
Vacina contra herpes-zóster pode oferecer proteção contra demência e Alzheimer, segundo novo estudo
Imunizante pode reduzir em até 20% o risco de desenvolver demência, trazendo esperança para a saúde cerebral em pessoas acima de 80 anos, sobretudo mulheres
07/07/2025
Resultados são especialmente positivos entre as mulheres, abrindo novas possibilidades para a prevenção de doenças neurodegenerativas
Um estudo publicado recentemente na revista Nature indica que a vacina recombinante inativada contra o vírus varicela-zóster, conhecida popularmente como vacina contra o “cobreiro”, está associada à redução do risco de demência. A pesquisa, conduzida por cientistas da Universidade de Stanford, analisou dados de mais de 280 mil adultos no País de Gales, com idades entre 71 e 88 anos, aproveitando a introdução do programa nacional de vacinação como um experimento natural. O artigo, intitulado “A natural experiment on the effect of herpes zoster vaccination on dementia”, apresenta indícios de que a vacinação contra o vírus pode exercer um efeito protetor contra doenças neurodegenerativas. No Brasil, estima-se que 2,71 milhões de pessoas vivem com demência, número que pode chegar a 6 milhões até 2050.
O herpes-zóster é causado pelo mesmo vírus da catapora (varicela), que permanece latente no sistema nervoso após a infecção inicial. Com o envelhecimento ou a queda da imunidade, o vírus pode se reativar, causando lesões dolorosas. A vacina viva atenuada, usada no País de Gales desde 2013, contém uma forma enfraquecida do vírus que estimula o sistema imunológico e reduz o risco de reativação. Já a vacina recombinante (Shingrix), mais recente, não foi avaliada neste estudo por ainda não estar disponível no Reino Unido durante o período analisado.
A pesquisa concentrou-se em indivíduos nascidos entre 1º de setembro de 1925 e 1º de setembro de 1942. Aqueles que completaram 80 anos pouco antes de 1º de setembro de 2013 foram considerados inelegíveis à vacinação, enquanto os que atingiram a idade logo após essa data foram imunizados. Essa pequena diferença permitiu a comparação entre grupos bastante semelhantes, cuja principal diferença era o acesso ao imunizante. Os resultados mostraram que a imunização esteve associada a uma redução de 20% no risco de desenvolvimento de demência nos sete anos seguintes, o que representa uma queda de 3,5 pontos percentuais na probabilidade de novos diagnósticos (intervalo de confiança de 95%: 0,6–7,1). O efeito foi mais pronunciado em mulheres.
“Pela primeira vez, conseguimos dizer com muito mais confiança que a vacina contra o herpes-zóster causa uma redução no risco de demência. Se isso for realmente um efeito causal, estamos diante de uma descoberta de enorme importância.”, afirmou o Dr. Pascal Geldsetzer, pesquisador de Stanford e autor sênior do estudo, ao jornal The Guardian. Em comunicado da Universidade de Stanford, ele acrescentou: “O que torna este estudo tão poderoso é o fato de ser essencialmente como um ensaio clínico randomizado, com um grupo controle, aqueles um pouco velhos demais para serem elegíveis à vacina, e um grupo de intervenção, aqueles apenas jovens o suficiente para serem elegíveis”, conclui.
A análise utilizou um modelo de regressão por descontinuidade, explorando a mudança abrupta na política de vacinação. Os dados foram extraídos do banco Secure Anonymised Information Linkage (SAIL), que reúne registros de saúde primária, secundária e óbitos. A pesquisa confirmou que não havia diferenças sistemáticas entre os grupos quanto a doenças pré-existentes ou uso de serviços médicos, o que fortalece a validade dos resultados. Além do impacto sobre a demência, o estudo também demonstrou uma redução de cerca de 37% nos casos de herpes-zóster entre os vacinados, um achado já documentado da literatura.
Segundo o infectologista Dr. Guenael Freire de Souza, do São Marcos Saúde (Dasa/MG), a descoberta é promissora, mas deve ser interpretada com cautela. “A vacina evita a reativação do vírus varicela-zoster e, como consequência, impede uma inflamação que pode estar associada à demência, mas novos estudos são necessários para confirmar este fato”, atenta. Além disso, por ser um estudo observacional, não é possível estabelecer uma relação de causa e efeito definitiva, já que fatores como estilo de vida ou e acesso aos serviços de saúde podem influenciar os resultados.
Internações por herpes-zóster crescem no Brasil
O número de internações por varicela e herpes-zóster tem aumentado nos últimos anos no Brasil. Segundo dados do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), foram registradas cerca de 2.600 internações em 2023, um crescimento de aproximadamente 13,6% em relação a 2022. Na comparação com 2021, o aumento chega a 31,6%. O Dr. Souza destaca que o vírus pode permanecer dormente por décadas e se reativar em situações de imunossupressão, como o envelhecimento ou a presença de doenças crônicas. “Durante anos, o vírus pode ficar quietinho, sem causar problemas. Mas, em determinadas situações, ele pode se reativar e atingir a pele por meio de nervos inflamados, causando lesões com bolhas e muita dor”, assinala.
O infectologista também chama atenção para manifestações atípicas que dificultam o diagnóstico. As lesões podem ser confundidas com outras condições, atrasando o início do tratamento. Em alguns casos, o herpes-zóster pode causar complicações neurológicas, como encefalites, paralisias e alterações visuais. “Mais de 90% da população adulta brasileira já teve catapora e carrega o vírus de forma latente. Com o envelhecimento populacional, sua reativação torna-se mais comum, o que reforça a importância da vacinação”, acrescenta.
Atualmente, a única vacina contra herpes-zóster disponível no Brasil é a Shingrix, produzida pela GSK. Indicada para pessoas com mais de 50 anos ou imunossuprimidas, é aplicada em duas doses e está disponível apenas na rede privada, com custo aproximado de R$ 800 por dose, o que limita o acesso para grande parte da população. Globalmente, mais de 55 milhões de pessoas vivem com demência, número que pode ultrapassar 131 milhões até 2050, impulsionado pelo envelhecimento populacional. A cada três segundos, um novo caso é diagnosticado. O Alzheimer e outras formas de demência são doenças devastadoras, tanto para os pacientes quanto suas famílias.
“Essa associação entre vacinação e saúde cerebral precisa ser explorada com mais profundidade, mas pode nos levar a uma nova forma de proteger o cérebro contra a demência. A possibilidade de que uma vacina já existente possa ajudar a reduzir esse risco abre uma nova dimensão para a saúde pública”, finaliza o Dr. Souza.