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Distanciamento social: está na hora de parar?

Estudo projeta distanciamento social prolongado ou intermitente até 2022

09/05/2020
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Medidas podem ser aplicadas de maneira intermitente, de acordo com taxa de contágio da Covid-19. Pela projeção, as autoridades de saúde devem monitorar a transmissão do vírus até 2024

O combate ao novo coronavírus pode exigir um período maior de isolamento das pessoas. É o que revela o estudo Projecting the transmission dynamics of SARS-CoV-2 through the postpandemic period publicado na revista Science. Os pesquisadores norte-americanos estimam que, para conseguir manter o controle do novo coronavírus, talvez seja necessário que a população continue as medidas de distanciamento social, ainda que de forma intermitente, até 2022, isso se não houver nenhuma forma de prevenção, como uma vacina, disponível nos próximos meses. De acordo com os cientistas de Harvard há duas possibilidades para reduzir a duração da pandemia e das medidas de distanciamento social: aumentar a capacidade do sistema de saúde e introduzir um tratamento que corte pela metade a proporção de infectados que necessitem internação. A dinâmica de transmissão pandêmica e pós-pandêmica do SARS-CoV-2 dependerá de fatores como o grau de variação sazonal na transmissão, a duração da imunidade e o grau de imunidade cruzada entre o SARS-CoV-2 e outros coronavírus, bem como a intensidade e o momento das medidas de controle.

Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard avaliaram uma série de cenários de como o vírus poderia se espalhar pelos próximos cinco anos. Essas estimativas levaram em consideração algumas variáveis. Por exemplo: se a pessoa recuperada da doença desenvolve, ou não, uma imunidade de curto ou de longo prazo, dúvida que ainda persiste entre os especialistas.

Um dos autores da pesquisa, o Dr. Marc Lipsitch, reconhece que o distanciamento prolongado, provavelmente terá consequências econômicas, sociais e educacionais profundamente negativas. “Entretanto, o dano no sistema de saúde que está previsto caso o distanciamento não tenha não seja realizado por tempo suficiente será catastrófico”, ressalta. Ainda de acordo com ele, estudos sorológicos longitudinais são urgentemente necessários para determinar a extensão e a duração da imunidade à SARS-CoV-2. “Mesmo no caso de eliminação aparente, a vigilância de SARS-CoV-2 deve ser mantida, pois um ressurgimento do contágio pode ser possível até 2024”, complementa. O pesquisador salienta ainda que foram utilizadas estimativas de sazonalidade, imunidade e imunidade cruzada para betacoronavírus OC43 e HKU1, a partir de dados de séries temporais dos Estados Unidos, para formar um modelo de transmissão do SARS-CoV-2. “Projetamos que surtos recorrentes devem acontecer no inverno que, provavelmente, ocorrerão após a onda pandêmica inicial mais grave”, adverte o Dr. Lipsitch.

Também autor da pesquisa, o Dr. Yonatan H. Grad, explica que para a realização do estudo foram analisados dados do espalhamento de outros tipos de coronavírus que circulam pelos Estados Unidos há anos e causam apenas resfriados comuns. “Estudamos as características de imunidade e sazonalidade desses vírus, ou seja, quando há maior contágio durante o ano e descobrimos que ele pode circular em qualquer momento. Porém, pelos cenários observados pelo nosso grupo, o contágio pode ter picos mais ou menos agudos a depender da estação e das características locais”, assinala. Ainda segundo ele, os pouco mais de três meses desde o início da doença ainda são insuficientes para concluir se a infecção pelo novo coronavírus confere imunidade permanente ou não à Covid-19. “Caso a imunidade seja permanente, o vírus pode desaparecer após cinco ou mais anos depois de causar uma epidemia de grande porte. Se não for, é provável que o novo coronavírus entre em circulação regular com surtos de tempos em tempos, como ocorre com alguns causadores da gripe”, aponta ao observar que ainda há a possibilidade de infecção por outros tipos de coronavírus conferir algum grau de imunidade cruzada para a Covid-19.

O Dr. Lipsitch lembra que o objetivo da modelagem é identificar trajetórias prováveis da epidemia sob abordagens alternativas, identificar intervenções complementares, como expandir a capacidade das Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) e identificar tratamentos para reduzir a demanda na UTI, bem como estimular ideias inovadoras para expandir a lista de opções para colocar a pandemia sob controle a longo prazo. Nosso modelo apresenta uma variedade de cenários destinados a antecipar possíveis dinâmicas de transmissão de SARS-CoV-2 sob premissas específicas. Não assumimos posição sobre a conveniência desses cenários, dado o ônus econômico que o distanciamento sustentado pode impor, mas observamos o ônus potencialmente catastrófico para o sistema de saúde previsto se o distanciamento for pouco eficaz e / ou não for sustentado por tempo suficiente, conclui.

Sobre o distanciamento social, o Dr. Babak Javid, professor na Faculdade de Medicina na Universidade de Tsinghua, em Pequim, e Consultor de Doenças Infecciosas no Hospital da Universidade de Cambridge, fala que precisamos pensar cuidadosamente em facilitar o lockdown. Ele enfatiza que há enormes consequências econômicas e que as disparidades econômicas levam a disparidades na saúde. “No entanto, isso não significa que precisamos abandonar todo o distanciamento social. Acredito que no próximo ano veremos uma abordagem em fases e vai depender muito do contexto. As áreas urbanas lotadas terão um risco muito maior do que as áreas rurais”, comenta.

Combater a covid-19: os custos valem os benefícios?

Para o Dr. John Appleby, Diretor de Pesquisa e Economista Chefe do Nuffield Trust, Londres, Reino Unido, professor no City Health Economics Centre, City University e no Institute of Global Health Innovation no Imperial College, a resposta é curta: sim. Porém, segundo ele, esse cálculo vai ficar progressivamente mais difícil à medida que o lockdown e outras medidas perdurem. “Por enquanto, o impacto de ‘não fazer nada’ contra o covid-19 tem sido imenso em termos de perdas de vida. Contudo, como podemos ver, muitos países estão gradualmente explorando formas de lentamente relaxar as medidas de lockdown ao passo em que começam a se ver em vias de reduzir novos casos e mortes pelo covid-19. Esse será um processo gradual e cauteloso”, atenta.

Recentemente as autoridades europeias divulgaram um “roteiro” para eliminar gradualmente as medidas de contenção de coronavírus e também alertaram que sair do lockdown vai demorar muito e exigirá muita cooperação. A presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, advertiu que o fracasso dos países em trabalharem juntos em suas estratégias de saída pode levar a uma perigosa segunda onda de covid-19. O caminho de volta à normalidade será muito longo, diz o roteiro, avisando que máscaras, luvas, testes e aplicativos para rastrear os movimentos das pessoas se tornarão rotineiros e que uma recuperação econômica completa provavelmente terá que esperar até que a vacina seja encontrada:aprovada.

O Dr. Appleby concorda que abandonar o lockdown vai ser um processo mais prolongado do que as pessoas podem imaginar. “Não será simplesmente como ‘desligar um interruptor’, até porque suspeito que as pessoas imponham seus próprios lockdowns até se sentirem realmente seguras, o que pode acontecer apenas diante de uma vacina eficaz”, salienta. Questionado se é a hora de acabar com o distanciamento social, o professor lembra que as opiniões clínicas e epidemiológicas relatam que o distanciamento social ainda é totalmente necessário. Para ele, mesmo onde os governos começaram a relaxar o lockdown e medidas de distanciamento social (Ex. Wuhan e Berlim) parece que muitas pessoas ainda continuam com decisões individuais de não ir ao trabalho ou frequentar ambientes com muitas pessoas por conta de preocupações com a saúde.

Por fim, o Dr. Appleby reflete sobre a importância da assistência social e os subsídios futuros à saúde e à assistência social. “Abrigos de idosos foram particularmente atingidos pelo covid-19 e acho que isso aumentou a preocupação da população do quanto se investe em assistência social. Acredito que o público também se questiona quanto investe no National Health System (NHS), o sistema público de saúde do Reino Unido, e que haverá maior interesse público de ampliar os investimentos em saúde pública no futuro”, encerra.

Máscaras estão se tornando obrigatórias em quase todo o mundo

A maioria de nós provavelmente deve se perguntar sobre a proteção de uma máscara, especialmente feitas de tecido; será que ela pode nos proteger do Covid-19. O Dr. Appleby esclarece que a evidência sobre a sua eficácia é um pouco controversa. “Mas são baratas, então talvez seja o caso de ‘prevenir para não remediar’, justifica. Entretanto, a noção de ‘proteção pessoal’ perde a principal razão quando os pedidos para o aumento do uso ganharam impulso em todo o mundo.

O Dr. Babak Javid é categórico ao afirmar que as pessoas deve sim usar máscaras. “Sabemos que o Covid é transmitido por gotículas da boca e do nariz. Também sabemos que cerca de metade das transmissões ocorre antes que alguém saiba que foi infectado. Sabemos que as máscaras faciais podem bloquear a maioria (60-90%) de gotículas e vírus infecciosos. Faz sentido que todos usem máscaras”, argumenta. O cientista esclarece que os principais benefícios do uso de máscara são para as outras pessoas, ou seja, sua máscara me protege, minha máscara protege você. “Portanto, para causar impacto, a maioria das pessoas (> 50%) precisa usá-las. Dessa maneira, a transmissão geral de vírus pode ser reduzida”, admite. Ainda segundo o Dr. Javid, o principal benefício será em ambientes, por exemplo, dentro de casa e em transporte público, onde o distanciamento físico não é possível.

Contudo, o grande risco da recomendação do uso pela população em geral, mesmo por quem não apresenta sintomas de infecção, está na falsa sensação de segurança. Segundo o professor essa é uma objeção comum, mas não há evidências para apoiá-la. “Em Hong Kong, a população (> 97%) usa máscaras há três meses e nada disso aconteceu. Na República Tcheca, as máscaras são obrigatórias há mais de seis semanas e, novamente, nenhuma evidência de risco. Se esses riscos fossem reais, veríamos relatórios de aumento de eventos de transmissão nesses países, mas, de fato, vemos o oposto: uma redução consistente na transmissão”, descreve o Dr. Javid ao acrescentar que as máscaras seriam adicionais a outras medidas. “Não vemos pessoas correndo riscos porque lavaram as mãos, não é?”, compara. E se o uso de máscara fizer com que as pessoas comecem a sair mais, a interagir, a reduzir sua distância de outras pessoas, isso pode anular os possíveis benefícios do uso e aumentar o risco de transmissão? Na visão do Dr. Javid esse argumento não condiz. “Não estou dizendo que devemos abandonar outras medidas, mas a realidade é que, às vezes, interações íntimas são inevitáveis e não podem ser evitadas. É lógico que isso seria mais seguro se ambas as partes usassem máscaras”, detalha.

Máscaras como barreira

De acordo com o professor Javid, existem evidências científicas muito robustas de que as máscaras bloqueiam a transmissão de gotículas contagiosas em pelo menos 70%, independentemente de serem de pano ou máscara médica. Entretanto, segundo ele, o que falta são evidências de estudo controlado randomizado para o uso de máscaras pela população contra o Covid. “Mas esse tipo de evidência falta para lavagem das mãos, distanciamento físico e lockdowns também”, constata. O professor relata que existem alguns ensaios de uso de máscara para prevenir a gripe, e eles não mostraram benefícios para as máscaras em geral, mas também não mostraram benefícios para lavar as mãos. Ainda segundo ele, é importante ressaltar que nesses estudos a maioria das pessoas não usava máscaras porque não tinha medo de pegar gripe. O professor frisa que Covid é uma situação bastante diferente. Por fim, o Dr. Javid reitera que para causar um grande impacto, o uso de mascaras deve ser feito pela maioria: da população, pelo menos 50%, e, idealmente, mais que 70%. “Usar máscara para a Covid é um ato de altruísmo, precisamos pensar que estamos protegendo os outros e como podemos ajudar nesse sentido”, exclama.

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