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Documentário brasileiro sobre Covid-19 vence edição de festival internacional

“Quando Falta o Ar aborda a pandemia com foco no cuidado, revelando a face humana da luta coletiva contra a Covid-19 mostrando a realidade de médicos, enfermeiros, agentes comunitários e pessoas comuns

10/05/2022
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O longa-metragem revela sua importância ao falar sobre pessoas invisibilizadas no meio a uma crise que as atingiu em cheio e, sem recursos, tiveram que se virar como era possível

O documentário “Quando Falta o Ar” venceu a competição brasileira de longas e médias-metragens na edição do É Tudo Verdade, principal festival internacional dedicado à produção documental da América Latina. Dirigido por Helena Petta e Ana Petta, o filme acompanhou a atuação de profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) no Nordeste, Norte e Sudeste destacando o trabalho de enfrentamento de médicas, enfermeiras, agentes de saúde ao sair pelo Brasil no auge da pandemia, antes da chegada das vacinas contra a covid-19. O longa-metragem revela sua importância ao falar sobre pessoas invisibilizadas em meio a uma crise que as atingiu em cheio e, sem recursos, tiveram que se virar como era possível. É o retrato da face da luta coletiva.

O júri foi composto pela historiadora Eloá Chouzal, pelo diretor de fotografia Carlos Ebert e pelo cineasta Renato Terra. “O longa brasileiro é um registro precioso de uma memória coletiva ainda recente e um registro inestimável da importância do SUS”, destacou um dos jurados, enquanto outro declarou que o documentário é mais do que uma radiografia contundente e corajosa da pandemia no Brasil. Ainda de acordo com o júri, as diretoras conseguiram ampliar o entendimento da tragédia humanitária em várias perspectivas: desde os agentes comunitários que trabalham na prevenção até as Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) dos hospitais, passando pelos corpos ensacados e enterrados em quantidades assustadoras. Tudo feito com um olhar extremamente cuidadoso de quem sabe construir e captar cenas que valorizam os sentimentos humanos dos indivíduos retratados. “Além de sua impecável qualidade cinematográfica, o filme captura a temperatura dos acontecimentos, o heroísmo e a exaustão dos profissionais de saúde à frente da pandemia, a luta pela vida dos pacientes, o alívio intenso dos que não se contaminaram, o medo presente no ar, a tristeza dos que perderam pessoas queridas”, completou o júri.

“Quando Falta o Ar” deve estrear nos cinemas ainda neste ano. O festival exibiu, de 31 de março a 10 de abril, um total de 78 longas e curtas-metragens em competição e hors-concours, de forma gratuita, em plataformas de streaming disponíveis em todo o território brasileiro. Além disso, neste ano o festival retomou suas sessões presenciais, que aconteceram em São Paulo e Rio de Janeiro. A 28ª edição do festival acontecerá entre 13 e 23 de abril de 2023. Para saber mais sobre o assunto, a Assessoria de Comunicação da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) entrevistou a Dra. Helena Petta, que além de médica, com mestrado em Saúde Pública e doutorado em Medicina Preventiva, tem experiência na área de comunicação e saúde, sendo a criadora da série médica televisiva Unidade Básica, transmitida pelo canal Universal Channel.

Confira a entrevista na íntegra.

SBMT: Como foi receber a notícia de que o documentário dirigido pela senhora e sua irmã, Ana Petta, Quando Falta o Ar venceu a competição brasileira de longas e médias-metragens na edição do É Tudo Verdade?

Dra. Helena Petta: Foi com muita emoção que recebemos essa notícia, ainda mais em um festival de documentários dos mais importantes da América Latina, como o “É Tudo Verdade”. Esse é o primeiro filme de documentário que eu e a minha irmã, Ana Petta, dirigimos e estávamos concorrendo com outros seis filmes muito interessantes, de documentaristas importantes, os quais acompanhamos a carreira e somos fãs. Então, para nós foi uma honra, uma grande surpresa, e ficamos muito felizes, principalmente pela valorização que o tema sobre a pandemia e os trabalhadores do SUS tiveram. Esse prêmio é um reflexo de como as pessoas precisam contar essa história, falar o que aconteceu durante a pandemia no Brasil. Ë um tema ainda muito recente, porque ainda estamos na pandemia, mas acredito que enquanto sociedade precisemos refletir e entender o que aconteceu para que as coisas não se repitam.

SBMT: O filme revela a face humana da luta coletiva contra a Covid-19, mostrando pessoas invisibilizadas em meio a uma crise que as atingiu em cheio e, sem recursos, tiveram que se virar como era possível. Em sua opinião, o que fez essas pessoas serem invisibilizadas e como chegaram nesse nível de abstração da pessoa, do ser, do próximo?

Dra. Helena Petta: Durante a pandemia tivemos um Governo Federal negacionista, que não acreditou nas recomendações da ciência e da Organização Mundial da Saúde (OMS) e isso fez com que os profissionais do SUS tivessem que fazer seus trabalhos, cada um, nos seus territórios, nos seus serviços de saúde, de uma maneira invisibilizada, de forma que estavam travando uma luta diária e constante para tentar defender a vida em meio a um momento em que não havia apoio nenhum apoio a nível Federal. Neste sentido, o que o nosso documentário tentou fazer foi dar visibilidade para esses profissionais do SUS e também para os pacientes, que por vivermos em um País tão desigual, muitas vezes, também não são vistos, não são bem amparados, mas que felizmente, mesmo com todos os problemas de precariedade, contamos com um sistema público de saúde que consegue dar acesso às pessoas que muitas vezes não tem alcance nem mesmo a um cuidado em saúde. O que buscamos foi dar visibilidade tanto para esses profissionais que estavam trabalhando dia após dia nos serviços de saúde, no sistema público de saúde brasileiro, quanto para os pacientes que buscavam algum tipo de ajuda em meio a pandemia e em meio a um País desgovernado.

SBMT: Por que isso não foi retratado no documentário?

Dra. Helena Petta: Entendo que na tradição dos documentários, isso seja uma constante, mostrar justamente aquilo que a sociedade em geral não vê. Historicamente muitos documentaristas já dão voz a grupos marginalizados, às minorias, enfim, às pessoas que são discriminadas por diversas razões e que somente por meio da arte é dada alguma visibilidade a essas pessoas. Tentamos também colocar os profissionais de saúde, do SUS, como grande protagonista, porque ele também é invisibilizado, e assim queríamos, de alguma forma, mostrar a sua importância por meio do documentário.

SBMT: O documentário aborda aspectos políticos, apontando o dedo para a omissão, como também para o sistema econômico. Como foi trabalhar sob essa perspectiva?

Dra. Helena Petta: Nosso documentário não é de entrevistas e sim de imagens de trabalhadores de saúde cuidando das pessoas e, ao mesmo tempo, mostramos o quanto a questão do racismo estrutural e da desigualdade social no País impactaram fortemente àqueles que foram afetados pela Covid-19, o que vários estudos e pesquisas já mostram. Por isso, a nossa ideia era reforçar e denunciar essa questão também por meio das imagens.

SBMT: A senhora acredita que o documentário conseguiu promover um senso crítico ao espectador, despertando um olhar mais crítico de forma que ao assisti-lo saia com bagagem social?

Dra. Helena Petta: Acredito que sim, porque o documentário é um meio que temos para por luz a determinadas questões, para mostrar coisas que muitas vezes a sociedade não enxerga ou que o próprio jornalismo não dá conta – muito se falou da Covid-19 nos jornais, na televisão, mas muitas vezes em um ritmo muito acelerado, com imagens e as informações rápidas –, então, o que buscamos no filme foi fazer planos mais longos, trazemos diferentes tempos e dimensões do cuidado, que passa, por exemplo, por você observar uma enfermeira dando banho no leito de um paciente que está em uma UTI; que passa por você acompanhar aquelas equipes que vão a um lugar muito distante do Brasil, pelos rios da região Amazônica, para dar assistência a uma senhora que está precisando de cuidados; que passa pelos cuidados de uma médica com os internos dentro do presídio e ela coloca uma música para que os sons externos não estejam presentes na consulta. Ou seja, são vários momentos que buscamos captar retratando a força que é esse cuidado em saúde e o que ele representa, quer dizer, ele não passa simplesmente por uma ação mais rápida, como vemos muitas vezes em cenas do jornalismo. O documentário e a arte têm essa capacidade de trazer a realidade e também  transfigurar, mostrar um outro lado que não era visto, com uma poesia que as pessoas não estão acostumadas a olhar. Tomara que sim, que cada vez mais pessoas assistam e que se toquem com os temas que a trabalhamos.