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20 Anos da DNDi: inovação e compromisso com Saúde Global

Iniciativa busca fortalecer as capacidades de P&D locais para o enfrentamento de problemas de saúde pública e atuar na defesa de políticas públicas que atendam às necessidades das pessoas que mais precisam

07/12/2023

Compromisso da DNDi com os países da América Latina é disponibilizar novos tratamentos para pessoas negligenciadas na região a fim de melhorar suas condições de vida

Desde a sua criação, há duas décadas, a Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, na sigla em inglês) tem sido uma força motriz na busca por soluções acessíveis e eficazes para doenças muitas vezes esquecidas para o desenvolvimento de medicamentos. Com um legado de inovação e compromisso, a DNDi atingiu marcos notáveis e impactou positivamente milhões de vidas ao redor do mundo. Nascida da colaboração entre médicos, cientistas, acadêmicos e organizações humanitárias, a DNDi tem como objetivo preencher lacunas críticas na pesquisa e desenvolvimento (P&D) de tratamentos para doenças negligenciadas, como a doença de Chagas, leishmanioses, malária, doença do sono, entre outras enfermidades tropicais. Os 20 anos da DNDi representam não apenas uma história de sucesso na área da saúde, mas um testemunho do que pode ser alcançado quando a comunidade global se une em prol de um objetivo comum: aliviar o fardo das doenças negligenciadas e oferecer esperança a milhões de pessoas marginalizadas pelo sistema de saúde.

Em reconhecimento a duas décadas de trabalho ininterrupto em cinco continentes, a DNDi recebeu recentemente o Prêmio Princesa de Astúrias de Cooperação Internacional 2023 em um evento presidido pelo rei e pela rainha da Espanha. O prêmio, considerado o de maior prestígio no país europeu, reconhece as conquistas da DNDi para disponibilizar tratamentos novos, seguros, eficazes e acessíveis para algumas das doenças mais negligenciadas do mundo. Ao longo de seus 20 anos de história, a DNDi desenvolveu vários tratamentos para essas doenças graves, e a estratégia da organização para o futuro inclui um plano ambicioso de desenvolvimento de novos medicamentos e tratamentos para melhorar a qualidade de vida e salvar milhões de pessoas no mundo todo. Para saber mais sobre o assunto, a assessoria de comunicação da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) entrevistou o Dr. Sergio Sosa-Estani, diretor da DNDi para a América Latina.

Confira a entrevista na íntegra.

SBMT: Como o senhor descreveria a jornada da DNDi ao longo das duas últimas décadas e os principais marcos alcançados?

Dr. Sergio Sosa-Estani: Acredito que a trajetória da DNDi, nas últimas décadas, vem conseguindo cumprir a missão traçada no momento de sua criação. Estou me referindo a própria evolução que tivemos desde o objetivo primário, que era desenvolver novos tratamentos para populações negligenciadas. Houve crescimento em relação à visão de ampliar o conceito de desenvolvimento de medicamentos para o tratamento de doenças negligenciadas, o que ampliou a razão e o motivo da nossa missão. No que diz respeito às ações relacionadas com essa evolução, devemos destacar também a incorporação e a consolidação de linhas de trabalho ligadas ao acesso. Adicionalmente, e para complementar, ações de pesquisa e desenvolvimento. Ou seja, a organização tem crescido no objetivo de, além de desenvolver linhas de ação, que garantam que os produtos desenvolvidos cheguem às populações que deles precisam. E o terceiro ponto que considero relevante destacar é a evolução da organização, no sentido de contribuir significativamente para o fortalecimento de capacidades e para os aspectos de transferência de tecnologia dos setores, dos países que possuem alta tecnologia e grandes capacidades, e otimizar as capacidades locais em termos de melhoria das condições de trabalho, e avançar para a suficiência na geração de conhecimento nas próprias áreas endêmicas. Ou seja, estamos contribuindo nesta primeira fase, sob diferentes ângulos, favorecendo não só as populações negligenciadas, mas também o espectro do ecossistema com que trabalhamos, ou seja, o setor acadêmico, os ministérios e os sistemas de saúde, como principais beneficiários das parcerias, em conjunto com a indústria farmacêutica, para atingir o conjunto de objetivos traçados.

SBMT: Quais foram os desafios mais significativos que a DNDi enfrentou durante sua trajetória e como a organização superou?

Dr. Sergio Sosa-Estani: Certamente, a criação através de um modelo inovador, no momento, é sempre um grande desafio, na verdade, são dois: o desafio da própria organização no processo de nascimento e crescimento para, ao mesmo tempo, estar implementando, aprendendo e aperfeiçoando o modelo. E desta forma, entendemos que houve um desafio interno desde a gênese, mas também um desafio externo no sentido de compreender como foi possível que um modelo com estas características fosse capaz de cumprir a missão objetiva e ambiciosa, delineada desde o início. O que entendemos, como outro aspecto desafiador, é que todos os projetos de desenvolvimento, não tanto os de pesquisa pré-clínica, que podem ser desenvolvidos em diferentes contextos com instalações adequadas, mas sobretudo a etapa de desenvolvimento clínico, que deve ser realizada justamente no cenário onde a população está localizada. Isso significa que as condições nas quais residem as populações vulneráveis, e que são participantes e voluntários, para participar de todas as etapas do desenvolvimento clínico, exigem e demandam um grande esforço da DNDi com todos os seus parceiros, para poder executar os desenvolvimentos com a melhor qualidade. Desta forma, poderia dizer que os primeiros 20 anos e os resultados alcançados demonstram a capacidade da organização para enfrentar os diferentes desafios que, sem dúvida, foram muitos e inúmeros, mas os resultados estão à vista. Por fim, destacando o aspecto do financiamento, também foi certamente um desafio, no início, entender que seria possível um modelo inovador, e a importância dos primeiros financiadores que confiaram no modelo proposto. E, claro, o desafio de crescer com capacidades, ampliando a agenda de trabalho e a carteira de trabalho; isso foi demandado e exigiu um grande esforço para que esse crescimento tivesse o financiamento adequado. Assim, esse é um desafio que certamente esteve no início, esteve durante, está no presente e continuará a ser um grande desafio no futuro, para alcançar a sustentabilidade do modelo e, dessa forma, estamos em uma continuidade. Certamente, as conquistas são um feedback da confiança e da convicção de que devemos permanecer nessa linha, para continuar a fornecer soluções.

SBMT: A DNDi tem desempenhado um papel fundamental no desenvolvimento de tratamentos acessíveis para doenças negligenciadas. O senhor poderia destacar alguns dos medicamentos ou avanços mais importantes que a organização ajudou a concretizar?

Dr. Sergio Sosa-Estani: Quanto a lógica de qualquer gênese de projeto na DNDi, temos a visão de que devem ser desenvolvidos os que permitam sua gestão de forma simples, e no primeiro nível de atenção. Dessa forma, garantir o acesso às conquistas, aos novos tratamentos, por parte de populações vulneráveis que vivem em condições desfavoráveis e, muitas vezes, em áreas rurais remotas, o que exige, desde a gênese do projeto, condicionar este tipo de desenvolvimento para dar maior probabilidade de acesso no futuro, quando esses medicamentos ou tratamentos estiverem disponíveis. Diria, sem dúvida, que os doze tratamentos disponibilizados são de altíssimo impacto e de grande destaque, proporcionando soluções de forma significativa. Atrevo-me a identificar como alguns deles nos permitiram dar características particulares. O ASAQ e o ASMQ são dois tratamentos para a malária que foram os primeiros não patenteados para essa doença. Isso foi uma grande conquista e uma grande demonstração, otimizando combinações terapêuticas alternativas por meio dessas combinações. Mas também em termos do modelo de inovação, acesso e equidade para oferecer soluções às populações negligenciadas. Outro destaque que gostaria de dar é o desenvolvimento para populações pediátricas, o ASMQ e o ASAQ, que foram justamente tratamentos que tiveram desenvolvimentos de formulações pediátricas, iguais ao benznidazol para doença de Chagas pediátrica, e o 4-em-1 como tratamento pediátrico para o HIV, mostra como a DNDi tem atenção especial nas populações pediátricas, que são negligenciadas em termos de desenvolvimento, levando em conta a complexidade do desenvolvimento de medicamentos pediátricos, que também está em nosso foco, e isso é demonstrado nos desenvolvimentos que fizemos. E por último, devemos destacar que não trabalhamos apenas com uma estratégia de combinação de medicamentos ou novas formulações de medicamentos existentes, mas também trabalhamos com novas entidades químicas, que são de alto valor em termos de inovação. E assim, temos o caso do fexinidazol, que é o primeiro tratamento oral para a tripanossomíase africana, e que sem dúvida está sendo uma estratégia absolutamente essencial para o controle desta doença no continente. O ravidasvir também é  uma nova entidade química para o tratamento da hepatite C, que mostrou por meio de um modelo sul-sul, a capacidade de realizar todo o desenvolvimento da gênese da nova identidade química, até o desenvolvimento clínico e de registro, permitindo a concessão de uma nova alternativa terapêutica com níveis similares de eficácia e segurança, e em alguns casos, com atributos superiores em termos de eficiência, contribuindo também para o controle de custos, permitindo a equidade na oferta de novas alternativas terapêuticas.

SBMT: Como a DNDi tem colaborado com parceiros e organizações internacionais para alcançar seus objetivos? Poderia compartilhar exemplos de parcerias de sucesso?

Dr. Sergio Sosa-Estani: A DNDi é essencialmente colaboração e parcerias estratégicas. Não existe DNDi se não houverem colaborações, pois essa é a essência do nosso modelo. Essas colaborações e associações têm diferentes níveis de estruturação e dimensões. Sempre que pensamos em parcerias para o desenvolvimento de um novo projeto, devemos levar em conta os diferentes tipos de atores. E assim, temos o setor acadêmico, a indústria farmacêutica, os níveis governamentais, representados principalmente pelos ministérios da Saúde e pelos ministérios da Ciência, os sistemas de saúde, as organizações não governamentais e, claro, as associações de pacientes como porta-vozes que nos orientam, em relação às necessidades, ditas por eles. É claro que cada um dos desenvolvimentos foram exemplos extraordinários de sucesso; e assim temos combinações de êxito com o setor público, como o desenvolvimento do antimalárico no Brasil, o ASMQ. Junto com Farmanguinhos, temos outro exemplo extraordinário com fexinidazol, uma nova entidade química, que foi feita com a Sanofi, uma grande farmacêutica. Ou também o caso de ravidasvir, também uma nova entidade química, com um modelo sul-sul, em parceria com a Pharco, uma empresa farmacêutica do Egito. O primeiro registro foi iniciado na Malásia, mostrando a eficácia do modelo sul-sul, que também é uma triangulação considerando que Pharmaniaga, empresa dos Estados Unidos, fazia parte da associação estratégica para alcançar o desenvolvimento. E, claro, temos outros exemplos substantivos. Porém, eu resumiria neles os tipos de parcerias estratégicas fundamentais, para o desenvolvimento de novas terapêuticas. E, claro, na evolução e no desenvolvimento, no crescimento da organização nos projetos de acesso, temos um excelente trabalho e, principalmente, com a doença de Chagas, que foi a primeira doença que desenvolveu um forte componente de acesso na DNDi. Temos um excelente exemplo na América Latina, mas também com organizações de outros continentes, como a coalizão Chagas, que temos promovido para grandes ações de advocacy, mas também com associações estratégicas, como as que temos na América Latina. Temos dois modelos, um com o setor público, como é o caso da DNDi – Fiocruz com a qual temos projetos em diversas doenças, em Chagas, leishmaniose, hepatite C, dengue ou com parcerias estratégicas com o modelo do setor privado, como é o caso do Grupo Insud na Argentina, com o qual também temos projetos sobre doença de Chagas, Hepatite C e outras doenças parasitárias. Então, temos estes modelos que estão nos permitindo cumprir com os objetivos e que, como disse no início da resposta a esta questão, são a essência e o DNA da organização, justamente as parcerias.

SBMT: A organização tem uma abordagem centrada no paciente. Como isso influenciou as estratégias da DNDi ao longo dos anos e qual tem sido o impacto dessa abordagem?

Dr. Sergio Sosa-Estani: Sem dúvida, o crescimento da organização. Ao longo dos anos, houve uma preocupação fundamental. É uma organização que já nasceu pensando nos pacientes. Ou seja, estamos focados nos pacientes, a tal ponto, como disse antes que, entendendo qual é o nível de vulnerabilidade e onde se acha essa população, cada projeto que desenvolvemos desde a sua gênese em conjunto com os parceiros, condicionamos que este tenha a mais alta qualidade, mas sempre pensando que devem ser desenvolvimentos gerenciados no primeiro nível de atenção. Isso levou-nos, ao longo dos anos, a estar em contato com associações de doentes que já existiam ou, em alguns casos, catalisar a formação deles. Ou a reunião dessas associações, que geralmente começam como associações locais, ao nível de uma determinada cidade ou comunidade, mas quando são mais do que uma, distribuídas em diferentes países sob a mesma problemática, temos conseguido acompanhar e catalisar a criação, como no caso da doença de Chagas, da Federação Internacional de Pacientes Atingidos pela Doença de Chagas. Esse é um modelo muito exemplar de como a sociedade organizada, e nesse caso, esse conjunto de associações de pacientes com os quais estamos permanentemente em contato, catalisamos, estabelecemos e participamos de fóruns onde eles são ouvidos. É claro que o impacto concreto que isso tem internamente na organização, eu diria que foi ou é, e continuará sendo, a orientação para todos os aspectos de pesquisa e desenvolvimento; e permitiu e provocou o crescimento do componente de projetos de acesso, que continua crescendo e se consolidando. Dessa forma, isso só pode ser feito ouvindo as pessoas afetadas, e é assim que mantemos contato com elas.

SBMT: Comemorar 20 anos é uma conquista notável. Quais são as perspectivas e planos futuros da DNDi para continuar seu trabalho na luta contra as doenças negligenciadas?

Dr. Sergio Sosa-Estani: Após esses primeiros 20 anos da DNDi, junto com nossos parceiros, desenvolvemos um plano estratégico perfeitamente delineado até 2028 e, possivelmente, em processo de revisão e evolução. Certamente, é um plano estratégico que acompanha os objetivos de desenvolvimento do milênio, com um rumo traçado até 2030. Ou seja, temos um plano estratégico em que ambicionamos desenvolver entre 15 e 18 tratamentos, que nos permitam contribuir para o controle de doenças e, em alguns casos, para eliminar algumas delas como problema de saúde pública. Essa é a nossa aspiração, estabelecida no plano estratégico até 2028, tal como definimos hoje.

SBMT: A pandemia de Covid-19 trouxe desafios e oportunidades para organizações de saúde global. Como a DNDi respondeu a essa crise e como a experiência da organização a preparou para lidar com ameaças de saúde global?

Dr. Sergio Sosa-Estani: Sem dúvida, a pandemia da Covid-19 afetou absolutamente todas as pessoas na Terra e, claro, isso nos envolveu diretamente. E gostaria de destacar que muitas lições foram aprendidas durante a pandemia, e uma delas é justamente a necessidade de trabalhar sinergicamente em colaboração, em rede, para ser eficientes, e otimizar a integração de recursos para acelerar os processos de inovação e desenvolvimento, validação e disponibilização de novas tecnologias, o que certamente inclui novos tratamentos. Neste caso, gostaria de destacar que no caso da DNDi, a pandemia nos encontrou com a capacidade de trabalhar justamente pelo nosso DNA, a nossa única forma de trabalhar, que é por meio da cooperação, colaboração e parcerias estratégicas e com o conceito e modelo de ciência aberta e equidade. Todos esses aspectos que, na DNDi, já vínhamos aplicando como rotina diária de trabalho antes da pandemia, são exatamente atributos, condições, desafios e oportunidades que, após a pandemia, emergem como demandas para toda a sociedade global. Então, nesse sentido, entendo que a DNDi deve não apenas acompanhar esses novos movimentos e novas formas de articular e executar projetos e cumprir objetivos, mas também capitalizar a própria experiência da DNDi em contribuir com os processos de adaptação, considerando que, para nós, como organização virtuosa com essência de colaboração, já vínhamos praticando. E, sobretudo, também o conceito de ciência aberta e de equidade, que são aspectos exigidos do ponto de vista ético, demandados atualmente no período pós-pandemia.

SBMT: A DNDi opera em várias regiões, incluindo a América Latina. Quais são as especificidades e desafios da região em relação às doenças negligenciadas, e como a DNDi tem trabalhado para abordá-los?

Dr. Sergio Sosa-Estani: A América Latina é um continente com vasta extensão geográfica e ampla diversidade. Uma diversidade que não se expressa apenas nos aspectos culturais, mas também nas capacidades de desenvolvimento de cada um dos países, ou das suas regiões, que compõem o subcontinente latino-americano. Essa diversidade e essas capacidades já instaladas são certamente uma grande oportunidade para o desenvolvimento dos projetos que a DNDi, juntamente com os nossos parceiros, para cumprir a nossa missão. Esta é uma área onde temos várias doenças endêmicas, onde no nosso portfólio temos, de fato, um conjunto de doenças, e pelo menos 5 doenças deste portfólio estão presentes na América Latina. E isso nos dá um cenário de oportunidades e responsabilidade para oferecer soluções. Além disso, a América Latina nos coloca, em relação às capacidades e ao desenvolvimento existentes, a possibilidade de desenvolver linhas de trabalho “de ponta a ponta”, uma abordagem do início ao fim. Em outras palavras, isso significa que, para os nossos projetos, temos capacidade na América Latina de fazer pesquisas antecipadas em busca de novos candidatos. Temos capacidade para fazer investigação translacional, desde o momento em que um candidato clínico é obtido, até a confirmação do candidato para o desenvolvimento clínico. Temos toda a capacidade de realizar desenvolvimentos clínicos, da fase 2B à fase 3. Também temos um cenário de rede, de agências reguladoras robustas e de alto padrão, que nos permite confiar que todos os desenvolvimentos e submissões para registro são realizados com excelência. Ou seja, temos grandes oportunidades com sistemas de saúde, com as suas fragilidades, mas também com grandes pontos fortes, que nos permitem criar um cenário que, com um esforço integrado e altamente estratégico, oferece oportunidades reais para a execução de projetos de pesquisa. A obtenção de um produto e a conclusão de uma etapa de acesso que permita que pacientes e pessoas afetadas na América Latina se beneficiem desses desenvolvimentos. Certamente, grandes desafios que envolvem instabilidade política, diversidade de cenários políticos. A diversidade e a instabilidade econômica que não garantem, a longo prazo, possibilidades de financiamento. São múltiplos desafios, mas também grandes oportunidades que temos na América Latina, para continuar desenvolvendo os nossos projetos e, dessa forma, continuar contribuindo para o conjunto de doenças negligenciadas, que são altamente prevalentes em nossa região.

SBMT: Como os governos, setores privados e a sociedade civil podem apoiar o trabalho da DNDi e contribuir para o combate das doenças negligenciadas?

Dr. Sergio Sosa-Estani: Como mencionei antes, existem atores-chave com os quais estamos sempre em contato, cada um deles com papéis diferentes. Então, quanto à questão de como diferentes setores podem apoiar a DNDi, eu diria que diferentes setores fazem parte do projeto que formamos com a nossa responsabilidade de orquestrar essas parcerias virtuosas para pesquisa e desenvolvimento de acesso. Assim, podemos considerar que os governos podem ter, e representados pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério da Ciência, papéis diferentes. Certamente, eles têm papéis diferentes no aspecto de fazer parte dos seus projetos, por meio dos sistemas de saúde, como parte dos implementadores ou parte da investigação clínica com os próprios sistemas de saúde que estão instalados.

Certamente, o papel do financiador é ser protagonista na geração das próprias evidências, que posteriormente serão beneficiários diretos na obtenção e capacidade de distribuição de novas tecnologias, em benefício das populações afetadas. E, claro, também nesse caso, que para que algo seja viável nesse tipo de produto para doenças negligenciadas, os governos são essenciais porque são eles que têm que regulamentar a adoção de cada um desses produtos e incorporá-los nas diretrizes de recomendação, para que sejam claramente implementadas. O setor privado é um setor-chave, que geralmente está representado pela indústria farmacêutica – embora não exclusivamente – porque o setor público, também o farmacêutico, é um grande ator e tivemos exemplos de sucesso trabalhando em conjunto, mas é evidente que a indústria farmacêutica privada é um ator responsável importante; e sobretudo, quando se trata de grandes empresas farmacêuticas com as quais estabelecemos parcerias para desenvolver pesquisas desde cedo, na procura de compostos, por meio do acesso às suas bibliotecas de compostos, por meio de parcerias virtuosas com a academia. E, dessa forma, ter uma lista de candidatos que nos permitirá desenvolver as próximas etapas da investigação. E a sociedade civil, sem dúvida, seja a sociedade civil organizada por meio de associações de pacientes, por esse aspecto que mencionei antes, que são absolutamente fundamentais para orientar quais são as reais necessidades ouvidas em primeira mão, com intuito de definir as nossas estratégias. E a sociedade civil, por meio de organizações não governamentais, como parceiros estratégicos em muitas ocasiões, quer para a fase de investigação e desenvolvimento, quer para as fases de investigação no domínio do acesso, bem como para advocacy, para que sejam adotadas as novas ferramentas disponíveis para a pesquisa.

SBMT: Recentemente a OMS pediu investimento em ações de “One Health” para uma saúde melhor das pessoas e do planeta. Qual a visão da DNDi em termos de Saúde Única / Saúde Global?

Dr. Sergio Sosa-Estani: O conceito de Saúde Única, ou saúde global, é uma tendência que existe neste momento do mundo. Nós e nossos parceiros entendemos qual é exatamente o espaço em que estamos contribuindo para esse conceito e quais são as interações virtuosas para outros componentes da saúde. Mas, de forma sinérgica, entendemos como, por um lado, a busca pelo desenvolvimento, pela pesquisa para oferecer soluções, como certamente mitigar alguns impactos negativos que às vezes poderia estar acontecendo em outros setores. Assim, entender esta constelação global dos diferentes componentes, do conceito de Saúde Única ou saúde global, é essencial. E certamente, é um desafio para todos os componentes compreender melhor essa integração, para ser mais eficiente em termos de saúde integral.

SBMT: O senhor gostaria de deixar uma mensagem em relação ao 20º aniversário da DNDi?

Dr. Sergio Sosa-Estani: Passados, os primeiros 20 anos, a principal conclusão é que a idealização daquele grupo de trabalho, no final da década de 90, e o desafio de nascer, continuar e iniciar esta grande peregrinação desde 2003, demonstram coragem, empenho, responsabilidade, a seriedade científica, e o compromisso ético e social da organização, para atingir os objetivos que se vislumbram, com 12 soluções para um conjunto de 6 doenças.

É claro que essa demonstração dos primeiros vinte anos nos coloca num grande compromisso de manter preceitos, de continuar contribuindo com essas doenças que fazem parte do nosso portfólio, e outras eventuais doenças que poderão ser incorporadas no futuro, entendendo que um grande desafio é continuar alimentando o compromisso e os resultados de sucesso. E ter sempre claro o enorme desafio da sustentabilidade do modelo, com o qual nos encontramos num processo dinâmico de alcançar a sustentabilidade, que nos permita continuar contribuindo, como conseguimos nestes primeiros 20 anos. Aspiramos, em nosso plano estratégico atual, até 2028, poder contribuir com 15 a 18 medicamentos, ou tratamentos adicionais, e também manter essa ambição de continuar para além de 2028 com a nossa missão.

 

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**