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Seca histórica: abafada calamidade pública no coração da Amazônia

Seca no Amazonas afeta mais de 630 mil pessoas, das 62 cidades do estado, 59 estão em situação de emergência

09/11/2023

A expectativa é de que a seca deste ano possa ser a maior já registrada na região causando prejuízos ainda imprevisíveis.

As imagens são chocantes. Rios icônicos que outrora fluíam poderosos e majestosos agora revelam suas vísceras arenosas, botos-cor-de-rosa e peixes cozinhando em seu habitat natural em razão das altas temperaturas. Comunidades ribeirinhas, que dependem das vias fluviais para sua sobrevivência, encontram-se angustiadas pelo desabastecimento, enquanto o céu amazônico envolto em névoa de fumaça que tudo esconde vai deixando o cheiro das queimadas se dissipando pelo ar. Esta é a realidade que ecoa sobre os riscos de colapso da maior floresta tropical do planeta. De acordo com o boletim divulgado pela Defesa Civil do Estado do Amazonas no dia 22 de outubro, das 62 cidades, 59 estão em situação de emergência em decorrência da estiagem. A expectativa é de que a seca deste ano possa ser a maior já registrada na região causando prejuízos ainda imprevisíveis.

A combinação do fenômeno El Niño com as mudanças climáticas antropogênicas tem desempenhado um papel significativo na intensificação desse evento climático extremo, que tem tornado a região mais propensa a períodos de seca. Diante da severa estiagem que se propaga no Amazonas, há o acúmulo de fumaça relacionadas a incêndios florestais, o que impacta na saúde respiratória da população, já que a qualidade do ar pode ficar comprometida.

A Dra Tatyana Amorim, diretora-presidente da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas – Drª Rosemary Costa Pinto (FVS-RCP), explica que a curto e longo prazo, as estiagens figuram entre os desastres naturais que mais danos ocasionam à saúde pública, em função dos impactos no abastecimento de água para consumo humano e das queimadas e incêndios florestais, o que pode levar ao aumento de doenças e agravos, como as doenças gastrointestinais, de transmissão hídrica e alimentar, infecciosas e parasitárias, desidratação, desnutrição aguda, além de doenças respiratórias relacionadas à baixa umidade atmosférica, além do calor, poeira e fumaças decorrentes não só dos incêndios florestais, mas também de queimadas.

“Além disso, a quantidade de partículas de fumaça liberadas durante um incêndio pode ser muito alta. Sem chuva, essas partículas podem permanecer em suspensão por mais tempo, facilitando a dispersão e impactando nas doenças respiratórias da população do Amazonas, como rinite alérgica e asma, por exemplo; além de infecções respiratórias agudas (bronquite, sinusite e pneumonia); doenças infecciosas fúngicas (micoses) e reações alérgicas”, ressalta.

Doenças de veiculação hídrica: um pesadelo emergente

A grave estiagem que atinge a Amazônia, especialmente a chamada Amazônia Ocidental, composta pelos estados do Amazonas, Rondônia, Acre e Roraima afeta não apenas o sustento, mas também a saúde da população. O baixo volume dos rios afeta o abastecimento e a escassez de água potável tornou-se uma realidade cruel. Com a estiagem das chuvas e a vazante dos rios, há impacto por falta de acesso à água potável e própria para consumo humano. A água não potável também pode contaminar alimentos, favorecendo doenças infecciosas de transmissão hídrica e alimentar, como Doenças Diarreicas Agudas, cólera, e hepatites A e E, além de gastroenterites e parasitoses, que são as verminoses.

O Amazonas é um estado que é entrecortado por floresta imensa e rios, sendo a via fluvial a principal forma de se locomover entre os 62 municípios. Com a estiagem climatológica (redução de chuvas) associada à estiagem hidrológica (diminuição da vazante dos rios), os municípios enfrentam dificuldades no transporte fluvial. A queda da vazante dos rios é tão importante, em algumas regiões, que chega a deixar isoladas comunidades ribeirinhas na zona rural dos municípios. De acordo com a Dra. Amorim, esse é um dos principais desafios no monitoramento e vigilância epidemiológica durante o enfrentamento da estiagem, já que as ações de prevenção à saúde, como a distribuição de frascos de hipoclorito de sódio, que é realizada pelas Secretarias Municipais de Saúde (Semsa) para desinfecção de água para consumo humano; assim como ajudas humanitárias, podem levar mais tempo até chegar às comunidades mais isoladas.

Questionada sobre as estratégias de prevenção e adaptação que estão sendo implementadas para o enfrentamento de doenças relacionadas à estiagem, a Dra. Amorim afirma que as Semsa dos 62 municípios do Amazonas estão sendo alertadas para intensificação de ações de saúde, desde agosto. “As orientações para que sejam reforçados a prevenção e o monitoramento de doenças relacionadas à estiagem constam em notas informativas. O alerta também é para o uso de água adequada para consumo humano afim de evitar doenças de veiculação hídrica e alimentar”, aponta. Este ano, a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas distribuiu mais de 3,9 milhões de frascos de hipoclorito de sódio a 2,5%, usado na desinfecção da água.

Além disso, a FVS-RCP dispõe, ainda, de monitoramento para fortalecer as ações de Vigilância em Saúde relacionadas à estiagem, cumprindo um cronograma de visitas técnicas de suporte a municípios atingidos no interior do estado. Durante as visitas, os profissionais realizam atividades de apoio de vigilância em saúde, nas áreas de vigilância ambiental, epidemiológica, sanitária e laboratorial, além de reforçar a assistência em saúde municipais. “Nessa ação, em especial, o Amazonas conta com suporte do Ministério da Saúde e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)”, diz. Outra estratégia é a oferta de curso gratuito e virtual de Vigilância Epidemiológica de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA). A iniciativa é destinada a profissionais de saúde do Amazonas e funciona como ferramenta para fortalecer a resposta rápida nos municípios.

No final de setembro, o Governo do Amazonas instituiu o Comitê Intersetorial de Enfrentamento à Situação de Emergência Ambiental para coordenar as atividades dos órgãos participantes nas ações de prevenção, preparação, mitigação e resposta ao desastre da estiagem. A atuação está voltada para a preservação de vidas; diminuição ou imitação dos impactos dos desastres; preservação do meio ambiente e dos sistemas coletivos; fomento da economia nos municípios atingidos; restabelecimento da normalidade social; e a prevenção para evitar ou minimizar a ocorrência de desastres. O comitê também tem a missão de reorganizar o setor produtivo e promover a reestruturação econômica das áreas atingidas; e estabelecer medidas preventivas de segurança contra desastres em escolas e hospitais situações em áreas de risco.

Escassez de água na terra dos rios é um chamado à ação

Há mais de 30 anos, cientistas brasileiros e estrangeiros alertam para o risco de que o avanço do desmatamento e as mudanças climáticas poderiam afetar a dinâmica da floresta Amazônica até o ponto em que ela não conseguiria mais se regenerar. No lugar da maravilha natural, uma vegetação empobrecida do tipo savana se ergueria. A morte em massa das enormes árvores se transformaria em uma verdadeira bomba de emissões de carbono, o que agravaria o aquecimento global. A seca é uma realidade amarga mas, ao mesmo tempo, é um grito de socorro da floresta e um lembrete de que são necessárias ações para preservar esse tesouro inestimável. A Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, enfrenta uma crise que deve ser encarada de frente, pois sua sobrevivência está ligada a de todos nós e o poder de preservar ou destruir reside em nossas mãos. A esperança permanece no respeito, no comprometimento e na lembrança de que a natureza é vulnerável.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**