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Controle da tuberculose nos presídios pode reduzir drasticamente os índices da doença, afirma pesquisador

Dr. Julio Croda estima que 30% de todos os casos de tuberculose no Mato Grosso do Sul estão relacionados com a transmissão da doença nas prisões

12/05/2016
TB

A medida mais efetiva para o controle da tuberculose na PPL é reverter a tendência crescente da taxa de encarceramento, bem como uma maior equidade no que diz respeito ao acesso ao diagnóstico

Priorizar o controle da tuberculose nos presídios – onde o índice da doença é 28 vezes maior que na população em geral – não é apenas essencial para reduzir a incidência entre os encarcerados, mas também na comunidade em geral. É o que acredita o infectologista Julio Croda, membro do comitê técnico assessor de Tuberculose do Ministério da Saúde (CTA-TB/MS).

“Estudo recente publicado por nosso grupo de pesquisa evidenciou que 54% dos cepas que foram identificados na cidade de Dourados estavam relacionadas com cepas da prisão. Se considerarmos o estado do Mato Grosso do Sul como exemplo, podemos estimar que pelo menos 30% de todos os casos de tuberculose estão relacionados com a transmissão da doença nas prisões”, explica o pesquisador.

Em entrevista à Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), o doutor Julio explica as causas da alta incidência da doença nos presídios brasileiros e as principais ações que podem ser adotadas para o controle da enfermidade.

Veja, abaixo, a entrevista na íntegra:

SBMT: Quais são as principais causas da alta incidência de tuberculose nas prisões brasileiras?

Dr. Julio Croda: A principal causa é a superlotação. Nos últimos 24 anos houve um crescimento de 595% na população privada de liberdade (PPL). A prisão apresenta condições ideais para a transmissão da doença. A proporção de novos casos relacionados à PPL aumentou de 4,1% para 8,2% de todos os casos notificados quando comparados o ano de 2007 e 2014. O estado do Mato Grosso do Sul apresenta a maior taxa: 15,6% dos novos casos de tuberculose notificados ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e estão relacionados à PPL. Atualmente existe um déficit de 231.062 vagas, uma taxa de ocupação de 161%. Hoje em dia o Brasil possui a quarta maior PPL do mundo, atrás apenas dos EUA, China e Rússia. Entre 2008 e 2014, nos EUA houve uma redução de 8%, na China de 9% e, na Rússia, de 25% na PPL. Em contraste, o Brasil apresentou um aumento de 33% na sua PPL.

Além da superlotação, podemos citar a falta de implementação, na maioria das prisões do País, das recomendações do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS), na realização de triagens anuais e na entrada com Raio de Tórax, baciloscopia/cultura e Xpert. Atualmente, apenas 32% dos casos diagnosticados realizaram Raio de Tórax. Dessa forma, a falta de diagnóstico oportuno favorece a transmissão da doença, o que mantém a sua elevada transmissão e incidência nessas populações.

SBMT: Quais ações são necessárias para controlar a circulação da tuberculose nos presídios?

Dr. Julio Croda: A medida mais efetiva para o controle da tuberculose na PPL é reverter a tendência crescente da taxa de encarceramento. Além disso, é necessária uma maior equidade no que diz respeito ao acesso ao diagnóstico. Também é preciso um maior acesso ao Raio de Tórax, baciloscopia, cultura e Xpert. Com incidência de 28 vezes mais, deveríamos disponibilizar e implantar pelo menos um Xpert em todas as prisões com mais de 2000 detentos.

Priorizar essa população é essencial não só para reduzir a incidência na prisão, mas também na comunidade. Estudo recente publicado por nosso grupo de pesquisa, evidenciou que 54% dos cepas que foram identificados na cidade de Dourados estavam relacionadas com cepas da prisão. Se considerarmos o estado do Mato Grosso do Sul como exemplo, podemos estimar que pelo menos 30% de todos os casos de tuberculose estão relacionados com a transmissão da doença nas prisões. O estado possui uma população de 2,5 milhões de habitantes e 13 mil PPL. Priorizando a PPL no controle da tuberculose, podemos reduzir o número de casos da doença drasticamente em um curto espaço de tempo. Deveremos priorizar essa população, no Brasil, para atingir as metas da nossa estratégia da OMS.

SBMT: Como a comunidade científica pode contribuir para melhorar esse quadro?

Dr. Julio Croda: Investigando métodos de triagem individuais e coletivas mais efetivas. Além disso, nesses ambientes é necessário mais estudo que identifique o papel da quimioprofilaxia nessas populações. Atualmente, com a incorporação da Rifampentina+Isoniazida pelo Ministério da Saúde como opção de tratamento da tuberculose latente, diversos possibilidades podem ser estudadas, principalmente devido à facilidade da dosagem semanal desse novo esquema.

SBMT: Há dados sobre a incidência da doença nos presídios? Quais?

Dr. Julio Croda: Sim. Atualmente a incidência na PPL é 1195 por 100.000. É uma taxa de detecção 28 vezes maior que na população geral. Definitivamente, além de um problema de saúde é uma questão de justiça social. Como sociedade, devemos unir esforços para diminuir essa elevada taxa de incidência. Nosso grupo de pesquisa, recentemente, por meio de um estudo de coorte, acompanhou 1422 PPL por 1 ano em 12 prisões do estado do Mato Grosso Sul. Evidenciamos uma incidência de tuberculose ativa de 1940 por 100.000 e uma taxa de infecção latente de 26% após um ano de acompanhamento. É urgente que novas abordagens de controle da doença nesses ambientes sejam implementadas.