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Zika vírus: ameaça persistente para saúde infantil

Revisão fornece atualização sobre as anomalias relacionadas à infecção congênita pelo ZIKV, com base em estudos realizados no Brasil desde 2015

06/09/2024

Uma meta-análise no Brasil revelou que a infecção confirmada por ZIKV durante a gravidez estava associada a um risco de 4% de microcefalia

Nos anos de 2015 e 2016, o Brasil enfrentou uma epidemia sem precedentes do vírus Zika (ZIKV), que deixou marcas profundas na saúde infantil ao provocar uma série de anomalias congênitas em recém-nascidos. O virus Zika é transmitido principalmente pelo Aedes aegypti e apresenta transmissão sexual e vertical (de mãe para filho). A epidemia de microcefalia destacou a ameaça emergente desse arbovírus, levando à descoberta dos efeitos adversos da Síndrome da infecção Congênita pelo vírus Zika (SCZ). Em 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional devido ao aumento de agravos neurológicos e malformações neonatais associadas ao ZIKV.

O Ministério da Saúde, em resposta à emergência de saúde pública, implementou um novo sistema de vigilância para notificar os casos de SCZ e outras infecções em mulheres grávidas e seus filhos. Durante os anos epidêmicos, a prevalência de microcefalia relacionada ao Zika atingiu seu pico, com uma taxa de 56,7 por 10.000 recém-nascidos no nordeste do Brasil, em contraste com o período pré-Zika, que apresentava uma prevalência de apenas 2,0 por 10.000 recém-nascidos. O número de casos de SCZ diminuiu significativamente, mas ainda há muitos casos suspeitos sob investigação, sugerindo que a verdadeira carga da doença pode estar subestimada. No Brasil, foram confirmados 1.858 casos de SCZ até 2023, com um declínio acentuado após 2017. Desde então, o País tem se destacado em estudos sobre as anomalias morfológicas e funcionais relacionadas à infecção congênita pelo vírus.

Quase dez anos após a epidemia, um panorama atualizado sobre as anormalidades morfológicas e funcionais associadas à infecção congênita pelo Zika, com base em dados primários de estudos realizados no Brasil desde 2015, foi publicado recentemente na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (RSBT). A revisão intitulada “Clinical spectrum of congenital Zika virus infection in Brazil: Update and issues for research development” discute os principais resultados dessas pesquisas.

Estudos de caso e coortes pediátricas descreveram diversas anomalias congênitas, como microcefalia severa e desproporcional, sobreposição dos ossos cranianos, colapso do crânio, contraturas congênitas (artrogripose e/ou pé torto), além de anormalidades visuais e auditivas. Essas alterações compõem a Síndrome da infecção Congênita pelo virus Zika (SCZ). As anormalidades cerebrais, principalmente a atrofia cortical, ventriculomegalia e calcificações, são marcadores estruturais da gravidade da SCZ. Estudos indicam que crianças com microcefalia relacionada ao Zika apresentam um risco elevado de alterações neurológicas, como epilepsia e paralisia cerebral, alterações oftalmológicas, além de dificuldades de alimentação, deformidades ortopédicas, comprometimento da função motora e disfunções urológicas. A SCZ está associada a uma ampla gama de desfechos adversos fetais-neonatais, com altas taxas de mortalidade entre os casos de microcefalia relacionados ao Zika.

Uma meta-análise de 13 estudos de coortes realizada pelo Consórcio brasileiro de Zika mostrou que a infecção confirmada por ZIKV durante a gravidez estava associada a um risco de 4% de microcefalia no primeiro ano de vida. Além disso, um quarto das crianças apresentava pelo menos uma anormalidade, predominantemente identificada de forma isolada. Estudos que avaliaram crianças expostas ao ZIKV intraútero, sem anomalias a nascimento, apresentaram resultados conflitantes em testes de neurodesenvolvimento. “Estudos de coortes pediátricas com acompanhamento adequado e grupos de controle são essenciais para preencher lacunas no conhecimento e desenvolver estratégias de intervenção eficazes” ressalta a Dra. Celina Maria Turchi Martelli, uma das autoras da revisão.

Para a Dra. Turchi Martelli, a colaboração nacional e internacional e a rápida disponibilização de recursos para as pesquisas foram fundamentais. “O Brasil, com sua rede de cientistas e instituições de pesquisa, continua na vanguarda desse desafio, contribuindo significativamente para a saúde pública global (P&D). Esse conhecimento acumulado possibilita reduzir o risco de futuras epidemias de Zika e outras arboviroses e mitigar suas consequências na saúde pública”, acrescenta.

Confira a revisão “Clinical spectrum of congenital Zika virus infection in Brazil: Update and issues for research development” publicada na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (RSBMT): https://doi.org/10.1590/0037-8682-0153-2024.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**