Divulgação, Notícias

Carnaval 2022: das máscaras da folia para as máscaras de proteção

Sem testar a população e com aglomerações causadas pelo Carnaval, Covid-19 pode ter aberto um capítulo da pandemia por aqui

09/02/2022
width=349

A realização do Carnaval deste ano poderia fazer retroceder os avanços que vêm sendo alcançados no controle da pandemia da Covid-19

A polêmica sobre uma possível propagação do novo coronavírus durante o Carnaval ganhou força em meados de janeiro quando a pneumologista e pesquisadora da Fiocruz Dra. Margareth Dalcolmo se tornou alvo de ataques por parte da Federação Nacional das Escolas de Samba (Fenasamba) em retaliação ao artigo publicado na Folha de São Paulo. Em manifesto incisivo divulgado no dia 16 de janeiro, a entidade repudiou o artigo, no qual a cientista afirmou que os primeiros casos de Covid-19 no Brasil, em 2020, foram oriundos dos desfiles nos sambódromos. Para os sambistas, os argumentos são falsos, mentirosos e distorcidos, e desafiaram a médica a apresentar provas concretas, objetivas e científicas, além de informarem que acionariam a Justiça.

Imediatamente a Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) se manifestou expressando profunda indignação e repúdio ao ataque e destacou que naquele momento TODA a ciência brasileira estava sendo atacada pelas escolas de samba, na pessoa da doutora Margareth Dalcolmo. Não demorou para que a pesquisadora começasse a receber apoio de outras entidades. Para a SBMT, este acontecimento demonstra de forma inequívoca o sistemático ataque à Ciência e àqueles que trabalham por ela. A nota ressaltou ainda que cabe aos pesquisadores produzir conhecimento científico e cooperar para sua ampla divulgação na sociedade, promovendo a democratização do conhecimento. Como muito bem pontuou a pesquisadora em seu artigo, há risco real de colapso no sistema de saúde em emergências e aumento de demanda de internações e neste cenário, seria incongruente e de alto risco, tanto do ponto de vista sanitário quanto administrativo — e em que pese a envergadura do empreendimento, gerador de empregos temporários e de arrecadação — manter os desfiles de escolas de samba nos sambódromos. Além disso, o uso de transportes coletivos, inevitável para a maior parte dos espectadores e foliões, e a concentração de pessoas nas próprias agremiações, bem como em arquibancadas e camarotes, resultaria em alto risco de transmissão. Por fim, a SBMT apresentou seu total apoio e solidariedade à colega, que se tornou símbolo da lucidez em tempos de trevas e obscurantismo, a qual representa a ciência brasileira com brilho e firmeza.

Em nota a Portela disse que as escolas de samba estavam sendo vítimas de ataques preconceituosos e alegou discriminação. “Em nossa sociedade, discriminar sambistas é algo tão comum que muitos tendem a naturalizar esta prática. Os discursos podem mudar ao longo dos anos, mas sempre retratam os sambistas como sujeitos ‘potencialmente perigosos’, ressalta um trecho da nota.

Até o dia 21 de janeiro, pelo menos 24 capitais mais o Distrito Federal anunciaram oficialmente que o Carnaval deste ano havia sido cancelado ou suspenso. As capitais estaduais que confirmaram o cancelamento ou suspensão do Carnaval são: Vitória (ES), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Florianópolis (SC), Curitiba (PR), Distrito Federal, Goiânia (GO), Cuiabá (MT), Campo Grande (MS), Maceió (AL), Salvador (BA), São Luís (MA), João Pessoa (PB), Recife (PE), Teresina (PI), Natal (RN), Aracaju (SE), Manaus (AM), Macapá (AP), Belém (PA), Porto Velho (RO), Boa Vista (RR) e Palmas (TO).

Afinal, o vírus estava ou não presente no Carnaval brasileiro de 2020?

Na véspera do início da folia, que ocorreu entre 22 e 25 de fevereiro, o Brasil registrava apenas um caso suspeito do novo coronavírus e tinha descartado outros 51. Naquele momento, o vírus já estava presente em 26 países, incluindo Estados Unidos e Europa. A confirmação do primeiro caso em território brasileiro ocorreu em 26 de fevereiro, quarta-feira de cinzas. A vítima, um homem de 61 anos, estava internado no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Ele havia retornado de viagem para Itália, quando o país já registrava alto índice de infecção.

O professor do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) Domingos Alves, que mantém um site para monitorar e fazer projeções do crescimento do coronavírus, produziu uma Nota Técnica, na qual faz uma correlação dos dados, que corroboram a tese da Dra. Margareth Dalcolmo de que era a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) que estava provocando casos compatíveis com a pandemia da Covid-19, durante o Carnaval de 2020 e após a sua realização. Segundo o pesquisador, houve duas situações concomitantes: a demora por parte do governo em decretar a transmissão comunitária e a definição da doença como tal e com diagnóstico, visto que os primeiros casos foram tratados como pneumonia grave, sem que os profissionais tivessem conhecimento que se tratava da Covid-19. Vale lembrar ainda que os testes específicos para Covid, distribuídos no dia 3 de março de 2020, só começaram a ser aplicados efetivamente para quem estava internado em 9 de março.

“Como podemos observar nos dados da SRAG, principalmente no estado do Rio de Janeiro, tal situação já era bastante crítica exatamente antes das testagens, ou seja, já existia uma disseminação com uma variação muito grande frente as primeiras semanas epidemiológicas de 2020”, ressalta. Os dados mostram aumento significativo de notificações, hospitalizações, internações em UTI, óbitos por SRAG, período em que não haviam testes específicos para Covid-19. A falta de testes pode ter mascarado os resultados. Ao analisarmos o documento é notório que praticamente todos os casos de SRAG, após o Carnaval, eram Covid. “Ao observarmos até a 9ª semana epidemiológica, o número de casos era praticamente o mesmo. Após esse período houve um aumento abrupto”, complementa o Dr. Alves.

O Carnaval deste ano poderia fazer retroceder os avanços que vêm sendo alcançados no controle da pandemia da Covid-19. Por ser um evento com características de intensa movimentação de pessoas e grandes aglomerações, por tempo prolongado, apresenta todas as condições para o recrudescimento da incidência da Covid-19 com as consequências que poderiam advir. Não seria possível assegurar vacinação completa, nem o uso de máscara nem distanciamento das pessoas.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**