Vacina mRNA bivalente é moderadamente eficaz na prevenção da Covid-19, aponta estudo
De acordo com a publicação, a vacina bivalente forneceu alguma proteção contra a Covid-19, com uma eficácia de cerca de 30% contra ômicron e suas variantes
09/01/2023A nova onda de casos de Covid-19 no mundo, devido ao surgimento da variante ômicron, levantou o debate sobre a necessidade da atualização das vacinas disponíveis. Para limitar a disseminação e os efeitos graves da infecção, foram recomendadas doses de vacina de reforço; no entanto, elas falharam em fornecer o mesmo grau de proteção nas variantes ômicron que forneceu ao vírus original e às variantes que vieram antes da ômicron. Para superar as limitações dos imunizantes de reforço, foram desenvolvidas vacinas bivalentes de RNA mensageiro (mRNA), as quais foram aprovadas pela Food and Drug Administration (FDA, na sigla em inglês), agência reguladora dos Estados Unidos. A necessidade de formulações multivalentes ocorre devido à diversidade que determinados tipos de vírus e bactérias podem ter. As vacinas bivalentes, são assim chamadas por possuírem duas substâncias essenciais em sua composição: a primeira é a sequência biológica da nova variante ômicron e a segunda é uma sequência que remete ao vírus original. Mas, diante da limitação da ciência, seriam as vacinas bivalentes consideravelmente melhores do que as originais?
Um artigo publicado na medRxiv, site sobre ciências da saúde com pré-print sem a revisão dos pares e, portanto, sem a aceitação da revista, intitulado “Effectiveness of the Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Bivalent Vaccine“ avaliou a eficácia da nova vacina bivalente contra a Covid-19. O estudo revelou que o imunizante pode fornecer proteção moderada contra a infecção por SARS-CoV-2 da variante ômicron. De acordo com a publicação, a vacina bivalente forneceu alguma proteção contra a Covid-19, com uma eficácia de cerca de 30%. Os dados são preocupantes, pois mostraram que quanto mais imunizações prévias com a vacina contra cepa original, menor é a proteção contra a ômicron.
O médico virologista Dr. Ernesto Torres de Azevedo Marques, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-Pernambuco) e professor visitante da Universidade de Pittsburgh School of Public Health, explica que os estudos clínicos iniciais da vacina bivalente contra Covid-19 demonstraram uma boa eficácia contra a ômicron e a cepa original, a qual foi liberada em vários países e usada em larga escala. “No entanto, quando se avaliou a performance da nova vacina em mais de 51 mil trabalhadores de grandes hospitais dos Estados Unidos, os resultados não foram tão bons e ofereceram uma proteção de aproximadamente 30% contra as cepas ômicron. Ou seja, o grupo de imunizados com a vacina bivalente teve uma queda pequena no número de infecções pelas novas cepas quando comparado com o grupo não imunizado”, complementa. Ainda segundo o cientista, analisando em detalhes, foi observado que os trabalhadores que nunca haviam sido imunizados com a vacina monovalente original apresentavam um nível de proteção muito maior contra a ômicron em comparação com aqueles já imunizados e, quanto mais reforços com a vacina contra a cepa de 2019, menor era a proteção contra a nova cepa ômicron. “Mesmo as pessoas infectadas previamente com cepas anteriores também não estavam protegidas contra as novas cepas ômicron”, ressalta.
O estudo indica ainda que o “pecado original antigênico” possui um papel muito importante para as imunizações futuras. Em imunologia, segundo o Dr. Marques, o termo se refere a uma situação em que a primeira exposição do sistema imunológico a um determinado microrganismo-X gera uma memória específica para ele, mas quando encontra um outro microrganismo-Y muito parecido, ao invés de identificar que se trata de um microrganismo diferente, o reconhece como sendo o primeiro microrganismo-X. Esse engano do sistema imunológico resulta em uma proteção imunológica deficiente.
Para o Dr. Marques, o vírus deu um passo adaptativo em direção ao aumento da infecção mediada por anticorpos, um fenômeno que chamados de antibody dependente enhancement (ADE, na sigla em inglês). “Significa que anticorpos gerados contra um microrganismo parecido reagem com outro um pouco diferentes, mas não são capazes de neutralizar ou inativar o microrganismo; e ao se ligarem, formam complexos anticorpo-virus que são capturados por receptores de complexos imunológicos e facilitam a infecção destas células”, detalha.
Questionado se o problema com a vacina bivalente pode ser atribuído à tecnologia de mRNA, o virologista responde que não. “Qualquer tipo de exposição, seja por uma infeção natural ou imunização por outra plataforma, pode causar este tipo de fenômeno”, elucida ao mencionar como exemplo clássico de ADE a dengue hemorrágica. “Ela tem quatro sorotipos e uma infecção por um sorotipo gera uma proteção para o mesmo sorotipo. Porém, em circunstâncias especiais, ele causa um aumento da infecção por outros sorotipos que resultam em uma doença mais grave”, assinala. Ainda segundo o professor, até o momento não existem evidências definitivas de que este fenômeno de ADE esteja ocorrendo com Covid-19. “Contudo, à medida que o SARS-CoV-2 evolui, novos sorotipos podem ser gerados e o vírus pode aprender a se aproveitar dos mecanismos de ADE para poder se manter circulando na população, o que é extremamente indesejável”, atenta.
Futuro das vacinas com novas variantes
Com elevadas taxas de transmissão viral, como as observadas nos Estados Unidos, China e outros países, o Dr. Marques enfatiza que o vírus vai continuar a se adaptar e mais cepas resistentes à imunidade atual vão surgir e múltiplas variantes podem circular simultaneamente na população. Para controlar isso, ele afirma que será necessário desenvolver vacinas Pan-Covid-19, ou seja, imunizantes eficazes a todos os tipos de variantes SARS-CoV-2 em circulação, sejam aquelas do passado que podem voltar, sejam as do presente, bem como todas as que podem surgir. “Essa é uma tarefa muito desafiadora e requer um conhecimento muito maior do vírus e dos mecanismos de proteção utilizado pelo nosso organismo”, reconhece ao lembrar que a vacina Pan-COVID-19 não depende necessariamente de uma plataforma específica para apresentar o vírus para o nosso sistema imune, pode ser mRNA, vírus inativado, proteína recombinante ou qualquer outra, nem de uma via de inoculação diferente, como a imunização nasal ou oral, depende principalmente da identificação e escolha de partes essenciais do vírus que não podem ser modificadas, as chamadas regiões conservadas, para incluir na vacina de tal modo que ele não consiga mudar para escapar da resposta imune.
Por fim, ele acrescenta que vacinas para Covid-19 têm demonstrado eficácia em proteger contra a doença, especialmente casos graves e letais, porém não estão eficazes para proteger das infecções pelo SARS-CoV-2, o que facilita o surgimento de tipos resistentes à imunidade das vacinas. Por isso, o pesquisador reforça a importância de manter as medidas não farmacológicas nas comunidades, de forma racional, para que se desacelere a adaptação viral, e também continuar investindo no desenvolvimento de novas vacinas que sejam eficazes e ofereçam proteção contra todos os tipos de cepas de SARS-CoV-2. Saímos da situação de emergência, porém a pandemia continua.
**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**