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HIV: Uso de anticorpos neutralizantes chama atenção da comunidade científica, diz Esper Georges Kallás

Para o infectologista, o emprego de anticorpos neutralizantes para tentar curar a infecção viral é um objetivo teórico, mas que está além das demonstrações de tratamento e prevenção

12/12/2017
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O nosso projeto colaborativo Believe busca explorar formas de curar a infecção pelo HIV usando estratégias que empregam reeducação de células para atuar especificamente contra o vírus

Desde o surgimento da epidemia de Aids, há 36 anos, os cientistas fizeram grandes avanços no tratamento da doença. Há muita esperança no desenvolvimento de uma cura eficaz que possa ser empregada em grande escala. E a perspectiva de a ciência dominar uma maneira de eliminar o HIV parece estar mais próxima. Para o infectologista Esper Georges Kallás, a descoberta de anticorpos cada vez mais potentes está encantando esta área de pesquisa. Ele explica que já há anticorpos que, em baixas concentrações, neutralizam mais de 96% dos isolados do HIV e chegam a ter meia vida no sangue que pode ultrapassar 6 meses. “O uso de anticorpos neutralizantes vem ganhando muita atenção da comunidade científica e já há estudos em fase III que avalia o VRC01 (um dos primeiros anticorpos produzidos para uso em humanos) na prevenção da infecção pelo HIV”, ressalta.

Outros estudos clínicos já estão avaliando anticorpos neutralizantes para tratar pessoas que vivem com o HIV. O emprego de anticorpos neutralizantes para tentar curar a infecção viral é um objetivo teórico, mas que, segundo o especialista, está além das demonstrações de tratamento e prevenção. “Acho que precisamos analisar tais fatos para saber se serão suficientemente capazes de eliminar o vírus”, destaca ao frisar que o seu grupo na Universidade de São Paulo (USP) está participando de um projeto colaborativo chamado BELIEVE, que visa explorar formas de curar a infecção pelo HIV usando estratégias que empregam reeducação de células para atuar especificamente contra o vírus.

Embora ele seja otimista sobre o avanço da pesquisa na área de desenvolvimento de uma forma de curar o HIV, admite ser necessário aumentar o investimento na área e capacitar novos pesquisadores, no Brasil e em outros países. “Somente o aumento da massa crítica de pesquisadores aumentará as chances de acontecer”, salienta ao lamentar que o número de pesquisadores que se dedicam ao estudo da infecção pelo HIV no Brasil caiu proporcionalmente com o passar dos últimos anos. “Agravado pela crise de financiamento público na ciência brasileira temos visto muitos jovens talentos deixando a área, ou migrando para outras atividades, ou deixando o País”, alerta.

Para evitar isso, o médico defende ser fundamental reforçar a noção de que uma ciência forte é indissociável de uma nação forte. Em sua opinião, quebrar o fluxo de investimento terá consequências graves, que serão percebidas nos próximos anos, porque o investimento em pesquisa não visa resultados em um único projeto; acaba criando infraestrutura que auxilia a área de pesquisa na infecção pelo HIV como outras áreas do conhecimento. “Um exemplo foram as enormes contribuições de pesquisadores brasileiros, alguns que estudavam o HIV, para o entendimento da epidemia de Zika”, lembra.

Tratamento das pessoas que vivem com HIV

Sobre o tratamento antirretroviral disponibilizado no Brasil, o infectologista garante ser excelente. “Contamos com a pílula única (3TC, TDF, EFZ) e, desde o começo do ano, todos os recém diagnosticados podem receber combinação de duas pílulas diárias, que induz uma frequência muito baixa de efeitos colaterais (3TC, TDF e dolutegravir). A adesão ao tratamento vem aumentando e, em alguns lugares, mais de 90% das pessoas tratadas estão com carga viral do HIV indetectável no sangue.

Na opinião do Dr. Kallás é possível melhorar o tratamento das pessoas que vivem com HIV no mundo. O uso de remédios injetáveis de longa ação se colocou como alternativa, o que permitiria a supressão viral com injeções que poderiam ser feitas a cada um ou dois meses. Outras estratégias, incluindo o uso de anticorpos neutralizantes com longa meia vida plasmática também vêm sendo explorada. “Um tratamento injetável favoreceria a qualidade de vida e a adesão ao uso em pessoas que têm dificuldade de tomar as pílulas todos os dias. Mas são precisos mais resultados e novos estudos para chegar a esta conclusão”, admite.

Medicamento brasileiro para pacientes com HIV

As pessoas que vivem com HIV têm risco um pouco mais alto de desenvolver doença cardiovascular. A pitavastatina e similares são drogas muito utilizadas para reduzir níveis de colesterol e, consequentemente, diminuir o risco cardiovascular nessas pessoas. O doutor Kallás menciona que está em andamento um grande estudo para avaliar se a pitavastatina conseguirá ou não reduzir eventos cardiovasculares nessas pessoas e nas que apresentam baixo risco para tais desfechos.

Este estudo foi apelidado de REPRIEVE e conta com a participação de vários centros brasileiros, incluindo a USP. “Estamos em fase de inclusão de voluntários”, pontua ao acrescentar que outra vertente no estudo das estatinas na infecção pelo HIV e seu efeito na redução de inflamação, observado por vários pesquisadores, será para analisar se o uso crônico de estatinas pode reduzir a inflamação causada pelo vírus e beneficiar desta outra forma.

Apesar dos avanços, o Brasil é o país que mais concentra casos de novas infecções por HIV na América Latina e responde por 49% das novas infecções – segundo estimativas do UNAIDS. Ainda segundo os dados, das 4.500 novas infecções por HIV em adultos em 2016, 35% ocorreram entre jovens de 15 a 24 anos. Enquanto quase todos os pacientes perguntam aos seus médicos quando a cura do HIV estará disponível, no Brasil, a cada 15 minutos, uma pessoa é infectada com o vírus HIV. O crescimento de Aids na juventude (15 a 24 anos) continua sendo uma preocupação e as ações nesse segmento devem ser intensificadas. O número de mortes relacionadas à Aids no País foi estimada pelo UNAIDS em 14.000 [9.700 – 19.000] em 2016.