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Terras Indígenas na Amazônia reduzem transmissão de doenças

Territórios Indígenas com mais de 45% de cobertura florestal reduzem a incidência de doenças respiratórias e vetoriais na Amazônia

11/10/2025

As Terras Indígenas funcionam como um “escudo invisível”, beneficiando não apenas as aldeias, mas também municípios vizinhos e regiões adjacentes, reforçando a importância da preservação e da regularização fundiária

Na bacia amazônica, onde florestas, rios e comunidades coexistem, queimadas e vetores de doenças moldam há décadas a vida das populações locais. Médicos e pesquisadores registram picos de malária durante as estações chuvosas, enquanto partículas finas de fumaça agravam os quadros respiratórios em vilarejos remotos. Um estudo recente, intitulado “Indigenous Territories can safeguard human health depending on the landscape structure and legal status, publicado na Nature, analisou como as Terras Indígenas (TI) influenciam essa dinâmica. Os autores avaliaram dados de saúde de oito países amazônicos (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Suriname, Venezuela e Guiana Francesa) e concluíram que territórios preservados e legalmente reconhecidos reduzem a incidência de 21 doenças, incluindo malária, leishmaniose cutânea, doença de Chagas, hantavirose, rickettsioses e leishmaniose visceral.

Entre 2001 e 2019, sistemas de vigilância em saúde reportaram mais de 28 milhões de casos relacionados a queimadas ou a patógenos transmitidos por vetores e animais. Destes, 80,3% estavam associados às emissões de fumaça e partículas finas (PM2,5), que provocam doenças respiratórias e cardiovasculares. O restante correspondeu a zoonoses e infecções vetoriais, lideradas pela malária (92,62% dos casos), seguida por leishmaniose cutânea (5,57%), doença de Chagas (1,60%) e leishmaniose visceral (0,12%). Venezuela, Suriname e Peru registraram as taxas mais altas por 100 mil habitantes, enquanto o Brasil concentrou a maior extensão de áreas queimadas (372.281 km²), seguido pela Bolívia (121.189 km²). A maioria dos incêndios ocorreu fora das TI (88,7%), com apenas 11,3% dentro delas, sendo 7,5% em territórios reconhecidos e 3,7% em não reconhecidos. O Brasil também apresentou os maiores níveis acumulados de PM2,5 (45 tons/ano/m³), embora houvesse variação entre os países devido a fatores climáticos e geográficos.

Os pesquisadores, liderados pela Dra. Júlia Barreto, da Universidade de São Paulo (USP), aplicaram modelos aditivos generalizados (GAMs) para mapear essas relações, incorporando variáveis como proporção de territórios indígenas, cobertura florestal, métricas de fragmentação e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Os resultados mostraram padrões não lineares. “As TI reduzem doenças ligadas a queimadas quando a cobertura florestal supera 45% e a fragmentação é baixa, mas podem aumentar casos em áreas com cobertura intermediária e alta densidade de borda. Para zoonoses, o efeito protetor das Terras Indígenas se manifesta quando ocupam uma parcela significativa do município e a floresta é relativamente contínua, ou seja, com baixa fragmentação. Florestas mais contínuas reduzem os pontos de contato entre humanos, animais e vetores de doenças, diminuindo os riscos à saúde”, explicou a pesquisadora.

Ainda segundo a Dra. Barreto, a continuidade das Terras Indígenas reverte os impactos das queimadas e promove saúde coletiva. Ela lembra que as partículas PM2,5 podem percorrer até 500 quilômetros, afetando inclusive populações urbanas. “A fragmentação florestal aumenta o contato entre humanos, animais e insetos, elevando o risco de novas zoonoses. Preservar ecossistemas e reconhecer Terras Indígenas pode contribuir para reduzir esse risco e ajudar a prevenir futuras pandemias”, acrescentou. Para ela, as TI funcionam como um “escudo invisível”, beneficiando não apenas as aldeias, mas também municípios vizinhos e regiões adjacentes, ressaltando a importância da preservação e da regularização fundiária.

O estudo também mostrou que as TI demarcadas apresentam maior capacidade de conter doenças, enquanto áreas sem titulação formal sofrem invasões, desmatamento irregular e maior vulnerabilidade das populações. Evidências indicam que ecossistemas intactos diluem a densidade de hospedeiros e patógenos, reduzindo a transmissão de doenças para áreas urbanas emergentes. Na Amazônia brasileira, focos florestais causaram, em média, 2.906 mortes prematuras por ano entre 2002 e 2011, demonstrando o papel protetor da floresta

A pesquisa destaca ainda o valor do conhecimento ancestral indígena: práticas de manejo sustentável, monitoramento informal de vetores e uso de plantas medicinais fortalecem a saúde comunitária e podem complementar os sistemas de vigilância oficiais. Tendências temporais revelaram picos de doenças respiratórias em 2004 e de malária em 2005, 2008 e 2017, com declínios recentes em casos de doença de Chagas e hantavirose, enquanto infecções por Rickettsia se mantiveram estáveis.

Os dados transfronteiriços, disponíveis em repositórios abertos como Zenodo, mostram que a proteção ambiental e o manejo sustentável produzem efeitos positivos mesmo em municípios vizinhos e países contíguos, evidenciando a necessidade de políticas integradas. A autora defende que a regularização fundiária, a prevenção de incêndios e a conservação ambiental sejam incorporadas às estratégias de saúde pública. “Proteger Terras Indígenas é essencial não apenas para justiça social e ambiental, mas também como ferramenta de saúde coletiva. Uma abordagem transfronteiriça é indispensável, dada a natureza do bioma amazônico”, concluiu a Dra. Barreto, ao reforçar que preservação ambiental e bem-estar humano estão intrinsecamente ligados. Os autores também publicaram um artigo complementar em formato de data paper, intitulado “A Pan-Amazonian dataset integrating 20 years of respiratory, cardiovascular, zoonotic and vector-borne disease cases and landscape changes, que descreve o banco de dados construído ao longo de duas décadas.

No contexto da Medicina Tropical, esses resultados oferecem subsídios para discutir o elo entre conservação ambiental e vigilância epidemiológica. A Amazônia, que concentra 60% de sua extensão no Brasil, registra anualmente milhares de internações por infecções vetoriais, agravadas por ciclos de seca e queimadas. Esses territórios funcionam como barreiras naturais, florestas intactas sequestram carbono, regulam o clima e reduzem a densidade de hospedeiros de patógenos, limitando a transmissão para áreas urbanas emergentes.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**