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São Paulo registra três mortes por febre amarela em janeiro; Ribeirão Preto confirma epizootias em primatas

Em 2024, o estado registrou dois casos humanos da doença, sendo um autóctone e outro importado. O caso importado evoluiu para óbito

03/02/2025

Doença é causada por vírus transmitido por mosquitos, com dois ciclos de transmissão: urbano e silvestre. No Brasil, predomina o ciclo silvestre, no qual a transmissão ocorre pela picada de mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes

Em janeiro de 2025, o estado de São Paulo registrou sete casos de febre amarela, resultando em três óbitos, segundo a Secretaria de Estado da Saúde. Esse número já supera os dados de 2024, que contabilizaram dois casos e um óbito, além de ultrapassar os registros de 2019, quando foram confirmados 64 casos autóctones (contraídos na própria região) e 12 óbitos em todo o estado. Nenhuma das vítimas havia sido vacinada.

Além disso, nove epizootias em primatas não humanos foram identificadas em Ribeirão Preto, sinalizando a circulação do vírus em ambientes silvestres e o risco para populações não vacinadas. Embora a cidade não tenha registrado casos humanos da doença, três macacos saguis encontrados mortos testaram positivo para o vírus. Diferentemente dos bugios, que habitam áreas de mata, os saguis também circulam em ambientes urbanos, aumentando a preocupação das autoridades.

O médico infectologista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Dr. Rafael Galliez, ressalta a importância da descentralização das ações de atenção primária à saúde para conter a transmissão do vírus. “Diante do retorno da transmissão da febre amarela entre humanos e primatas não humanos em determinadas áreas, é fundamental que essas regiões sejam priorizadas em ações descentralizadas no território. A combinação entre comunicação social eficaz e a atuação capilarizada da atenção primária à saúde (APS) é essencial para a identificação e proteção das populações vulneráveis”, destaca.

Desde o último ciclo epidêmico, o Grupo de Modelagem de Febre Amarela (GRUMFA) desenvolve e implementa estratégias inovadoras para fortalecer a vigilância epidemiológica e ambiental. Um dos principais componentes desse esforço é o Sistema de Informação em Saúde Silvestre (SISS-Geo), que possibilita uma abordagem colaborativa e multiusuário para a notificação de eventos envolvendo animais silvestres. “Além disso, a incorporação de outros grupos de monitoramento da fauna e a ampliação das estratégias de vigilância para diferentes amostras dessas espécies representam frentes promissoras para a detecção precoce da circulação viral e o aprimoramento das ações de prevenção”, explica o pesquisador.

A vacinação continua sendo a medida mais eficaz para reduzir a morbimortalidade da febre amarela. No entanto, estratégias complementares para mitigar a exposição aos vetores silvestres incluem o uso de vestimentas que protejam áreas expostas da pele, a aplicação de repelentes à base de DEET (N, N-dietil m-toluamida) ou icaridina (também chamada de picaridina) e a instalação de telas impregnadas nos domicílios. “Embora essas medidas também contribuam para reduzir o risco de transmissão de outras arboviroses, a vacinação permanece como a estratégia mais eficaz para evitar a doença e suas complicações”, ressalta o professor Galliez.

Desde abril de 2017, o Brasil adota o esquema vacinal de dose única para a febre amarela ao longo da vida, conforme recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Para reduzir o risco de surtos e ampliar a proteção, o Ministério da Saúde expandiu, a partir de 2020, a vacinação para todo o território nacional, incluindo 1.101 municípios do Nordeste que anteriormente não faziam parte da área com recomendação da vacina (ACRV). Essa medida reforça a importância de ampliar a cobertura vacinal, mesmo em regiões previamente consideradas sem risco de transmissão.

A febre amarela é uma doença viral transmitida por mosquitos infectados, sendo os gêneros Haemagogus e Sabethes os principais vetores em ambientes silvestres. Casos urbanos não são registrados no Brasil desde 1942, mas a circulação do vírus em áreas periurbanas exige atenção constante. Diante do cenário o Ministério da Saúde anunciou o envio de 100 mil doses adicionais da vacina contra a febre amarela para São Paulo, após a detecção de macacos infectados no campus da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto.

Até 2017, a maioria dos casos de febre amarela estava concentrada na Região Amazônia e em áreas adjacentes. No entanto, a manutenção da circulação do vírus em outras regiões reforça a necessidade de vigilância contínua e de ampliação da cobertura vacinal. Dados do Programa Nacional de Imunização (PNI) indicam que, apesar de a cobertura vacinal nacional ser considerada satisfatória, ainda há bolsões de populações não vacinadas, sobretudo em regiões periféricas e rurais, que permanecem vulneráveis à doença.

Ameaça aos ecossistemas

Conscientizar a população sobre o papel dos primatas não humanos no ciclo da febre amarela é essencial para protegê-los, especialmente diante de sua vulnerabilidade ambiental. “É imprescindível a implementação de campanhas de comunicação social eficazes, aliadas à integração com comunidades locais, lideranças regionais e instituições educacionais das áreas afetadas. A disseminação de informações científicas acessíveis e de qualidade pode reduzir atos de violência contra esses animais e fortalecer as estratégias de vigilância epidemiológica”, enfatiza o professor Galliez.

Os registros recentes reforçam a necessidade de ações integradas entre saúde e meio ambiente. Organizações não governamentais e instituições de pesquisa têm promovido campanhas educativas para conscientizar a população sobre o papel dos primatas na vigilância da febre amarela. Essas iniciativas incluem atividades comunitárias e a distribuição de materiais informativos em áreas rurais e urbanas. O especialista recomenda o fortalecimento dos sistemas de vigilância e a melhoria na comunicação de riscos para populações vulneráveis. O uso de tecnologias de monitoramento, como drones para localizar epizootias e avaliar áreas de risco, tem se mostrado uma alternativa promissora.

A confirmação dos casos humanos em 2025 e as epizootias em Ribeirão Preto reforçam a importância de ações coordenadas entre autoridades de saúde, pesquisadores e sociedade civil para prevenir a expansão da febre amarela. O alerta destaca a necessidade de manter políticas de imunização e preservação ambiental como pilares fundamentais para a proteção da saúde pública. O infectologista ressalta a importância da coordenação entre os diferentes níveis de atenção à saúde para garantir o tratamento adequado dos pacientes. “Considerando a possibilidade do uso de novas tecnologias no suporte crítico ao doente com febre amarela, que podem modificar o prognóstico, é essencial coordenar a rede de assistência desde a atenção primária, com o intuito de identificar precocemente os casos e encaminhá-los para unidades de referência com capacidade de implementar essas medidas”, conclui o professor Galliez.

Nova abordagem terapêutica reduz mortalidade em casos graves de febre amarela

Um artigo publicado recentemente na revista Tropical Medicine and Infectious Disease, intitulado “Intensive Therapeutic Plasma Exchange—New Approach to Treat and Rescue Patients with Severe Form of Yellow Fever, sugere que a plasmaférese terapêutica intensiva (TPE) pode reduzir significativamente a mortalidade em pacientes com formas graves de febre amarela. O estudo observacional acompanhou 66 pacientes, divididos em três grupos, para comparar diferentes abordagens terapêuticas.

O primeiro grupo (G1) recebeu apenas suporte intensivo padrão, enquanto o segundo (G2) foi submetido ao mesmo suporte, combinado com plasmaférese de alto volume. Já o terceiro grupo (G3) recebeu suporte intensivo aliado à plasmaférese terapêutica intensiva. Os resultados indicaram uma redução expressiva da mortalidade no G3, que registrou uma taxa de óbitos de 14%, em comparação com 82% no G2 e 85% no G1.

Além da redução na mortalidade, os pacientes submetidos à TPE intensiva apresentaram maior frequência de carga viral indetectável para o vírus da febre amarela, sugerindo um impacto direto na eliminação do agente infeccioso. Segundo os pesquisadores, a técnica pode atuar na remoção de mediadores inflamatórios, reduzindo o impacto da resposta imune exacerbada observada nos casos mais graves da doença.

A febre amarela continua sendo uma ameaça global, especialmente em regiões endêmicas. Como não há um tratamento antiviral específico, a adoção de novas estratégias terapêuticas é fundamental para reduzir complicações e óbitos. O estudo reforça a necessidade de mais pesquisas sobre a plasmaférese intensiva e da ampliação do acesso a essa abordagem em centros de referência para tratamento de doenças infecciosas graves.

Esta proposta já foi incorporada ao Guia de Manejo da Febre Amarela do Ministério da Saúde.

Vacinação de primatas pode conter avanço da febre amarela e proteger a saúde humana, aponta estudo

O artigo “A expansão da febre amarela no Brasil e a necessidade de uma política integrada de Uma Só Saúde“, publicado no Le Monde Diplomatique Brasil, analisa a disseminação do vírus da febre amarela no Brasil e os fatores ambientais e climáticos que favoreceram sua reemergência em áreas fora da Amazônia. Assinado pelos pesquisadores Adriano Pinter e Angela Fushita, o texto destaca a importância de uma abordagem integrada entre saúde humana, animal e ambiental para conter surtos e minimizar impactos ecológicos.

A pesquisa aponta que o desmatamento, as mudanças no uso do solo e o aumento das temperaturas médias podem ter tornado regiões da Mata Atlântica mais suscetíveis à circulação do vírus, contribuindo para a morte de milhares de bugios-ruivos e para o aumento de casos graves em humanos entre 2016 e 2020. Como estratégia de contenção, os autores ressaltam que “a imunização de primatas neotropicais com a vacina 17DD, utilizada em humanos, já demonstrou eficiência. Modelos matemáticos indicam que a imunização de parte das populações in situ de bugios-ruivos poderia bloquear a propagação do vírus, promovendo simultaneamente a saúde silvestre e a saúde humana”.

O artigo enfatiza ainda a necessidade de colaboração entre órgãos de Saúde e Meio Ambiente, além da integração de universidades e ONGs, para a implementação de políticas públicas que reconheçam a saúde da fauna silvestre como um componente essencial para a saúde coletiva.

Estudo avalia vacinas contra a febre amarela em micos-leões-da-cara-dourada, espécie ameaçada

Pesquisadores de Bio-Manguinhos/Fiocruz avaliaram a segurança e a imunogenicidade de diferentes vacinas contra a febre amarela em micos-leões-da-cara-dourada (Leontopithecus chrysomelas) no Centro de Primatologia do Rio de Janeiro. O estudo, liderado por Marcos Freire e publicado na revista Vaccine, intitulado “Safety and immunogenicity of different 17DD yellow fever vaccines in golden-headed tamarins (Leontopithecus chrysomelas): Inhibition of viremia and RNAemia after homologous live-attenuated vaccination, foi motivado pelo surto de 2017/2018, que reduziu em 32% a população de micos-leões-dourados em uma área de conservação.

O trabalho comparou três tipos de vacinas: atenuada, inativada e de subunidade. A vacina atenuada conferiu 100% de proteção um ano após a imunização, enquanto a inativada, administrada em três doses, apresentou uma taxa de proteção superior a 83%. Já a vacina de subunidade, com duas doses, alcançou 50% de eficácia. Além disso, testes realizados em animais de vida livre indicaram uma taxa de soroconversão superior a 90%, coincidindo com o aumento da população de micos-leões-dourados para mais de 4.000 indivíduos.

Os resultados também se estenderam aos bugios, nos quais doses fracionadas da vacina humana atenuada mostraram-se eficazes e seguras. O estudo é considerado um marco para futuros ensaios clínicos em humanos, reforçando a importância da vacinação para a proteção de primatas e a conservação ambiental.

Confira o artigo “Safety and immunogenicity of 17DD attenuated yellow fever vaccine in howler monkeys (Alouatta spp.), publicado em 2021.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**