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Surto ocorrido em Bihar provavelmente foi encefalopatia e não encefalite, revela Dr. Dhole, da Índia

Na Índia, surtos de doenças neurológicas agudas com alta mortalidade entre crianças ocorrem anualmente em Muzaffarpur, a maior região de cultivo de lichias do país

09/08/2019
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Investigação anterior apontava uma combinação de fatores, em especial, alterações metabólicas relacionadas ao consumo de grande quantidade de lichia por crianças desnutridas, em prolongado jejum, sem cuidados médicos adequados nos episódios

Em junho deste ano, um surto atingiu a cidade indiana de Muzaffarpur, no estado de Bihar (Índia), causando a morte de quase 200 crianças, a maioria de famílias rurais pobres. Na Índia, surtos de doenças neurológicas agudas com alta mortalidade entre crianças ocorrem anualmente em Muzaffarpur, a maior região de cultivo de lichias do país. Bihar, um dos estados mais pobres da Índia, é habitualmente uma das regiões mais atingidas pelas epidemias. Em 2011, a encefalite causou a morte de 320 crianças em diferentes estados do norte do país. Já em junho de 2014, quase 100 crianças morreram em um surto da doença na região.

Para saber mais sobre o assunto, a Assessoria de Comunicação da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), entrevistou o Dr. Tapan N. Dhole, do Departamento de Microbiologia, Sanjay Gandhi Post Graduate Institute of Medical Sciences, Lucknow, Índia.

Confira abaixo a entrevista na íntegra.

SBMT: A Síndrome de Encefalite Aguda (AES) foi inicialmente associada ao Vírus da Encefalite Japonesa (JEV) na década de 70. Posteriormente, foram descritas outras etiologias, especialmente virais. Fale sobre o JEV na recente epidemia que ocorreu no estado Bihar (Índia).

Dr. Tapan N. Dhole: O recente surto que ocorreu no estado de Bihar é principalmente encefalopatia ao invés de encefalite.

A encefalopatia ocorreu devido à incapacidade do fígado de funcionar adequadamente, onde grandes quantidades de amônia são geradas, fazendo com que o cérebro coloque o paciente em uma condição súbita de comatose. Na encefalite, se causada por uma infecção viral, haverá febre.

Aqui não há febre. Então, não há infecção. Essa encefalopatia produz hipoglicemia constante porque a via do fígado é danificada.

SBMT: O senhor acredita que toxinas da lichia podem estar associadas ao surto? Por quê?

Dr. Tapan N. Dhole: O dono da plantação de lichia usou principalmente algum inseticida e pesticida para proteger as lichias de insetos e formigas. Provavelmente, esses inseticidas ou pesticidas são tóxicos para as crianças que se movimentam na plantação.  O pesticida ou inseticida pode metabolizar através do fígado, que por sua vez produz encefalopatia e morte instantânea dentro de algumas horas. O fato é que as crianças que nunca comeram lichia também sofreram o mesmo ataque; mas assim que as chuvas lavam as plantações, todas as coisas vão desaparecer. Assim, indica que algum pó tóxico que contamine o solo pode ser responsável.

SBMT: Em sua opinião, outros agentes etiológicos podem estar envolvidos? Quais?

Dr. Tapan N. Dhole: Algumas das crianças que não estão perto de plantações de lichia sofreram o mesmo ataque clínico.

SBMT: Em 2017 foi detectada em Angola a primeira transmissão local de encefalite japonesa. É possível o vírus estar circulando por outros países?

Dr. Tapan N. Dhole: Em 2012 provavelmente, o mesmo tipo de transmissão ocorreu com a pólio em Angola, onde as mesmas cepas indianas de pólio foram detectadas em 48 adultos. Portanto, é possível que o VEJ tenha sido transportado da Índia para Angola, caso houvesse porcos e mosquitos naquele país. Há muitos indianos que vão para Angola pela indústria da cana-de-açúcar.

SBMT: Alterações climáticas, globalização e aumento dos níveis de movimento da população podem fornecer oportunidades para agentes patogênicos expandirem a sua área geográfica. O senhor acha possível que o vírus chegue ao Brasil? Por quê? Se sim, quando?

Dr. Tapan N. Dhole: Sim, as migrações – especialmente da classe trabalhadora – envolve na transmissão de doenças, por meio das quais seria possível chegar ao Brasil se houvesse clima favorável e dinâmica de transmissão.

SBMT: O mundo estaria preparado para lidar com um surto/ epidemia de encefalite japonesa? Por quê?

Dr. Tapan N. Dhole: O mundo ainda não viu o surto de doenças virais, mas eu vi um surto grave de VEJ em 2005, no surto de Gorakhpur e de Polio em Lucknow, 1992.

SBMT: Além de melhorar o sistema de vigilância, aumentar a consciencialização entre profissionais de saúde e população para potenciais riscos, adotar estratégias de controle inovadoras, o que mais se faz necessário para evitar um surto?

Dr. Tapan N. Dhole: As pessoas não estão preparadas para esses tipos de problemas, como um surto, e elas sempre subestimam a carga porque as ferramentas e técnicas adequadas não estão em vigor.

SBMT: Arboviroses como chikungunya, dengue, encefalite japonesa e de Saint Louis, vírus do Oeste do Nilo e da febre amarela, podem provocar reações cruzadas. Então como é possível detectar a encefalite japonesa especificamente?

Dr. Tapan N. Dhole: Todos os Arbovírus têm reatividade cruzada ao nível do anticorpo, mas não há reatividade cruzada no nível do genoma, como PCR e seqüência, mas estes exames são caros.

SBMT: O senhor poderia nos contar sobre o seu trabalho e as pesquisas que estão sendo conduzidas pela sua equipe relacionadas ao JEV, a exemplo de Increased serum microRNA-29b expression and bad recovery in Japanese encephalitis virus infected patients; A new component to improve the disease recovery?

Dr. Tapan N. Dhole: Em nosso artigo de micro RNA, descobrimos que mi R 146a pode servir como um marcador para as doenças. Mas o mi R29b foi descrito como sendo significativamente alterado em pacientes com recuperação de EJ com sequelas neurológicas, portanto, pode servir como um componente para melhorar a recuperação da doença.