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Zika: Mesmo com recursos escassos, nunca se fez tanto com tão pouco

Pesquisadores estão mobilizados e trabalhando dentro de limites financeiros muito restritos

14/06/2016
Dra.

Drª. Maria da Glória Teixeira acredita que um teste rápido para o vírus pode estar disponível no segundo semestre deste ano

A atual crise econômica tem retirado recursos de uma das áreas essenciais para o desenvolvimento de um país, que é o das pesquisas científicas. Ainda assim, os estudos sobre o Zika vêm ocorrendo em ritmo acelerado. Para a pesquisadora Maria da Glória Teixeira, doutora em Saúde Pública, nunca se fez tanto com tão poucos recursos. “Os pesquisadores estão mobilizados e trabalhando dentro de limites financeiros muito restritos”, afirma.

Em entrevista à Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), a doutora Glória destaca as principais pesquisas sobre o tema, como a detecção do RNA do vírus em líquido amniótico de gestantes cujos bebês tinham diagnóstico de microcefalia intrauterino. Ela ainda aponta as quais devem ser as principais linhas de trabalho sobre o Zika e acredita que um teste rápido para o vírus pode estar disponível no segundo semestre deste ano.

Veja, abaixo, a íntegra da entrevista:

SBMT: Quais as principais pesquisas em andamento no Brasil sobre o zika vírus?

Drª. Maria da Glória Teixeira: Desde a detecção da concentração de casos de microcefalia relacionada ao zika vírus (ZIKV), em outubro de 2015, várias instituições e grupos de pesquisa do Brasil, rapidamente, se voltaram para este tema, a exemplo do Instituto Evandro Chagas; Fiocruz (Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), dentre outras. Não disponho de informações sobre todo o elenco de investigações que estão sendo conduzidas. Dentre as que tenho conhecimento destaco: estudos em experimentais visando avaliar qual(is) animal(is) se constituem em bom(ns) modelo(s) experimental(is) para zika; testes sorológicos para diagnóstico (IgM e IgG); vacinas; estudos epidemiológicos tipo caso-controle e de coorte em gestantes.

SBMT: Quais os principais resultados até o momento?

Drª. Maria da Glória Teixeira: A gravidade da situação e o impacto que causou a detecção da inusitada epidemia de microcefalia impulsionou as pesquisas e muito se tem avançado em pequeno espaço de tempo, mesmo com financiamento bastante limitado, devido às dificuldades burocráticas que tornam lentos o repasse de recursos para pesquisa em nosso País, como devido ao difícil momento político-econômico que atravessamos.

Em pouco mais de sete meses após a emissão do sinal de alerta da emergência, praticamente, já se encontra estabelecida a relação causal existente entre a transmissão vertical do ZIKV e a produção da microcefalia, de modo que esta relação já foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), embora ainda seja necessário continuar investigando para completar as evidências científicas necessárias à confirmação de associação causal e dar consistência à mesma.

Dentre os resultados das pesquisas conduzidas até o momento, considera-se da maior importância a detecção de RNA do ZIKV em líquido amniótico de gestantes cujos bebês tinham diagnóstico de microcefalia intra-útero, em tecido do sistema nervoso central e vísceras de feto que foi a óbito e em material de aborto; em tecido placentário e em recém natos nascidos em outros países cujas mães tinham história de terem sido expostas ao ZIKV no Brasil. Além disso, tem-se a constatação de morte in vitro de células-tronco neuronais humanas infectadas pelo ZIKV e também em camundongos. Com relação a resultados de estudos epidemiológicos, em que pese o pequeno número de participantes, tem-se a confirmação da relação existente entre ZIKV e malformações em uma coorte de gestantes do Rio de Janeiro.

SBMT: Qual a sua avaliação sobre o apoio financeiro às pesquisa em andamento?

Drª. Maria da Glória Teixeira: O governo tomou algumas iniciativas com vistas a esse apoio, porém de acordo com as informações que disponho até o momento, estes propósitos ainda não se concretizaram. Minha avaliação é de que nunca se fez tanto com tão pouco recursos! Os pesquisadores estão mobilizados e trabalhando dentro de limites financeiros muito restritos.

SBMT: Há linha(s) de pesquisa(s) que precisa(m) ser priorizada(s)?

Drª. Maria da Glória Teixeira: Um artigo do professor Maurício Barreto et al coloca com clareza as linhas de pesquisa necessárias, quais sejam: ampliar a base de evidências – estudos epidemiológicos e experimentais; desenvolvimento de testes sorológicos imunologicamente confiáveis; aprimoramento das medidas de controle vetorial; definição de protocolos para tratamento de casos agudos (em particular as mulheres grávidas) e prevenção das malformações; desenvolvimento de vacina e, reorganização do Sistema de Saúde em consequência da epidemia.

Temos que estar conscientes que conhecemos muito pouco sobre zika sendo, portanto, fundamental estudar a História Natural desta doença emergente, da qual não dispomos do ‘portfólio de danos”. Nós realmente ainda não sabemos a real incidência destas infecções; qual a importância da forma inaparente para o organismo humano e, especialmente, para gestantes e conceptos; qual o risco de manifestações neurológicas; incidência de formas atípicas, dentre muitas outras questões. Estas lacunas no conhecimento só podem ser preenchidas por meio de Estudos Clínicos Epidemiológicos Longitudinais que exigem fontes de recursos estáveis, para que não haja interrupção das investigações. Observe-se que estes conhecimentos são da maior importância não só para o planejamento e melhoria da qualidade da assistência às populações acometidas, como também para balizar a interpretação dos resultados dos ensaios clínicos, especialmente no que se refere à segurança, eficácia e efetividade de novos imunógenos e produtos terapêuticos.

SBMT: Em quanto tempo, com o ritmo atual dos trabalhos, será possível desenvolver uma vacina efetiva contra o vírus?

Drª. Maria da Glória Teixeira: Mesmo que tivéssemos hoje uma molécula já testada em animais, os estudos em seres humanos (Fases I, II e III) demorariam no mínimo 5 anos para serem concluídos. Lembrar que não se pode pular etapas, por questões éticas e de segurança dos sujeitos das pesquisas, em acordo com os requisitos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e princípios da Declaração de Helsink

SBMT: Quando a senhora acredita que deve estar disponível, no Brasil, um teste rápido para Zika vírus?

Drª. Maria da Glória Teixeira: De acordo com as informações que disponho, possivelmente, no segundo semestre deste ano.