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Febre amarela, leishmaniose visceral etc.: onde está a entomologia médica?

Como se pode compreender a ecologia dos mosquitos se não se for para a floresta para estudar e compreender como vivem os mosquitos?

10/04/2017
Por Carlos Brisola Marcondes – Professor Titular do Departamento de Microbiologia, Imunologia. Parasitologia da Universidade Federal de Santa Catarina
Quantas

Quantas mortes no leste de Minas Gerais teriam sido evitadas se houvesse uma vigilância bem feita

Nos últimos tempos, têm ocorrido no Brasil doenças novas, como Chikungunya e Zika, e doenças antigas, como leishmaniose visceral e febre amarela, em locais surpreendentes, como Porto Alegre e o leste de Minas Gerais, respectivamente.

São necessárias providências para compreender e resolver estes problemas, que incluem a avaliação da distribuição e incidência dos vetores dos agentes patogênicos. Para que isto seja feito, é necessário dispor de pessoal treinado em várias áreas, e ressalto aqui a entomologia médica.

Por exemplo, sabe-se que a febre amarela ocorre há muitos anos no Brasil apenas com transmissão silvestre, que parece envolver principalmente mosquitos de Haemagogus e Sabethes. Os reservatórios parecem ser primatas, com infecção raramente encontrada em outros animais, mas há fortes indicações de que o vírus é mantido nos mosquitos por meio de transmissão vertical (Carrington & Auguste, 2013). Em geral, quando há morte de bugios, vacina-se a população próxima à ocorrência das mortes dos primatas o mais rápido possível. Têm ocorrido falhas e atrasos, com óbitos que poderiam ser evitados se a epidemiologia da doença fosse realmente compreendida, e não vislumbrada, como no “mito da caverna” de Platão.

Para compreender a epidemiologia desta doença, seria preciso conhecer mais sobre a biologia dos principais vetores, associados a ocos de árvores. Quanto se sabe realmente de sua biologia no Brasil, da relação com outras formas neste complexo ambiente, com outros mosquitos, imaturos de libélulas, girinos, quironomídeos etc.? Como se pode compreender a ecologia dos mosquitos se não se for para a floresta, não necessariamente como Henry Thoreau, que passou mais de dois anos numa cabana na floresta, “sentindo a natureza”, mas com condições para estudar e compreender como vivem os mosquitos.

Não sei quantos e quais são os especialistas em mosquitos capacitados e com condições para realizar estudos como estes, e gostaria de saber se alguém sabe. Sei que há centenas de jovens com capacidade para analisar e modificar sequências de ácidos nucléicos e proteínas, lutando por um lugar ao sol e por financiamento. Minha impressão é que os especialistas em entomologia com conhecimento, disposição e apoio institucional para desenvolver estudos de ecologia, na qual a taxonomia é essencial, são uma espécie em extinção. Obviamente, os experts em biologia molecular são essenciais, inclusive para colaboração no diagnóstico da infecção nos mosquitos e na sua taxonomia, quando necessário.

É urgente fazer um cuidadoso levantamento dos profissionais disponíveis em entomologia médica e dar apoio para a formação de pessoal e fornecer infraestrutura suficiente para seu trabalho. Quando eu falo em entomologia médica, não se trata de pessoal treinado em algumas horas para achar larvas de Aedes aegypti e identificá-las, mas de pessoal adequadamente formado, se possível com doutoramento, auxiliado por técnicos capacitados. A formação de pessoal e a manutenção de trabalhos em entomologia médica é muito mais barata que a de profissionais em outros campos, e não se deve deixar extinguir este espécie fundamental para a saúde pública.

Quantas mortes no leste de Minas Gerais teriam sido evitadas se houvesse uma vigilância bem feita, não a que apenas espera chegar às autoridades sanitárias a notícia do “incêndio” (mortes de bugios), para então se correr para vacinar? E se fosse conhecido quem são os vetores em locais suspeitos, como eles vivem, quando estão na copa ou no solo, em que horário e condições atmosféricas eles voam, que animais eles preferem picar etc.? Nos ocos de árvores, sabe-se, por trabalhos realizados em outros países, que há uma grande diversidade, com interações complexas. Como se pode pensar no que e quando fazer se só vemos “sombras projetadas na parede da caverna”? Não estamos matando o “homem que voltou para a caverna para contar a realidade”, como na alegoria de Platão, mas o estamos deixando morrer de inanição, levando com ele as pobres vítimas do descaso. E se os nomes e as fotos dos que morreram de FA em Minas Gerais, vítimas do conhecimento incompleto da epidemiologia da FA e da vigilância pouco eficiente, fossem para o jornal das oito, como os dos jogadores de futebol?

Vamos continuar como estamos ou lutar para evitar novas mortes? “Uma morte é uma tragédia, cem mil são uma estatística”.

Vamos continuar como estamos ou lutar para evitar novas mortes?

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**