Relato de caso: sífilis, infecção pelo vírus HIV e linfoma
Paciente relatou perda ponderal de 20 kg entre outubro/2019 e julho/2020, após queda espontânea de obturação dentária e negava qualquer outra alteração
08/10/2020Paciente de 42 anos, homem que fazia sexo com homens, previamente hígido foi admitido no pronto socorro relatando uma historia que teve início meses antes após a queda espontânea de obturação dentária. Afirmava ter tido perda ponderal de 20 kg nos últimos nove mas negava outros sintomas, até que, em junho de 2020, passou a apresentar fadiga e fraqueza muscular. Há poucos dias, foi ao supermercado e apresentou episódio súbito de enterorragia seguida de perda da consciência (ao todos, teve três episódios de fezes pastosas, em sangue vivo, com restos alimentares e com urgência evacuatória).
Ao fazer testes rápidos foi diagnosticado com sífilis (VDRL 1:512) e infecção pelo vírus HIV. Foi constatado em hemograma anemia importante (hemoglobina de 3,3g/100mL) e recebeu então três unidades de concentrados de hemácias. Enterorragia cessou no dia seguinte. Durante internamento hospitalar paciente apresentou diversos episódios de queda da hemoglobina, tendo recebido ao longo de toda a sua permanência no HGT 10 bolsas de concentrados de hemácias. Após alguns dias de internamento paciente passou a apresentar febre alta diária, vespertina, com calafrios e que remitia após uso de antitérmico, sendo acompanhada de sudorese profusa.
Exames para investigação de tuberculose, leishmaniose visceral e histoplasmose foram negativos. Além da continuação da febre, a diarreia retornou e passou a ser diária e sem sangue, frequente, com restos alimentares e com urgência evacuatória. Ocorreu piora do estado geral e verificou-se a presença de hepatomegalia indolor (de aproximadamente 7cm abaixo do rebordo costal direito) e massa palpável em flanco direito – de 4cm, móvel e indolor. Somou-se ao quadro o desenvolvimento de hiponatremia refratária às medidas de correção e o paciente foi submetido a biopsia de linfonodomegalia inguinal esquerda e a colonoscopia para investigação clínica.
Biopsia de linfonodo descartou quadro infeccioso e o fragmento de colón transverso levantou suspeita de processo neoplásico por apresentar na peça retirada a presença de células redondas, grandes e com citoplasma claro. Imuno-histoquímica do material comprovou diagnostico de linfoma não-Hodgkin, imunofenotipo T, tipo linfoma de grandes células anaplasicas ALK negativo.
Foi introduzida a terapia anti-retroviral (tenofovir + lamivudina + dolutegravir) no início que seguiu-se de boa resposta no tocante ao HIV, tendo reduzido carga viral de 16.225.508 cópias/mL epara para 425 cópias/mL dois meses depois, mantendo os níveis de CD4 (244mL e 232). Sífilis foi tratada com penicilina benzatina durante 3 semanas e punção liquórica descartou neurolues.
Apesar da estabilidade hemodinâmica, o paciente evoluiu com persistência de diarreia e febre diárias, queixando-se de adinamia e apresentando importante edema em MMII. As evacuações eram pastosas, urgentes, com restos alimentares e sem cólicas. O estado geral piorou, pois paciente não tinha mais forças para levantar-se e deambular pela enfermaria e edema bilateral em MMII (4+/4+, cacifo positivo, brilhante e indolor) ascendeu-se até bolsa escrotal.
Foi transferido para o Hospital do Coração para seguimento hematológico e iniciou quimioterapia (ciclofosfamida + vincristina + doxorrubicina + prednisona + etoposideo), porém evoluiu com piora do estado geral, falecendo após dois dias do inicio do tratamento oncológico.
Participaram da elaboração deste caso:
Prof. Kleber Luz – Departamento de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
*Este caso foi adaptado de um caso real para fins de ilustração.
**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**