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Hepatite Delta: O vírus dos pobres

A Hepatite D representa um problema de saúde pública, principalmente na região da Amazônia Ocidental do Brasil. A doença afeta os mais invisíveis, como os ribeirinhos e os quilombolas

14/02/2018
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O vírus da Hepatite D atua como um parasita e precisa se ligar ao vírus da Hepatite B para que ocorra a infecção

A Hepatite D, também conhecida por Delta, é considerada a forma mais grave de Hepatite viral em humanos. Os dados chamam atenção ao evidenciarem que boa parte dos casos se prolifera em uma faixa endêmica localizada na Amazônia Ocidental brasileira (Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima), justamente uma das áreas mais pobres do País. Chamada de febre negra de Lábrea pelos amazonenses, a doença tem seus primeiros relatos no final de 1960 neste município. Fora do País é descrita na África Central e sul da Itália. Alguns estudos apontam a doença em comunidades quilombolas do Maranhão, o que pode significar a sua existência em outros quilombos no Brasil. Ainda pouco se sabe sobre a sua distribuição no restante do País e a ausência de estudos sistemáticos e mesmo da disponibilização de testes imunológicos com detecção do anticorpo antidelta IgG no Sistema Único de Saúde (SUS) não tem permitido avaliar a incidência e a prevalência dessa infecção fora da região amazônica.

Para melhor entender o vírus Delta, Rondônia está desenvolvendo algumas pesquisas que procuram a amplificação do genoma completo do vírus, tanto em população Indígena como Não-Indígena. De acordo com o Diretor do Ambulatório de Hepatites de Rondônia, Dr. Juan Miguel Villalobos Salcedo, atualmente sabe-se que os genótipos circulantes em Rondônia são o Tipo III (mais importante) e também o Tipo I (menos importante). Sobre a relação com a evolução clínica, ele ressalta que até o momento não foi identificado se algumas mutações podem interferir o curso. “Percebemos que no tratamento provavelmente não existe interferência”, diz.

O Dr. Salcedo, que também é Professor da Universidade Federal de Rondônia (Unir) e Pesquisador da Fiocruz-Rondônia, ressalta que a Hepatite Delta é a mais negligenciada, porém, nos últimos cinco anos autoridades do Ministério da Saúde e entidades de pesquisas têm dado importância a ela. “O Ministério da Saúde, representado pelo Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais (DIAHV), encabeçado pela Dra. Adele Benzaken, lançou em 2017 um pacote de ações para o controle da doença que envolve inicialmente os estados do Amazonas, Pará e Acre. São ações voltadas ao diagnóstico e ao tratamento dos pacientes afetados, para assim diminuir a prevalência da doença. Além disso, a Sociedade Brasileira de Hepatologia e de Infectologia tem abordado o tema em congressos nacionais recentes”, destaca.

Plano de Enfrentamento das Hepatites Virais na Região Norte com Foco em Hepatite Delta

O Plano tem como objetivo ampliar o acesso à prevenção, diagnóstico e tratamento das hepatites virais, com ênfase na hepatite B e Delta, nos estados da região Norte. Entre as prioridades estão: vigilância epidemiológica, prevenção, assistência e articulação com a sociedade civil. Segundo informações do DIAHV, essa estratégia deve ser replicada para as demais regiões do País, gradativamente. O objetivo é mapear a oferta de serviços de saúde para prevenção, diagnóstico e tratamento; além de identificar o itinerário terapêutico para ações efetivas; incrementar ações para a vigilância epidemiológica das hepatites B, C e D; incentivar a ampliação da cobertura vacinal e estimular ações para reduzir a transmissão vertical da Hepatite B. O Plano prevê a ampliação ao acesso na perspectiva da integralidade da atenção às hepatites virais por meio de estratégias que alcancem o maior número de pacientes infectados, assim como, a elaboração de ações voltadas à prevenção de novos casos.

De acordo com o DIAHV, o Plano encontra-se em sua primeira fase, com período de atuação até 2019. Os primeiros estados selecionados (Amazonas, Acre e Pará) foram em razão do perfil epidemiológico, populações específicas de difícil acesso e dificuldades de acesso aos serviços de saúde. Nesta primeira fase estão incluídos seis municípios: Barcarena e Santarém (PA), Tabatinga, Benjamin Constant e Atalaia do Norte (AM), e Sena Madureira (AC). Com enfoque na Hepatite Delta, foi realizado de 17 a 19 de julho de 2017, em Manaus, o Encontro Regional do Plano de Enfrentamento das Hepatites Virais na região Norte. O evento reforçou a importância da elaboração do Plano, assim como a necessidade de unir forças entre as esferas de governo municipal, estadual e federal, buscando a sua implementação de modo sustentável, com base na agenda 2030 da Organização Mundial de Saúde (OMS). Durante os três dias, representantes da gestão, dos serviços de saúde e da organização da Sociedade Civil tiveram a oportunidade de debater e propor ações que contribuam para o efetivo enfrentamento das hepatites virais nos estados do Amazonas, do Acre e do Pará até 2019.

Após o encontro de Manaus, o DIAHV reuniu-se com as coordenações estaduais de hepatites virais, que estão envolvidas na Fase I do Plano Amazônico, para elaboração do instrumento para monitorar as atividades que serão realizadas como o estudo de duas novas tecnologias: o papel filtro para realização de carga viral de hepatite B, e a utilização de esquema acelerado de vacina para hepatite B no Alto Solimões no AM, visto o desafio de logística para alcançar a população de difícil acesso.

Como se prevenir da Hepatite Delta

 O vírus da Hepatite D atua como um parasita e precisa se ligar ao vírus da Hepatite B para que ocorra a infecção. A transmissão e a prevenção também são similares as do tipo B, porém não há vacina contra a Hepatite D. “Aguardamos ainda novos medicamentos, que se encontram em Fase de Desenvolvimento Clínico I e II, para melhor tratamento dos pacientes. Nosso grupo tem feito Ensaios Clínicos para o tratamento da Hepatite Delta com resultados promissores”, enfatiza o Dr. Salcedo. Os problemas enfrentados pelos portadores da doença vão desde a falta de acesso à informação e à assistência, principalmente pelas condições geográficas, passando pela inexistência de medicamentos específicos para tratamento.

A forma mais eficaz para se prevenir é com a vacina para a Hepatite B. Além disso, em toda relação sexual deve ser utilizado o preservativo, bem como não compartilhar agulhas, seringas, alicates, entre outros materiais cortantes. No salão, o ideal é levar o próprio material. Se for colocar piercings ou fazer tatuagens, o procedimento deve ser realizado em locais seguros verificando se todo o material é descartável e/ou esterilizado. As grávidas devem realizar exames para verificar se possuem Hepatite, pois o diagnóstico permite que o médico indique a melhor maneira para tentar evitar a transmissão ao bebê.

Dados sobre a Hepatite Delta no Brasil

Entre 1999 e 2016, foram notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) 3.791 (0,7%) de Hepatite D. Neste período, foram notificados 212.031 casos confirmados de Hepatite B e 3.791 de Hepatite Delta no País; sendo que a região Norte notificou 30.213 casos da B e 2.911 da Delta – o que representa cerca de 80% do total de casos do Brasil. (Boletim Epidemiológico de Hepatites Virais, 2017).

A região Norte concentra 76,8% dos casos, enquanto as regiões Sudeste, Sul, Nordeste e Centro-Oeste abrangem 9,8%, 5,3%, 5,0% e 3,1% dos casos, respectivamente. Na opinião do Dr. Salcedo, a concentração do vírus Delta na Amazônia Ocidental, provavelmente corresponde a fatos relacionados aos movimentos migratórios do passado e, talvez, à formação de um bolsão de transmissão que ficou concentrado no local, que no passado, com pouco acesso, restringiu a disseminação para fora. “Estudamos ainda a possibilidade de Primatas Não-humanos, serem fonte de reservatório deste vírus na região”, pontua.

Os casos notificados demonstram que a população infectada é mais jovem; 52,3% possuem entre 20 e 39 anos. Aproximadamente 15,3% têm idade superior a 50 anos. A predominância é no sexo masculino (57,2%), embora a diferença entre o número em homens e mulheres esteja diminuindo ao longo dos anos. A maioria dos casos ocorre entre os pardos (65,0%), seguidos dos brancos (19,3%), indígenas (8,4%), pretos (5,6%) e amarelos (1,8%).