúde e demais interessados, o ReBEC concentra informação de estudos envolvendo recrutamento de seres humanos para testes de novos fármacos e procedimentos clínicos

Ser uma plataforma virtual de acesso livre para atender às necessidades nacionais e regionais de informação e dar transparência aos ensaios clínicos experimentais e não experimentais realizados em seres humanos por pesquisadores brasileiros e estrangeiros, em andamento ou finalizados, em território brasileiro. Essa é a missão do Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (ReBEC), um dos 16 registros primários do mundo acreditados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) por meio da sua rede global, a International Clinical Trials Research Platform (ICTRP Network) e o único em português a assimilar, também, as diretrizes obrigatórias do Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (ICMJE). As acreditações garantem ao registro brasileiro a mesma aceitação, pelos periódicos mais prestigiados globalmente, como Lancet e Nature, que os demais membros da rede ICTRP e que o Clinical Trials, junto ao qual o ReBEC mantém colaboração direta para pesquisas realizadas no Brasil desde 2017 e detém a gestão dos estudos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) na base americana desde 2014.

A Dra. Luiza Silva, coordenadora do ReBEC, explica que ele é uma plataforma de registro de estudos conduzidos no Brasil, mesmo quando parte de uma iniciativa multicêntrica internacional. Ainda de acordo com ela, no ReBEC devem ser registrados todo e qualquer estudo prospectivo que designa participantes humanos, ou grupos de seres humanos, para uma ou mais intervenções relacionadas à saúde cujos efeitos nas pessoas serão avaliados. “Os ensaios clínicos vêm sendo descritos como padrão ouro na avaliação de questões terapêuticas e preventivas em saúde. Não por outra razão, o registro de ensaios clínicos, proposto inicialmente com o intuito de respeitar razões éticas envolvendo o recrutamento, hoje é importante fonte de evidência sobre a efetividade e confiabilidade de intervenções em saúde, desde que realizado em plataformas específicas, os registros primários, devidamente acreditados”, ressalta.

Tais intervenções têm por objetivo modificar um desfecho de saúde e podem incluir drogas, procedimentos cirúrgicos, aparelhos, tratamentos comportamentais, entre outros. A constituição de uma base de dados sobre pesquisa clínica no Brasil em um único sítio arrebanha informações que muitas vezes estão dispersas em diferentes instituições, que não necessariamente chegaram a ser publicadas ou estiveram sempre acessíveis aos interessados. Na comparação do ReBEC com o Clinical Trials e outras bases, José Luiz dos Santos Filho, revisor de ensaios clínicos do ReBEC, assinala uma série de vantagens. “Para todos os públicos aqui no País, sejam participantes de estudos, pesquisadores ou outros interessados, a maior vantagem, sem dúvida, é o atendimento personalizado em português, seguida pelo sistema de busca e a interface intuitiva”, aponta. Para registrantes, a facilidade para se iniciar e atualizar um registro e o manual para ajudar preenchimento das informações requeridas.

Santos Filho salienta que no ReBEC é possível registrar estudos observacionais e os retrospectivos (aqueles em que o ensaio clínico começa antes do registro na plataforma), embora estes não sejam aceitos por todos os periódicos. Como é de propriedade pública, acesso livre e sem ônus para qualquer pessoa que queira registrar ou consultar registros aprovados, é também uma ferramenta para advocacy groups e para o controle social. “A vantagem para o público em geral é a transparência das estatísticas da plataforma, disponíveis no rodapé do site, e a disponibilidade da íntegra dos conteúdos em português, sempre”, destaca.

A coordenadora da plataforma afirma ainda que o ReBEC aumenta a eficácia dos esforços dos ensaios clínicos ao divulgar os estudos de maneira ampla, reduzindo o sempre temido viés da publicação. Para ela, a transparência do registro pode aumentar a eficácia em ensaios clínicos e estudos observacionais atuais por, pelo menos, duas razões. “A primeira é que, como os pesquisadores que planejam novos estudos tomam conhecimento de ensaios já existentes, pode-se reduzir a duplicação desnecessária de esforços de pesquisa, incluindo custos, e favorecer a cooperação entre especialistas e instituições. A outra é que o livre acesso aos estudos registrados que estejam recrutando participantes pode aumentar as taxas de atração destes indivíduos, especialmente para ensaios clínicos sobre doenças raras ou que envolvam condições de alto risco”, detalha a Dra. Silva.

O Dr Josué Laguardia, consultor sênior do ReBEC sobre pesquisa clínica, observa que uma das resultantes desses processos conjugados seria o aumento nas chances de desfechos bem-sucedidos de alguns ensaios, o que concorre, junto com vários outros fatores, para agregar valor aos resultados da pesquisa e aprimorar evidências que orientem as práticas e políticas de saúde. “Isto porque é uma fonte de informação confiável, curada, acreditada internacionalmente e não-enviesada. Essa credibilidade é que garante o reconhecimento por periódicos de excelência e a consistência da informação para revisões sistemáticas, metanálises e diretrizes baseadas em evidências”, afirma.

Um histórico de inovação e prontidão

Neste mês, o ReBEC completa 11 anos de funcionamento contínuo. Quando surgiu, foi a primeira iniciativa do gênero no País e o único no mundo com código 100% aberto. Em menos de um ano tornou-se um dos registros primários ICTRP. Ao final da dotação inicial de implantação da plataforma, em 2014, constantes mudanças no Ministério da Saúde tornaram difícil a sustentabilidade do projeto. “A saída foi via projetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Depois disso, o Ministério fez um aporte complementar que permitiu financiar aperfeiçoamentos na plataforma, desenvolver um aplicativo para recrutamento (ainda inédito), atender emergências de saúde e pagar o pessoal, durante algum tempo”, conta a coordenadora. O resultado veio rápido: há fast-tracks implementados desde 2016 para aprovação expressa em até 48 horas de estudos com documentação correta sobre zika, dengue, febre amarela e malária.

A pandemia de Covid-19 seria, como foi para todos, o maior desafio. “Sinalizamos à presidência da Fiocruz a necessidade de um fast-track ainda em janeiro de 2020, sem imaginar que o Brasil atravessaria um verdadeiro pesadelo. Usei os últimos recursos para comprar celulares para os revisores e, quando o lockdown chegou, estávamos prontos para migrar do atendimento telefônico e das rotinas por email, previstos em regulação, para um sistema de plantão de 8h às 20h, com interação direta: continuamente, via chat, ou até com hora marcada, por celular”, lembra a Dra. Silva.

Ainda segundo ela, a mudança foi um sucesso. “Aceleramos muito a velocidade de aprovações dos registros como um todo, pela redução das dúvidas diretamente com os registrantes”, reconhece a coordenadora. Quanto ao fast-track para Covid, tornou o Brasil um destaque em número de estudos registrados na plataforma da OMS. Paradoxalmente, com as prioridades da pandemia aqui no País, houve ainda mais atrasos nos pagamentos de pessoal e desligamentos na equipe; demorou, mas conseguimos um orçamento dedicado em outubro deste ano”, comemora.

Protagonismo internacional

Apesar dos avanços, o ReBEC esteve prestes a perder o credenciamento no ICTRP e o reconhecimento pelo ICMJE, pois o sistema desenvolvido com as atualizações de front-end, back-end e compliance não tinha ido ao ar em função de problemas burocráticos. Um contato direto da coordenação com a cúpula do Comitê reverteu a situação marcando um gol para a plataforma brasileira: o ReBEC fez a doação do código da plataforma à OMS e manteve a tradição de único registro primário do mundo com código 100% aberto, agora com uma alternativa no estado da arte dos registros primários para a comunidade desenvolvedora internacional.

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Acessos globais ao ReBEC em 2021. Fonte: Matomo Analytics

A plataforma tem visibilidade considerável fora do País: até o dia 18 de novembro, somava em 2021, mais de 57 mil acessos do Brasil e 28 mil de outros países – um terço do total. “O registro primário bilíngue permite um ganho de eficiência que impulsiona o conhecimento e a cooperação entre especialistas e grupos de pesquisa, não há dúvida”, garante a coordenadora. Como os registros são publicados também em inglês por exigência da OMS, para onde o ReBEC replica sua base mensalmente, não só dá visibilidade e transparência globais à informação da pesquisa clínica realizada no Brasil, seja por indústrias farmacêuticas, pesquisadores brasileiros ou estrangeiros, como aumenta o potencial de reuso da informação científica e tecnológica em saúde tanto pela comunidade internacional e regional.

“Temos um papel importante para pesquisadores lusófonos, especificamente, espalhados pelo mundo. Mas queremos agora aumentar o protagonismo regional. O espanhol está disponível no sistema, mas o uso ainda é muito pequeno”, reconhece. “Em tamanho estamos atrás apenas do Clinical Trials nas Américas. Colaborando para atender à demanda que hoje está a cargo de Cuba e Peru, únicos membros do ICTRP em espanhol, poderemos, juntos, construir uma aliança virtuosa de transparência para todos os estudos conduzidos nos países da América Latina e do Caribe. Não é um sonho, é uma agenda de saúde global”, aposta a Dra. Silva.

Entenda o processo e os números

Lançada em dezembro de 2010, a plataforma chega ao final de 2021 com um sistema todo novo e mais de 5 mil registros de estudos, três mil destes recrutando. Questionado se o ReBEC conta com algum mecanismo para garantir a validade dos dados registrados, o Dr. Laguardia esclarece que os estudos submetidos são validados em quatro etapas: uma é o registro no comitê de ética da instituição de pesquisa que propõe o ensaio, o chamado Parecer Consubstanciado (CEP), ou o parecer do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Outra é o Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE), emitido pela Plataforma Brasil (base nacional e unificada de registros de pesquisas envolvendo seres humanos para todo o sistema, CEP/Conep), assim que o estudo é aprovado pelos comitês ou pelo Conep. “A etapa do registro no ReBEC também é uma validação, já que a submissão na plataforma está condicionada à apresentação dos pareceres emitidos pelos comitês de ética em pesquisa das próprias instituições de pesquisa ou pelo comitê nacional”, complementa. Por fim, os estudos aprovados no ReBEC são migrados para a base do International Clinical Trials Registry Platform (ICTRP), que é o registro global gerido pela OMS.

Em 17 de novembro, a plataforma contava com o total de 11.037 ensaios clínicos submetidos, mas isto não representa exatamente um somatório das demais estatísticas da plataforma, pois alguns destes ensaios já aprovados solicitam uma nova revisão, ou o estudo pode estar recrutando já tendo sido aprovado, por exemplo. No total, são 5.181 estudos aprovados, todos com validação aceita pelos mais importantes periódicos científicos do mundo e abertos à consulta pública, 4.102 ensaios clínicos em rascunho e 208 em análise.

“Como o ReBEC é uma plataforma de submissão de ensaios clínicos rodados no Brasil, a maior parte dos estudos é brasileira, sejam estudos de financiamento próprio ou público, por meio de fundações estaduais de amparo à pesquisa ou do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), elucida Santos Filho. Ele é um projeto conjunto do Ministério da Saúde, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde, também conhecido pelo seu nome original Biblioteca Regional de Medicina (BIREME). Seu comitê executivo é composto pelas instituições supracitadas e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).