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Malária: cientista português reconhece avanços, mas alerta para necessidade de manter esforços

Doutor Henrique Silveira acredita que, se esforços não forem mantidos, conquistas obtidas na luta contra a doença serão perdidas

13/11/2015
Malária_sbmt

De acordo com o especialista, para eliminar a doença é necessário que ela seja vista de uma forma abrangente, a partir da melhoria dos sistemas de saúde, da equidade ao seu acesso, e das condições sanitárias e socioeconômicas

Segundo um recente relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), a taxa de mortalidade de malária no mundo diminuiu 60% desde o ano 2000. Isso quer dizer que cerca de 6,2 milhões de vidas foram poupadas nos últimos 15 anos – dessas, cerca de 6 milhões crianças com menos de cinco anos, especialmente as que vivem na África subsaariana. Apesar desse grande avanço, para o doutor Henrique Silveira, investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT) de Portugal, é preciso manter o esforço feito até hoje no controle da doença para que não se corra o risco de perder todas as conquistas nessa luta.

“São necessários esforços conjuntos e concentrados dos diferentes intervenientes que vão dos financiadores internacionais às comunidades locais sem esquecer um forte empenho político nos países onde a malária continua a ser um grave problema de saúde publica”, explicou o doutor Henrique, em entrevista exclusiva à Sociedade Brasileira de Medicina Tropical.

Veja, abaixo, a íntegra da entrevista:

SBMT: Apesar dos avanços no combate à malária nos últimos 15 anos, o senhor disse em entrevista recente que ainda há um longo caminho a percorrer para o controle da doença. Quais são as principais ações que devem ser tomadas para atingir esse objetivo, especialmente nos países pobres?

Dr. Henrique: Embora nos últimos 15 anos a incidência e a mortalidade devido à malária tenham diminuído significativamente (37% e 60% respetivamente) e estarmos em fase de eliminação e pré-eliminação em vários locais do mundo, é necessário manter o esforço despendido, para não corrermos o risco de todas estas conquistas se desvanecerem. São necessários esforços conjuntos e concertados dos diferentes intervenientes que vão dos financiadores internacionais às comunidades locais sem esquecer um forte empenho político nos países onde a malária continua a ser um grave problema de saúde publica. Neste contexto a pesquisa é fundamental para estarmos à frente das dificuldades que se vão impondo no terreno como a resistência aos fármacos e aos inseticidas, a inexistência de vacinas com alta eficácia, a informação atual e de qualidade do que se passa no terreno e características específicas que advêm da nova realidade de pré-eliminação/eliminação.

Ameaças emergentes ou reemeregentes como a resistência aos antimaláricos e aos inseticidas são problemas que necessitam de parcerias multissectoriais, abordagens multidisciplinares e colaboração regional (a malária não tem fronteiras) e internacional. Mas, sobretudo, a eliminação da malária, para ser possível, necessita ser vista de um ponto de vista abrangente de melhoria dos sistemas de saúde, da equidade ao seu acesso, e das condições sanitárias e socioeconômicas.

SBMT: Os organismos internacionais, especialmente a OMS, deveriam atuar de forma mais incisiva nos países mais afetados pela doença?

Dr. Henrique: Existe sempre possibilidade de melhoria, mas nos últimos anos têm havido concertação entre os principais intervenientes dos quais a OMS tem sido um componente importante.

SBMT: Como os países pobres poderiam investir de forma mais eficiente no combate à malária?

Dr. Henrique: Em primeiro lugar, deveriam delinear estratégias de melhoria dos seus sistemas de saúde e do acesso universal a este, assim como das suas condições sócio-sanitárias, com um forte investimento em recursos humanos especializados. Deste modo, diminuiriam a dependência das estratégias por vezes não concertadas dos diferentes intervenientes.

SBMT: Há expectativa de quanto tempo a malária poderá ser erradicada ou controlada?

Dr. Henrique: Esta é uma pergunta a que não lhe sei responder, mas a estratégia adotada pela OMS e Roll Back Malaria Partnership prevê uma redução de 90%, até 2030, dos casos da mortalidade atuais e a eliminação da malária em 35 países.

SBMT: Em quanto tempo uma vacina efetiva contra a malária deve estar disponível no mercado? Essa solução, ainda assim, é insuficiente?

Dr. Henrique: Após a aprovação este ano da vacina RTS,S/AS01 pela Agência Europeia do Medicamento, deixa esta meta mais próxima, mas é necessário ainda a aprovação por outras agências de medicamento como a FDA, sendo preciso definir as recomendações para o seu uso que serão emitidas pela OMS e pelas autoridades dos países onde será utilizada. Mesmo assim, é necessário relembrar que a sua eficácia é baixa, prevenindo a malária apenas em 56% de crianças de 5-17 meses e 31% em crianças de 6-12 semanas.

SBMT: Falta mais efetividade no combate ao mosquito transmissor?

Dr. Henrique: O combate ao mosquito vetor é um fator fundamental para o controle da malária, e os programas de sucesso possuem este componente bem estruturado e desenvolvido. Por necessitar de logística e de especialistas específicos, por vezes, é deficitária em alguns programas/locais.

O investimento no estudo do mosquito e no ciclo de vida do parasita no mosquito é fundamental. Pesquisas com forte componente entomológica que nos ajudem a compreender a interação entre o parasita e o mosquito, os mecanismos de resistência aos inseticidas, novos inseticidas, novas metodologias de bloqueio da transmissão e de controle populacional dos mosquitos são necessárias para atingirmos o objetivo de eliminar a malária num futuro próximo.