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Pesquisadores testam remédios para combater coronavírus

OMS criticou o uso de remédios não testados e pediu ações coordenadas entre os países

11/04/2020
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Segundo a OMS, para vencer é preciso atacar o vírus de maneira agressiva e com táticas direcionadas. Testar todos os suspeitos, isolá-los e cuidar dos contaminados. Ainda não há tratamento comprovadamente eficaz

Segundo a divisão de pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS), atualmente, já existem 41 iniciativas de vacinas contra o COVID-19 em desenvolvimento. No entanto, apenas uma está em fase de testes em humanos, representando uma esperança, ainda que distante, para um futuro controle da proliferação do vírus. Entretanto, caso a vacina seja aprovada pelos órgãos competentes, a estimativa é que seu desenvolvimento leve dois anos. Enquanto uma vacina eficaz não chega, cientistas do mundo inteiro estão fazendo testes clínicos com remédios que já existem para descobrir como tratar pacientes com a COVID-19 em situação grave. E há alguns avanços. Há evidencias anedóticas de drogas gerando uma resposta positivas em alguns pacientes, mas os resultados ainda são preliminares, e testes clínicos controlados bem planejados estão sendo realizados somente agora para testar várias terapias promissoras que parecem funcionar contra o vírus em experimentos laboratoriais. Esses remédios atuam ao inibir vários caminhos usados pelo vírus para infectar e se replicar nas células. Os medicamentos atualmente sendo pesquisados incluem, mas não se limitam a cloroquina, remdesivir, favipiravir, lopinavir/ritonavir e kevzara.

O fármaco remdesivir parece ser o agente antiviral mais eficiente entre os que estão sendo testados. Depois de ter sido usado, com sucesso, no primeiro doente nos Estados Unidos. Pacientes na Itália também melhoraram depois de tomarem o antiviral da Gilead Sciences. O médico e pesquisador André Kalil, que atua no Global Center for Health Security at the University of Nebraska Medical Center, que lidera um ensaio clínico para testar o medicamento, explica que este nucleotide analogue com atividade antiviral in vitro contra vários vírus RNA, incluindo o coronavírus, também tem demonstrado atividade in vivo em modelos animais de MERS and SARS. “Por isso, é esta a droga considerada a mais promissora na tentativa de combate à doença respiratória Covid-19”, destaca. O fármaco foi apontado pelo Institutos Nacionais de Saúde (NIH) como a de maior potencial em relação aos outros medicamentos. O remdesivir também foi recentemente testado contra o Ebola, onde seu perfil de segurança foi traçado.

Até o momento, 80 pacientes têm participado do ensaio, sendo que metade recebe a droga e a outra metade placebo. A sua equipe deve ser capaz de examinar os resultados dos primeiros 100 pacientes nas próximas duas ou três semanas. Questionado se o uso logo no início pode influenciar o tratamento/cura, o pesquisador ressalta que como principio geral, os antivirais têm mais probabilidade de funcionar no período precoce da doença, mas o período exato em que antivirais vão ser efetivos contra este novo coronavírus ainda precisa ser determinado.

Ainda de acordo com o Dr. Kalil, a falta de evidência com relação à segurança e à eficácia contra o COVID-19 é o motivo da necessidade de um estudo randomizado e controlado. “remdesivir é a primeira droga a ser testada no nosso estudo randomizado. Outras medicações serão testadas após a avaliação do remdesivir”, aponta. O Dr. Kalil ressalta ainda que não existem medicamentos que tenham provado ser efetivos conta o COVID-19 até este momento, 24 de marco de 2020. “Ensaios clínicos randomizados são essenciais pare que se descubram novas terapias contra o COVID-19”. O médico brasileiro admite que a droga experimental tem efeitos colaterais indesejados e que somente deveria ser utilizada em pacientes com risco de morte.

O contra-almirante Richard Childs, cirurgião assistente geral Diretor Clínico no Instituto Nacional do Coração, Pulmão e Sangue, no National Institute of Health (NIH), que serviu como oficial comandante da equipe de oficiais do Serviço de Saúde Pública dos EEUU que foram enviados ao Japão em fevereiro de 2020. Esta equipe auxiliou na administração do remdesivir para sete americanos em situação crítica de saúde e pacientes japoneses diagnosticados com COVID-19 no cruzeiro Diamond Princess, todos hospitalizados no Japão. Os detalhes da eficácia do remdesivir ainda são desconhecidos, já que não há dados suficientes para dizer se ele pode melhorar definitivamente o resultado clínico de um indivíduo adulto com COVID-19. Ainda de acordo com o pesquisador, embora relatos e observações anedóticas em pacientes com COVID-19 que receberam esse medicamento sugerem que ele pode ser eficaz, nós simplesmente não teremos certeza até a conclusão de ensaios clínicos controlados.

“A eficácia do remdesivir ainda é desconhecida, ele pode ou não melhorar o resultado clínico de um indivíduo adulto com COVID-19 em tratamento. Estudos em humanos são necessários para determinar a eficácia do medicamento. No entanto, experimentos laboratoriais pré-clínicos em laboratório e em animais fornecem evidências de que esse medicamento ‘poderia’ ter atividade em humanos infectados com a COVID-19, daí o desejo de testar rapidamente esse medicamento em ensaios clínicos bem projetados. Se o medicamento for comprovadamente eficaz, o objetivo é aprová-lo rapidamente, para que esteja disponível para o maior número possível de pessoas que sofrem com infecções por COVID-19”, enfatiza o Dr. Childs. Dados preliminares usando este agente para uso compassivo em pacientes infectados com COVID-19 até agora demonstraram um bom perfil de segurança, semelhante a estudos anteriores que estabeleceram seu perfil de segurança e toxicidade em voluntários saudáveis e em pacientes com Ebola.

“Na minha opinião, o mundo que está agora lutando com essa pandemia pode aprender muito com uma missão do Serviço de Saúde Pública dos EEUU realizada no Japão. Eram 14 pacientes gravemente enfermos, a maioria americanos idosos do navio de cruzeiro Diamond Princess com pneumonia grave por COVID-19 que foram tratados por nossos irmãos e irmãs japoneses, e foram literalmente retirados do túmulo com seu excelente atendimento, bem coordenado e agressivo. Todos os quatro pacientes que estavam em ECMO (oxigenação extracorpórea por membrana) foram retirados deste suporte de vida e a maioria foi desligada de ventiladores mecânicos. Nenhum dos 14 pacientes morreu e apenas um paciente permanece gravemente doente e está mostrando muito bons sinais de melhora. Esses dados trazem esperança e nos ensinam que cuidados intensos usando equipamentos convencionais em UTIs podem ser muito eficazes para salvar as vidas dos pacientes mais severamente infectados. Enquanto todos aqueles que receberam (uso compassivo) o remdesivir sobreviveram e estavam entre os doentes mais graves, outros que não receberam o medicamento também sobreviveram. Portanto, é impossível dizer com certeza qual foi o papel dessa droga na recuperação de pacientes críticos que receberam esse agente”, reconhece.

Sobre o remdesivir

  • O remdesivir é um agente antiviral experimental que interfere na capacidade de replicação dos vírus RNA.
  • Foi demonstrado que mata uma variedade de tipos diferentes de coronavírus no tubo de ensaio e em animais infectados com diferentes tipos de coronavírus, incluindo SARS-CoV-2 que vem causando a pandemia atual.
  • O remdesivir é um pró-fármaco de nucleotídeo de amplo espectro que inibe a atividade da RNA em um grupo diversificado de vírus de RNA, incluindo filovírus (por exemplo, Ebola, Sudão, Marburgo), paramixovírus (por exemplo, RSV, Nipah, Hendra) e coronavírus patogênicos.
  • Nos modelos de infecção em camundongos, o remdesivir teve eficácia terapêutica contra a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-CoV) e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV) (7,8), que são parentes de coronavírus do atual vírus pandêmico da SARS-CoV-2 causando infecção por COVID-19.
  • Em um recente estudo com primatas não humanos, o tratamento terapêutico com remdesivir, iniciado 12 horas após a inoculação com o coronavírus MERS-CoV, proporcionou benefício clínico com redução dos sinais clínicos, replicação viral reduzida nos pulmões e presença e severidade diminuídas de lesões pulmonares.
  • Esses dados não clínicos in vitro e in vivo sugerem que o remdesivir pode ser útil para o tratamento de COVID-19, contra a qual nenhuma contramedida médica foi aprovada até o momento.
  • Um ECR multicêntrico de placebo versus remdesivir para pacientes infectados com COVID-19 acaba de ser iniciado nos EUA e internacionalmente.
  • O remdesivir também foi disponibilizado a alguns pacientes com infecção grave por COVID-19 por meio de um programa de acesso estendido.
  • Nos estudos da fase I, o remdesivir foi considerado seguro para uma dose de 250 mg/kg/dia. As doses utilizadas no estudo randomizado são muito mais baixas que esta dose.

Efeitos colaterais:

  • Em geral, o perfil de efeitos colaterais é muito bom, sendo a maioria dos efeitos colaterais leves e rapidamente reversíveis ao interromper o medicamento.
  • Os efeitos colaterais mais comuns incluem prisão de ventre, azia, coceira, sensação incomum no ouvido, tontura, perda de apetite, náusea, vômito, tremor de perna e braço, dor de cabeça, diarreia ou dor de estômago.
  • Elevações transitórias e reversíveis nas enzimas hepáticas do sangue também podem ocorrer, de modo que os pacientes precisam monitorá-las ao receber o medicamento.
  • Como o medicamento é eliminado pelos rins, com o aumento da toxicidade em pacientes com disfunção renal, os pacientes não devem ter doença renal grave para receber esse agente (por exemplo, Taxa de filtração glomerular deve ser > 30 ml/min).

A Europa começou testes em milhares de pacientes, incluindo a cloroquina, um medicamento antimalárico. No Brasil, O Ministério da Saúde oficializou, no dia 25 de março, um posicionamento autorizando que médicos usem a cloroquina/hidroxicloroquina para tratar pacientes internados em estado grave com Covid-19. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, alertou para os riscos de efeitos colaterais graves provocados pela droga, um imunomodulador receitado para casos de malária e para algumas doenças autoimunes, como o lúpus. O Ministério vai distribuir 3,4 milhões de unidades da cloroquina, que é produzida no Brasil, entre os hospitais do País. O tratamento deve durar no máximo cinco dias sob supervisão médica, já que não há dados conclusivos quanto à eficácia do medicamento.

O estudo sobre o favipiravir, desenvolvido pela empresa Toyama Chemical, do grupo Fujifilm, foi divulgado em 18 de março. O medicamento, usado há mais de 5 anos contra a Influenza, tem seu uso liberado apenas no Japão, onde é vendido comercialmente com o nome de avigan. Autoridades médicas chinesas anunciaram que o remédio foi eficiente contra a doença e não apresentou efeitos colaterais. Pessoas que estavam com o vírus apresentaram um resultado depois de 4 dias de uso do favipiravir. Pacientes tratados com o medicamento também apresentaram uma melhora nas funções pulmonares. Entretanto o estudo teve uma amostra pequena e não foi randomizado.

O lopinavir e ritonavir foram usados no Brasil nos anos 1980 e 1990 para tratar o HIV. O lopinavir impede a formação da Protease, enzima responsável pela quebra da proteína, enquanto o ritonavir é um remédio complementar, que impede que o lopinavir seja destruído pelo fígado. O estudo randomizado placebo controlado recém publicado não mostrou benefícios com lopinavir-ritonavir.

A Regeneron Pharmaceuticals e a Sanofi anunciaram o início de um ensaio clínico para avaliar o Kevzara (sarilumab) em pacientes hospitalizados gravemente em consequência de infecção do novo coronavírus COVID-19. O estudo avaliará a eficácia da adição do uso do Kevzara nos cuidados de suporte usuais, em comparação com o placebo, em até 400 pacientes em 16 locais nos Estados Unidos. A primeira parte do estudo de duas fases avaliará o impacto do Kevzara na febre e a necessidade de oxigênio suplementar dos pacientes. A segunda parte avaliará a melhoria nos resultados a longo prazo, incluindo a redução da necessidade de ventilação mecânica, oxigênio suplementar, hospitalização e prevenção da morte.

Necessidade urgente de tratamento eficaz

Existe uma necessidade urgente de um tratamento eficaz, mas a OMS tem alertado os países contra tratamentos não testados. Atualmente, não existe tratamento comprovadamente eficaz contra o COVID-19, disse o diretor-geral da OMS, Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, enquanto elogiava a energia aplicada aos tratamentos clínicos. A utilização de medicamentos sem evidências clínicas pode causar mais mal do que bem e ainda levar à escassez de medicamentos necessários para outras doenças.

A OMS lançou um teste internacional (solidarity trial) capaz de gerar evidências robustas e de qualidade. Pequenos estudos aleatórios não nos darão as respostas que precisamos. Quanto mais países se inscreverem no estudo, mais rapidamente obteremos resultados, assinalou o líder da OMS. Lembrou, no entanto, que essas são medidas defensivas, e recomendou uma luta agressiva contra a pandemia que já atinge mais de 300 mil pessoas. “É preciso conscientizar a população para adotar medidas como a quarentena e o isolamento social. Para vencer, precisamos atacar o vírus de maneira agressíva e com táticas direcionadas. Testar todos os suspeitos, isolá-los e cuidar dos contaminados, conclui o diretor-geral.

Esperança para medicamentos e ciência

O Dr. Childs valoriza o fato de existirem muitos cientistas médicos incríveis explorando literalmente dezenas de ângulos diferentes para matar esse vírus, todos que, no papel, parecem que poderiam funcionar. Ele se diz impressionado com a rapidez com que vemos novas abordagens terapêuticas potenciais indo da prancheta para a clínica. O pesquisador alerta que um grande número de cientistas médicos e clínicos estão participando dessa luta, incluindo cientistas e equipes de pesquisa que normalmente não trabalham em doenças infecciosas, mas que têm ideias brilhantes para atingir diferentes partes do coronavírus que podem ser seu calcanhar de Aquiles. “A ciência e a medicina uniram o mundo para combater um inimigo comum de todos os seres humanos. Talvez seja uma ilusão, mas acredito que há esperança de que toda a humanidade esteja mais unificada quando essa batalha terminar”, comemora.

Por fim, o Dr. Childs atenta que no final, o objetivo da maioria desses medicamentos é reduzir a carga viral a um nível que não está mais prejudicando os órgãos para ganhar tempo para o sistema imunológico entrar em ação e erradicar o vírus. Se você puder manter os pacientes com a pneumonia mais grave por coronavírus vivos por tempo suficiente, com medidas de cuidados assistenciais incluindo quando necessário, ventiladores, ou como os japoneses demonstraram com a ECMO, mais cedo ou mais tarde o sistema imunológico descobrirá as coisas e erradicará o vírus.

Ser somente agressivo com cuidados de suporte pode funcionar. Embora atualmente não saibamos quais medicamentos acabarão provando ser benéficos no tratamento dessa doença, cuidados de suporte agressivos podem salvar as vidas dos pacientes mais doentes infectados pelo coronavírus.