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É preciso manter vigilância epidemiológica, embora haja redução de casos de infecção pelo vírus Zika, alerta Celina Turchi

O surto de Síndrome Congênita da Zika acabou, mas continuam os desafios do acompanhamento de crianças com acometimento do sistema nervoso central e com outras manifestações clínicas

08/03/2018
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Temos que monitorar a circulação viral e nos preparar para a possibilidade de surtos futuros da infecção na população susceptível com os eventos neurológicos adversos a Síndrome Congênita da Zika em neonatos

Reconhecida internacionalmente por ter coordenado o primeiro estudo caso-controle que demonstrou a associação entre o Zika vírus e os casos de microcefalia em recém-nascidos, a médica epidemiologista Celina Turchi recentemente foi indicada pela Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) para integrar a lista tríplice a ser enviada ao Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, para a escolha de um representante da comunidade científica, em cada uma das três grandes áreas (Ciências Humanas e Sociais; Biológicas e da Saúde e de Ciências Exatas; Terra e Engenharias), para compor o Conselho Deliberativo do CNPq (CD-CNPq). A cientista foi destaque da revista Nature, em 2016, e a revista Time a listou, em 2017, como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. Em 2018, a Dra. Celina Turchi já foi agraciada com o Prêmio Péter Murányi e, no Dia Internacional da Mulher, recebeu a Medalha Mietta Santiago, oportunidade em que concedeu entrevista à assessoria de comunicação da SBMT. Confira abaixo a entrevista na Íntegra.

SBMT: Qual a situação atual do Zika?

Dra. Celina Turchi: Após os surtos de doença exantemática pelo vírus Zika ocorridos no Nordeste do Brasil em 2015 houve redução dos casos de doença em adultos com consequentemente diminuição dos casos notificados de Síndrome Congênita do Zika. Houve uma redução da circulação viral com casos esporádicos de doença exantemática pelo vírus Zika em vários estados no ano de 2017.

SBMT: Ainda nascem crianças com microcefalia?

Dra. Celina Turchi: Se a pergunta se referir a Síndrome congênita do Zika houve redução do número de casos, mas casos dessa síndrome ainda são notificados em diferentes regiões do país. A microcefalia é apenas a ponta do iceberg da Síndrome Congênita da Zika, inicialmente identificados na infecção congênita pelo vírus Zika. Microcefalia não é doença e que pode ser de várias causas (genéticas, infecciosas etc).

SBMT: Como estão os efeitos do zika vírus sobre bebês nascidos e infectados durante o primeiro surto da doença, dois anos atrás?

Dra. Celina Turchi: Entre os nascidos vivos acometidos pela infecção pelo vírus Zika, as malformações do Sistema Nervoso Central, com calcificações cerebrais e alterações oftálmicas foram as primeiras alterações evidenciadas nessa síndrome. Alterações da deglutição, redução da audição também estão entre os acometimentos observados.

SBMT: Um novo teste capaz de detectar de forma rápida e barata o vírus Zika no organismo da pessoa infectada foi desenvolvido por cientistas nos Estados Unidos com a participação de faculdades brasileiras. A senhora acredita que esse teste deva chegar ao País quando? Até lá os casos de zika podem já ter desaparecido?

Dra. Celina Turchi: Testes que possibilitem avaliar a infecção recente pelo vírus Zika sem apresentar reação cruzada com os vírus da dengue serão oportunos para diagnóstico da infecção e também rastreamento populacional. Atualmente, existem inúmeros testes para diagnóstico da infecção pelo vírus da Zika sendo avaliados em áreas endêmicas. A implementação de qualquer teste depende da avaliação da performance do teste em diferentes áreas geográficas além da aprovação pelos órgãos de controle. Lembramos que as arboviroses apresentam sazonalidade e a dinâmica de transmissão o vírus Zika em ambientes urbanos ainda é pouco conhecida. Temos que monitorar a circulação viral e nos preparar para a possibilidade de surtos futuros da infecção na população susceptível com os eventos neurológicos adversos e mesmo da Síndrome Congênita da Zika em neonatos.

SBMT: Como estão as pesquisas científicas para um diagnóstico mais amplo e preciso da doença?

Dra. Celina Turchi: Houve e ainda há uma grande mobilização da comunidade científica para um diagnóstico mais amplo e preciso. Com esse objetivo, são desenvolvidos estudos clínico epidemiológicos do vírus Zika, além de pesquisas de área básica,incluindo busca de testes com maior sensibilidade e especificidade Em termos de pesquisa clinico epidemiológica, o acompanhamento (coorte) de gestantes com e sem exantema com rastreamento do vírus Zika vêm sendo conduzidos em diferentes regiões do país. As crianças com diagnóstico ou suspeita de apresentarem Síndrome Congênita do Zika (que foram expostas à infecção pelo vírus da Zika durante a gestação) vem sendo monitoradas para se avaliar o desenvolvimento cognitivo e neurológico, detectar outras afecções e mesmo estimar a sobrevida. Essa avaliação detalhada permitirá compreender o espectro clinico dessa nova doença propiciando a estimulação precoce e a minimização das incapacidades. Vale ressaltar que diferentes grupos de pesquisa harmonizaram protocolos e compartilham dados para obtenção de resultados mais robustos e o mais rápido possível. Um esforço de pesquisa tem sido realizado na analisar a carga da doença (Síndrome Congênita da Zika) para a família e para a sociedade.

SBMT: Como está a produção de uma vacina contra o zika?

Dra. Celina Turchi: Diferentes vacinas contra o vírus Zika estão em fase inicial de obtenção e de pesquisas clínicas. Pelo que sei a(s) vacina(s) contra o vírus da Zika ainda não estão sendo produzida para uso em larga escala.

SBMT: A senhora gostaria de acrescentar algo?

Dra. Celina Turchi: Sim, gostaria de ressaltar que embora haja uma redução do número de casos de infecção pelo vírus Zika temos que manter uma vigilância epidemiológica. O surto de Síndrome Congênita da Zika acabou, mas continuam os desafios do acompanhamento de crianças com acometimento do sistema nervoso central e com outras manifestações clínicas que exigem assistência de múltiplas especialidades da área de saúde (pediatria, infectologia, neurologia, oftalmologia, fisioterapia, otorrinolaringologia, gastroenterologia, nutrição etc). Do ponto de vista de saúde pública devemos estar preparados para prevenir novos surtos de arboviroses (des)conhecidas em áreas urbanas.