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Sarampo: Casos em São Paulo e nos EUA reforçam importância da imunização

Surtos globais, casos importados e hesitação vacinal ameaçam a certificação brasileira com baixa cobertura vacinal infantil

05/05/2025

A tríplice viral, oferecida gratuitamente pelo SUS, é essencial para manter a eliminação do sarampo no Brasil, diante de surtos globais, casos importados em São Paulo e aumento de infecções nas Américas

Em 17 de abril de 2025, a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo confirmou o primeiro caso de sarampo na capital neste ano. O paciente, um homem de 31 anos, apresentou sintomas leves a partir de 2 de abril, como febre, manchas vermelhas, tosse e coriza. Apesar de imunizado com duas doses da tríplice viral na infância, ele contraiu o vírus, possivelmente durante uma viagem a Jacarezinho, Paraná, onde a origem permanece sob investigação. O quadro, que não exigiu internação, foi controlado com isolamento domiciliar, e a Secretaria realizou bloqueio vacinal na região da residência e no hospital, além de busca ativa de contatos. Nenhum caso secundário foi identificado.

Causado pelo vírus Morbillivirus, o sarampo apresenta alta transmissibilidade por secreções respiratórias ou via aérea. Um infectado pode transmitir a doença a até 90% dos não imunizados em contato próximo, de seis dias antes a quatro dias após o surgimento das manchas características. “O sarampo destaca-se pela existência de uma vacina extremamente eficaz, que previne sintomas, reduz a gravidade e impede a infecção e disseminação do vírus”, explica o infectologista pediátrico Dr. Marco Aurélio Palazzi Sáfadi, professor da Santa Casa de São Paulo e membro da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). O caso de São Paulo exemplifica uma falha vacinal, fenômeno raro em que indivíduos ainda que imunizados desenvolvem a doença, porém com quadros leves, menos associados a risco de complicações e sob exposição intensa. A tríplice viral garante proteção de 93% com uma dose e 97% com duas, mas uma pequena fração de vacinados permanece suscetível. A evolução branda do paciente decorreu da imunização, que evitou complicações graves, como pneumonia e encefalite.

Nos Estados Unidos, o maior surto em uma década revela os riscos da resistência à imunização. Em 17 de abril de 2025, um total de 800 casos confirmados de sarampo foram relatados por 25 jurisdições: Alasca, Arkansas, Califórnia, Colorado, Flórida, Geórgia, Havaí, Indiana, Kansas, Kentucky, Maryland, Michigan, Minnesota, Nova Jersey, Novo México, Nova York, Estado de Nova York, Ohio, Oklahoma, Pensilvânia, Rhode Island, Tennessee, Texas, Vermont e Washington. Um episódio trágico no Texas envolveu uma menina de oito anos, não imunizada por decisão do pai, influenciado por desinformação que associava a vacina a riscos neurológicos, como autismo. Após uma viagem à Alemanha, onde o vírus circula, a criança contraiu a doença e morreu por complicações.

Um estudo publicado em The Lancet Infectious Diseases, intitulado “Measles in Texas: waning vaccination and a stark warning for public health, aponta que 96% dos casos nos EUA em 2025 afetaram indivíduos não imunizados ou com status vacinal desconhecido, reforçando a necessidade de coberturas acima de 95% para proteção coletiva. “Os EUA enfrentam mortes evitáveis em crianças saudáveis devido à desinformação que leva pais a rejeitarem a vacina”, alerta o Dr. Sáfadi. A hesitação vacinal, alimentada por narrativas falsas sobre riscos neurológicos, como autismo, tem impulsionado o ressurgimento da doença, exigindo índices de imunização superiores a 95% para conter surtos.

Nas Américas, a situação é preocupante. Até março de 2025, foram registrados 507 casos, com dois óbitos nos EUA, Canadá, México e Argentina. A situação na Argentina foi atualizada pelo Ministério da Saúde do país em 26 de março. Há um surto de sarampo ativo com 14 casos confirmados: oito de moradores de Buenos Aires e seis de moradores de Florencio Varela, província de Buenos Aires. Do total, três casos são importados, oito são contatos dos importados e três de transmissão comunitária (pois não se confirmou o contato direto com casos confirmados). Em dez dos 14 casos, foi identificado o genótipo B3, e em um caso, com histórico de viagem para Tailândia, o genótipo D8 (9).

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) aponta que 69% dos casos em 2025 ocorreram em pessoas acima de 5 anos, e 63% dos infectados em 2024 não eram vacinados. No Brasil, quatro casos importados foram confirmados em 2025 até abril: dois no Rio de Janeiro, um no Distrito Federal e o primeiro caso na capital paulista. O fluxo de viajantes, intensificado por eventos como o Carnaval, eleva o risco de reintrodução do vírus, especialmente em áreas com baixa cobertura vacinal.

O Brasil eliminou a transmissão endêmica do sarampo em 2016, mas perdeu o status em 2019 devido à circulação impulsionada por coberturas vacinais insuficientes e fluxos migratórios, como da Venezuela. Em 2022, o último caso autóctone foi registrado no Amapá, e, em novembro de 2024, o País recuperou a certificação de eliminação da OPAS, após demonstrar que não houve transmissão do vírus do sarampo durante pelo menos um ano, além de ter fortalecido o seu programa de vacinação de rotina, a vigilância epidemiológica e a resposta rápida a casos importados. Contudo, casos importados em 2024 no Rio Grande do Sul (genótipo B3, origem Paquistão), Minas Gerais e São Paulo (genótipo D8, origens Inglaterra e Itália) evidenciam a vulnerabilidade. “Em 2023, a cobertura da primeira dose da tríplice viral atingiu 87%, e a segunda, apenas 66%. Em 2024, superamos 95% na primeira dose, mas a segunda ficou em 77%”, detalha o Dr. Sáfadi. Ele enfatiza a relevância da segunda dose: “A primeira dose não protege todos. A segunda reduz significativamente os suscetíveis, embora nenhuma vacina alcance 100% de eficácia”, complementa. Entre 2018 e 2022, o Brasil acumulou cerca de 40 mil casos e 40 mortes, majoritariamente em crianças, com uma letalidade de uma morte por mil casos, conforme dados históricos.

O sarampo permanece uma ameaça global. Em 2023, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reportou 10,3 milhões de casos, um aumento de 20% em relação a 2022, com 107.500 mortes, sobretudo em crianças com menos de cinco anos não imunizadas. Em 2024, a Região Europeia relatou o maior número de casos de sarampo em mais de 25 anos. De acordo com uma análise da OMS e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), houve 127.350 casos, o dobro do número relatado em 2023 e o maior número desde 1997. Crianças com menos de 5 anos representaram mais de 40% das notificações na Região – que abrange 53 países da Europa e da Ásia Central. Mais da metade dos casos exigiram hospitalização. Um total de 38 mortes foram relatadas, com base em dados preliminares recebidos até 6 de março de 2025. A Romênia registrou o maior número na região europeia, com 30.692 casos, seguida pelo Cazaquistão, com 28.147. A interrupção de campanhas durante a pandemia de Covid-19 agravou o quadro, com 61 milhões de doses de vacinas contra sarampo adiadas ou não aplicadas entre 2020 e 2022, deixando 22 milhões de crianças sem a primeira dose em 2023. Na África, que respondeu por quase metade dos surtos globais em 2023, sistemas de saúde frágeis e conflitos dificultam a imunização, segundo a OMS e o UNICEF.

No Brasil, a resistência à imunização, alimentada por desinformação nas redes sociais, representa um obstáculo. Estudos, como os do Instituto de Medicina da Academia Nacional dos EUA, desmentem qualquer vínculo entre a tríplice viral e autismo, mas narrativas falsas persistem. O caso da menina no Texas, em que a pai, influenciado por desinformação, perdeu a filha para o sarampo, ilustra o impacto de escolhas individuais. Após o episódio, ele disse não se arrepender e se daqui em diante, tiver outros filhos, eles não serão vacinados de jeito nenhum, mas o caso reflete consequências coletivas. O controle de doenças como sarampo, rubéola, poliomielite e meningites reduziu a percepção de risco entre pais jovens, amplificando a hesitação diante de narrativas falsas. No Brasil, a pandemia reduziu a cobertura em estados como Amazonas e Pará, epicentros dos surtos de 2018-2019, com 20.901 casos. Em 2024, a OPAS registrou 389 casos nas Américas, todos importados ou relacionados, controlados por vigilância robusta. Contudo, a circulação global, especialmente no Mediterrâneo Oriental, mantém o risco de novas introduções. “As vacinas sofrem pelo próprio êxito”, observa o Dr. Sáfadi ao dizer que pais jovens, sem experiência direta com essas doenças, hesitam diante de desinformação. “Informações baseadas em evidências são essenciais”, frisa.

Ainda segundo o pediatra, a imunidade coletiva é fundamental para erradicar o sarampo. “Com 95% da população imunizada, cria-se uma barreira que impede a reintrodução do vírus em países que eliminaram a doença”, assinala. Ele destaca os grupos mais vulneráveis: “Crianças no primeiro ano de vida e indivíduos imunossuprimidos, como aqueles em tratamento com medicamentos ou com doenças que comprometem a imunidade, enfrentam maior risco de hospitalização e sequelas”, acrescenta. O sarampo também provoca amnésia imunológica, um fenômeno que fragiliza temporariamente o sistema imune, aumentando a suscetibilidade a outras infecções. Para proteger bebês, o Brasil adotou, entre 2018 e 2022, uma dose extra da vacina aos seis meses, além das doses regulares aos 12 e 15 meses. “Essas mortes, majoritariamente em bebês saudáveis, poderiam ter sido evitadas com alta cobertura”, atenta o Dr. Sáfadi.

Nos EUA, surtos de sarampo em 2024 foram ligados a comunidades com baixa imunização, com modelagens indicando alta suscetibilidade devido a coberturas vacinais abaixo de 95%, necessárias para a imunidade coletiva. No Brasil, casos de bebês infectados antes da idade mínima, como dois gêmeos no Rio de Janeiro em 2025, e uma mulher de 30 a 39 anos no Distrito Federal, infectada em viagem internacional em 2025, evidenciam falhas na proteção coletiva. Um estudo soroepidemiológico em Belém, de 2020, revelou que apenas 31,3% dos participantes possuíam carteira de vacinação, embora 72,7% afirmassem estar imunizados, indicando problemas de adesão e registro. Medidas preventivas, como higienização frequente, evitar compartilhar objetos, não tocar boca ou olhos e manter ambientes ventilados, são recomendadas, especialmente em períodos de grande circulação, como o Carnaval. A tríplice viral está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) para indivíduos de 12 meses a 59 anos, com doses aos 12 e 15 meses para crianças e esquemas ajustados para adultos.

A rápida contenção do caso em São Paulo demonstra a eficácia da vigilância brasileira, mas expõe a dependência de altas coberturas vacinais. “Com uma vacina segura e efetiva, e melhorias recentes, podemos alcançar segurança contra a reintrodução do vírus, desde que combatamos a desinformação e fortaleçamos a vigilância. Educação em saúde e ampliação da imunização são essenciais para proteger comunidades contra uma doença evitável que desafia a saúde pública global”, conclui o Dr. Sáfadi.