Tuberculose: novas vacinas podem evitar milhões de mortes
Se comprovadamente eficazes em ensaios clínicos, as vacinas candidatas serão ferramentas adicionais de controle para reverter o avanço da tuberculose
10/04/2023Em janeiro, durante o Fórum de Davos, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Ghebreyesus, pediu solidariedade para a busca de uma vacina contra a tuberculose a ser demonstrada como uma questão de humanidade. Ele alertou para os riscos da TB multirresistente e disse que os países mais ricos devem ajudar a enfrentar o problema. Na ocasião, ele ressaltou que os desafios apresentados pela tuberculose e pela Covid-19 são diferentes, mas as demandas geradas por ambas sobre a ciência, a pesquisa e a inovação são as mesmas: necessidade urgente de investimentos públicos, apoio filantrópico e engajamento do setor privado e das comunidades. Segundo a OMS, a epidemia da doença não mostra sinais de desaceleração, mesmo com compromissos para erradicação até 2030. A agência defende que em 25 anos, uma vacina com 50% de eficácia na prevenção da doença entre adolescentes e adultos pode evitar até 76 milhões de novos casos.
Embora as pesquisas sobre a próxima geração de vacinas tenham começado há décadas, o único imunizante atualmente utilizado, o Bacilo Calmette-Guérin (BCG), foi desenvolvido há mais de um século. De acordo com a Dra. Theolis Bessa, membro da Área de TB Tecnologia & Inovação da Rede Brasileira de Pesquisas em Tuberculose REDE-TB e pesquisadora da Fundação Oswaldo (Fiocruz Bahia), a BCG, apesar de ser uma vacina extremamente segura, ela garante proteção apenas para as formas mais graves da doença, como a meningite tuberculosa e tuberculose miliar, especialmente na população pediátrica, mas não é tão eficaz contra a TB pulmonar, principal forma observada nos adultos jovens, faixa etária que a doença normalmente acomete, e também responsável por disseminar o bacilo para outras pessoas.
A pesquisadora ressalta que a criação de um imunizante eficaz contra a bactéria causadora da tuberculose, Mycobacterium tuberculosis (MTB), que proporcione proteção mais efetiva em adultos é a esperança para vencer a doença que, segundo a OMS, provocou 1,6 milhão de óbitos e infectou 10,6 milhões de pessoas no mundo em 2021. Segundo ela, novas estratégias vacinais têm sido buscadas e há propostas que podem substituir a BCG e outras que levam em consideração a imunização prévia com este imunizante, em que a pessoa vai receber um reforço de outra vacina. Atualmente há cinco candidatas em estudo clínico de Fase 3, ou seja, com possibilidade de serem avaliadas por agências reguladoras. “Dentre elas, temos vacinas para a prevenção da infecção e para prevenção da doença. E também aquelas que vão ficar mais no contexto da imunoterapia, a fim de evitar a recorrência. Somente após as avaliações, será possível sabermos se elas têm ou não eficácia nesses diferentes momentos”, acrescenta a Dra. Bessa.
Algumas das candidatas a vacinas apresentam tecnologia semelhante à BCG, ou seja, são micobactérias e compostas por microrganismos atenuados. Um exemplo é a chamada MTBVAC, produzida a partir de uma cepa de micobactéria tuberculosa atenuada, uma deleção específica de dois genes de virulência, que contribuem para persistência do bacilo. A Dra. Bessa explica que a vantagem está em utilizar a própria cepa tuberculosa, que ao guardar os vários antígenos da mesma micobactéria, é capaz de desencadear a resposta imune. “Essa é uma candidata que pode substituir a BCG, caso comprovada eficácia superior. A MTBVAC está sendo avaliada para prevenção da doença e os ensaios clínicos vão demonstrar se haverá menos pessoas doentes entre aquelas que foram sorteadas para serem vacinadas em comparação àquelas quem não vão receber o imunizante”, assinala.
Outra vacina, a VPM1002, também pensada em substituição à BCG, que traz a mesma tecnologia de microrganismo atenuado, utiliza a própria BCG substituindo um dos genes da microbactéria, o ureaseC, por um gene de outra bactéria, que codifica a listeriolisina. A vantagem, segundo a Dra. Bessa, é que as modificações genéticas facilitam o processamento da micobactéria dentro da célula, promovendo uma acidificação no compartimento onde a BCG está, o que proporciona maior liberação para o citosol, propiciando a exposição dos antígenos dessa micobactéria para produzir uma resposta imune, ou seja, ela facilita a disponibilização dos antigos da BCG para promover uma resposta potencialmente melhor. Essa vacina está sendo avaliada para a prevenção da doença e da infecção, bem como para a recorrência.
Um terceiro imunizante, também baseado em micobactérias, o Mycobacterium indicus pranii, tem o mesmo princípio da BCG e pretende promover uma resposta imune cruzada contra a micobactéria tuberculosa. Essa vacina está sendo estudada como forma de prevenção da doença.
Nos ensaios clínicos mais avançados, há candidatas com tecnologias que combinam antígenos para micobactéria, as chamadas vacinas recombinantes ou de subunidades. Uma delas é russa, a GamTBvac, e a outra, a M72 / ASO1E, faz parte de um consórcio. Para aumentar a resposta imune, elas combinam porções proteicas da micobactéria associado com adjuvante. As duas vacinas estão sendo estudadas no contexto de prevenção. “A GamTBvac utiliza porções de proteína associadas à virulência do bacilo da tuberculose, os antígenos 85A, ESAT-6 e CFP10, proteínas também envolvidas em outras estratégias vacinais que estão em fases menos avançadas de desenvolvimento”, destaca a Dra. Bessa. Já a M72 / ASO1E utiliza outros antígenos, um deles exclusivo desse consórcio que está propondo esse candidato vacinal. De acordo com o último relatório de estágio de desenvolvimento das vacinas, “Pipeline Report » 2022 Tuberculosis Vaccines”, publicado em outubro de 2022, estão previstos ensaios clínicos para avaliação da M72 / ASO1E em vários países e, possivelmente, o Brasil também será incluído nessa etapa.
Dia Mundial de Combate à Tuberculose
Celebrado em 24 de março, a data tem como objetivo aumentar a conscientização sobre as consequências devastadoras à saúde, sociais e econômicas da tuberculose, bem como intensificar os esforços para acabar com a epidemia global. Neste ano, o tema mundialmente utilizado para a campanha foi “Sim! Podemos acabar com a tuberculose”, e chamou a atenção para o poder coletivo em acabar com a doença até 2030. Ele se baseou no incrível trabalho realizado em 2022 por muitos países com alta carga da doença para se recuperar do impacto do Covid-19, garantindo o acesso ao tratamento e prevenção, e enfatizou o aumento do envolvimento das pessoas afetadas pela tuberculose, comunidades e sociedade civil, que lideram o movimento para acabar com a doença.
**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**