
Virologista explica Projeto Orion e sua relevância para ciência brasileira
Dr. Maurício Nogueira detalha como o complexo laboratorial no CNPEM une biossegurança máxima e tecnologia de ponta para pesquisas em patógenos
01/04/2025
Com conclusão prevista para 2026, Orion é o primeiro laboratório NB4 da América Latina, conectado ao Sirius, incluindo laboratórios NB2, NB3, NB4, biotério e áreas de bioimagem
O Projeto Orion, em construção no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP), representa um marco para a ciência brasileira ao abrigar o primeiro laboratório de biossegurança máxima (NB4) da América Latina, integrado ao acelerador de partículas Sirius. Com foco em pesquisas avançadas sobre patógenos — como vírus, bactérias e fungos que afetam a saúde humana, o complexo busca fortalecer a capacidade do Brasil de enfrentar crises sanitárias. O Orion é o primeiro laboratório NB4 da América Latina, conectado ao Sirius, com aproximadamente 30 mil m², incluindo laboratórios NB2, NB3, NB4, biotério e áreas de bioimagem. O investimento de R$ 1 bilhão provém do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e a conclusão está prevista para 2026. Em março, a diretoria da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) visitou o CNPEM para conhecer o projeto e destacar sua importância para a colaboração científica.
Para saber mais sobre o assunto, a assessoria de comunicação da SBMT entrevistou o virologista Dr. Maurício Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e especialista em arbovírus, que esclareceu os objetivos, desafios e impactos do Orion.
Confira a entrevista na íntegra.
SBMT: De que forma a integração com o Sirius potencializa as pesquisas do Orion?
Dr. Maurício Nogueira: As linhas de luz do Sirius que serão conectadas ao Orion fornecerão imagens 3D em diferentes escalas, permitindo desde o estudo celular em escala nanométrica, passando pela dinâmica de inflamação nos tecidos e danos aos órgãos, até o acompanhamento do processo de infecção no organismo como um todo.
SBMT: Quais agentes infecciosos estão no foco inicial do projeto?
Dr. Maurício Nogueira: O Orion deve priorizar patógenos de relevância nacional como o vírus Sabiá (único agente de nível 4 endêmico do Brasil), além dos arbovírus — dengue, Zika, Chikungunya — e outros como o SARS-CoV-2, que já conhecemos bem. Também há interesse em agentes emergentes, como o vírus Oropouche, que circula na América Latina. A escolha considera o impacto na saúde pública e a necessidade de respostas rápidas a surtos, mas a estrutura permite flexibilidade para atender novos desafios.
SBMT: A visita da SBMT ao CNPEM em março trouxe quais perspectivas para o projeto?
Dr. Maurício Nogueira: A SBMT reúne especialistas que lidam diariamente com doenças tropicais. A visita reforçou a importância de alinhar as pesquisas do Orion com as prioridades da medicina tropical, como vigilância e controle de epidemias. Esse diálogo ajuda a garantir que os dados gerados cheguem a quem atua na prática, além de abrir portas para colaborações mais amplas no Brasil.
SBMT: Que desafios o projeto enfrenta em termos de construção e operação?
Dr. Maurício Nogueira: A construção de um laboratório NB4 exige normas rígidas de segurança, como sistemas de contenção e filtragem de ar, o que eleva os custos — estimados em R$ 1 bilhão até 2026, via Novo PAC. Operacionalmente, formar equipes capacitadas para trabalhar em ambientes de máxima contenção é um desafio, já que o Brasil tem poucos profissionais com essa experiência. O CNPEM conta com funcionários em treinamento no exterior e conduz um programa de treinamento em um laboratório simulado, o mock-up, para superar essa barreira.
SBMT: Como o treinamento das equipes está organizado?
Dr. Maurício Nogueira: O programa do CNPEM é pioneiro na América Latina. Utiliza um espaço mock-up, que replica um laboratório NB4, para treinar pesquisadores em protocolos de segurança sem risco biológico. Inclui parcerias com instituições internacionais, como a Universidade do Texas, para capacitação prática e teórica. O objetivo é formar um grupo qualificado antes mesmo do início das operações do Orion.
SBMT: De que maneira o Orion pode contribuir para a saúde pública?
Dr. Maurício Nogueira: O projeto oferece bases para desenvolver diagnósticos mais precisos, como testes que detectam mutações virais, além de identificar alvos para vacinas e tratamentos. Ao estudar patógenos de classes 3 e 4, o Orion também apoia a vigilância sanitária, ajudando a monitorar e responder a ameaças antes que se tornem epidemias. É um passo para reduzir a dependência externa em crises de saúde.
SBMT: Há avanços concretos já alcançados pelo projeto?
Dr. Maurício Nogueira: Como o Orion ainda está em construção, os avanços atuais concentram-se na validação de métodos com o Sirius. Esses experimentos preparam o terreno para, quando o laboratório NB4 estiver pronto, acelerar os estudos futuros.
SBMT: O projeto conta com colaborações internacionais? Qual é o impacto delas?
Dr. Maurício Nogueira: Sim, há parcerias com centros como o Instituto Robert Koch, na Alemanha, e a Universidade do Texas, nos EUA. Elas trazem expertise em biossegurança e análise estrutural, além de facilitar o treinamento de equipes. Elas ampliam o alcance do Orion, mas as prioridades continuam voltadas para os desafios brasileiros.
SBMT: Como a interdisciplinaridade funciona no dia a dia do projeto?
Dr. Maurício Nogueira: O Orion depende de equipes diversas: virologistas definem os patógenos, químicos preparam as amostras, físicos operam o Sirius e bioinformatas analisam os dados. Cada grupo tem um papel claro, e o trabalho avança em etapas interdependentes, com reuniões frequentes para ajustar os rumos. É um modelo que exige coordenação precisa.
SBMT: Que lacunas na pesquisa brasileira o Orion busca preencher?
Dr. Maurício Nogueira: O Brasil sempre teve força em virologia de campo, mas carecia de laboratórios NB4 para manipular patógenos de alto risco e de ferramentas como o Sirius para estudos estruturais. O Orion resolve essa lacuna, trazendo capacidade local para pesquisas que antes eram realizadas no exterior e integrando ciência básica e aplicação prática.
SBMT: Quais são os próximos passos planejados?
Dr. Maurício Nogueira: A construção segue até 2026, com foco na finalização do complexo NB4 e das três linhas de luz do Sirius — Hibisco, Timbó e Sibipiruna. Paralelamente, o treinamento de pesquisadores continua, e há planos para um banco de dados aberto com os resultados, disponível para a comunidade científica. O estudo de patógenos emergentes, como o Mayaro e Oropouche também estão em andamento.
SBMT: Para encerrar, como o senhor avalia o papel do Orion no cenário científico?Dr. Maurício Nogueira: O Orion coloca o Brasil na vanguarda da pesquisa em patógenos na América Latina e como um ator relevante no cenário científico global. Atende às nossas necessidades, como o controle de arbovírus, e gera conhecimento útil para o mundo. É uma conquista estratégica, mas depende de suporte contínuo para alcançar todo o seu potencial.
**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**