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Doença de Chagas: tratamento mais curto traz esperança para milhões de pessoas afetadas pela doença

Os resultados do estudo podem ajudar a eliminar uma das barreiras à implementação do tratamento em larga escala

11/04/2019
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Estudo clínico de fase II, realizado em três centros da Bolívia, procurou melhorar a segurança, tolerabilidade e eficácia do tratamento com o medicamento descoberto há meio século

Um estudo clínico de fase II, realizado em três centros da Bolívia sob a coordenação da iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi) demonstrou que um tratamento com duração de apenas duas semanas para adultos com doença de Chagas crônica tem eficácia semelhante e efeitos colaterais menores do que o tratamento padrão, que dura oito semanas. Os resultados inéditos abrem uma nova perspectiva para o tratamento da doença, que atinge seis milhões de pessoas no mundo e aproximadamente 2 milhões de brasileiros.

Iniciado em 2016, este foi o primeiro estudo da história conduzido com placebo para testar diversas durações e dosagens do tratamento com benznidazol, tanto como monoterapia quanto em combinação com fosravuconazol. O benzonidazol é usado desde a década de 80, entretanto existe uma resistência entre os profissionais de saúde em indicar o tratamento na fase crônica da doença, porque a droga pode provocar efeitos colaterais significativos. O Dr. Sergio Sosa Estani, diretor do Programa Clínico de Chagas da DNDi, destaca que estes resultados renovam as esperanças das pessoas que vivem com esta doença silenciosa e podem transformar a realidade do acesso ao tratamento em países nos quais a doença é endêmica, sem que a eficácia seja comprometida e com melhora do estado geral do paciente. Ainda segundo ele, o principal objetivo deste estudo é estender o tratamento para uma parcela maior da população e evitar que as pessoas afetadas cheguem a ter complicações associadas.

Um dos maiores desafios da doença, que representa uma das quatro maiores causas de mortes por doenças infecciosas e parasitárias no Brasil, é a aderência ao tratamento padrão e sua toxicidade: em média, dois de cada dez pacientes que seguiram o tratamento com a duração padrão com benznidazol abandonaram o tratamento devido aos efeitos colaterais. Já a taxa de abandono com o novo tratamento testado caiu de 20% para menos de 3% dos casos. Para a Pesquisadora em Saúde Pública do Instituto Evandro Chagas (SVS-MS), Dra. Ana Yecê das Neves Pinto, já passou da hora de buscarmos soluções eficazes para o tratamento medicamentoso desta doença secular, nos países onde ela é um problema. ´”Por outro lado, entende-se que para a doença de Chagas, testar esquemas terapêuticos seja com novas drogas, seja com drogas já existentes, tem sido um ônus em virtude da necessidade de avaliação dos tratados por longos períodos de tempo, além da falta de uma ferramenta ideal de acesso aos padrões de resposta que sejam evidência de cura sustentada”, ressalta.

Na opinião do Dr. Alejandro Luquetti Ostermayer, do Laboratório de Pesquisa da Doença de Chagas Hospital das Clínicas, da Universidade Federal de Goiás (UFG), trata-se de estudo bem conduzido na tentativa de reduzir o tempo de administração de benznidazol e com isso reduzir a probabilidade de efeitos colaterais. Ele explica que a maior frequência de reações adversas é a cutânea (hipersensibilidade), que aparece em geral antes dos 15 dias, embora a maioria é de intensidade leve e não leva a interrupção do fármaco. “Chama a atenção que no grupo de aproximadamente 30 pacientes (o trabalho não especifica o número alocado a cada grupo), nenhum tenha tido hipersensibilidade de maior intensidade. A vantagem maior deste esquema terapêutico será de evitar as mais raras reações de polineurite, observáveis no final do tratamento, em torno da 7a-8a semana e de mais difícil manejo”, detalha.

A Dra Ana Yecê considera ser este um excelente desenho metodológico de desfecho por cura parasitológica, medida por método molecular, embora acredite que por ele ter sido realizado em tempo limitado de 12 meses certamente será criticado. “Apesar disso, o desenho traz, portanto, uma nova luz de delineamento de ensaio clínico, abrindo precedente para desenhos semelhantes ou, na linguagem da advocacia ‘jurisprudência’, tão necessária às metodologias de ensaios clínicos para testagem de medicamentos eficazes para doença de Chagas”, assegura ao dizer que sem dúvida esta é a maior contribuição do estudo, afora a excelente resposta demonstrada na leitura do briefing. “Como pesquisadora clínica em doença de Chagas de longa data, fico muito ansiosa por ler o trabalho completo e espero ver, em sequência, outros ensaios serem feitos no Brasil também, seguindo este modelo metodológico que, certamente, será referência”, conclui.

O Dr. Luquetti indaga se esse esquema terapêutico terá o mesmo sucesso que o tradicional de 60 dias. De acordo com ele, parasitos intracelulares precisam tratamentos por longo tempo (ex. hanseníase, tuberculose) para erradicar o microorganismo. “A avaliação efetuada por PCR tem valor relativo, pois a droga é muito efetiva em suprimir temporariamente a parasitemia, e observa-se de praxe a diminuição dos parasitos circulantes por muitos meses e mesmo anos, sem conseguir a erradicação do mesmo, só definitivamente alcançada quando a resposta imune não o reconhece mais. Outras tentativas em curso são de diminuição da dose, administrada por longo tempo, também com resultados promissores. Sabemos que a resposta terapêutica é individual e existem casos de pacientes muito susceptíveis, que com doses ou tempos menores conseguem a desejada negativação sorológica”, atenta. Mas o pesquisador reconhece que toda alternativa com os dois fármacos eficientes que se dispõe, e que seja eficaz e ofereça menos reações adversas, é bem vinda, nesta infecção negligenciada.

Embora promissores, os resultados do estudo ainda precisam ser confirmados por outros trabalhos. “A DNDi continuará a trabalhar com programas nacionais, parceiros e ministérios de saúde de países endêmicos para confirmar os resultados e incentivar que tomem as medidas necessárias para registrar o novo regime e transformar o paradigma do tratamento e mudar a realidade das pessoas afetadas pela doença”, assinala o Dr. Sergio Sosa Estani.