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Missão científica brasileira busca entender biodiversidade do Polo Norte

Descongelamento do solo Ártico pode desprender organismos congelados há muito tempo, originando consequências desconhecidas, como novas pragas e doenças

14/03/2024

Após mais de 40 anos de estudos na Antártida, pesquisadores brasileiros realizam primeira expedição ao outro polo do planeta para estudar fungos, musgos e solos congelados no Ártico

Em uma expedição científica inédita, realizada entre os dias 8 e 21 de julho de 2023, cinco pesquisadores brasileiros, Dr. Luiz Henrique Rosa e Dra. Vívian Nicolau Gonçalves, do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Dr. Paulo Câmara e Dra. Micheline Carvalho-Silva, do Departamento de Botânica da Universidade de Brasília (UnB) e o Dr. Marcelo Ramada, da Universidade Católica de Brasília (UCB), acompanhados pelo Dr. Peter Convey, do British Antarctic Survey, se dedicaram a desvendar os segredos da diversidade de micro-organismos e plantas do Ártico e compreender os impactos das mudanças climáticas não apenas localmente, mas em escala global. Eles exploram a Ilha de Longyearbyen, no arquipélago de Svalbard, localizado na Noruega. A missão marcou o ingresso oficial do Brasil na pesquisa no Polo Norte, após mais de 40 anos de estudos no Polo Sul.

Durante a Missão Ártico I, diferentes amostras de solo, sedimentos, rochas e plantas foram coletadas para análise da biodiversidade local. No primeiro dia da expedição, a equipe utilizou um bote para acesso a diferentes áreas dentro do fiorde Isfjorden, em uma coleta que durou aproximadamente 10 horas. Nos dias subsequentes, foram realizadas coletas para verificar a biodiversidade de fungos, bactérias, invertebrados e musgos que ocorrem no entorno de Longyearbyen. A Dra. Vívian Nicolau Gonçalves, do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, conta que a equipe improvisou um laboratório temporário nesta cidade, a maior do arquipélago, e que parte das amostras teve o processamento iniciado por lá mesmo, onde o foco foi caracterizar a biodiversidade presente a partir do DNA dos organismos presentes nas amostras. Posteriormente, o DNA extraído foi enviado para sequenciamento e os resultados estão neste momento sendo analisados por um dos colaboradores. “Estamos ansiosos para ter acesso às informações e estudá-las com calma. Dadas as condições muito mais amenas do que as encontradas, por exemplo, no verão antártico, esperamos encontrar uma diversidade muito maior nas amostras coletas no Ártico”, conclui.

Foto: Dr. Luiz Henrique Rosa

O Dr. Luiz Henrique Rosa, professor do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, um dos coordenadores da Operação Ártico I, destaca que existe uma grande expectativa em relação à possibilidade de que a comunidade de micro-organismos coletada seja capaz de produzir substâncias de interesse industrial, como biossurfactantes (detergentes), herbicidas naturais para uso na agricultura, anticongelantes e várias outras substâncias para aplicações biotecnológicas. “Queremos entender como esses organismos estão sendo liberados, principalmente aqueles debaixo da geleira, os quais podem produzir substâncias de interesse biotecnológico”, diz. Além disso, segundo o pesquisador, a ideia é correlacionar a biodiversidade do Ártico com o drástico efeito das mudanças climáticas na região.

Foto: Dr. Luiz Henrique Rosa

Derretimento do gelo Ártico preocupa

A expedição revelou preocupações alarmante com o derretimento acelerado do gelo e as mudanças drásticas nas temperaturas, o que mostra a urgência de ações para conter tais efeitos. Segundo o Dr. Rosa, durante a missão, a equipe se deparou com temperaturas positivas que variavam entre 8 e 15ºC, o que não é normal, mesmo no verão boreal, para a latitude 78ºN (dentro do Círculo Polar Ártico). O professor lembra que em um dos dias foram coletar amostras próximo a geleira Longyearbreen, que tem derretido cerca de 10 metros a cada ano. Para ele, essa é uma constatação alarmante, considerando que os polos Norte e Sul representam os refrigeradores do planeta.

Há ainda outro efeito possível das mudanças climáticas na região, segundo o Dr. Rosa, organismos que estão congelados há muito tempo no Permafrost, camada do subsolo que está permanentemente congelada, podem se desprender, originando consequências ainda desconhecidas, como novas pragas e doenças capazes de afetar animais (incluindo o homem) e plantas de importância agrícola. “O descongelamento dessa camada de solo pode implicar ainda na liberação de metano produzido por bactérias, anteriormente presas no gelo e agora liberadas e com seus metabolismos ativos, o que aumentaria o efeito estufa. Infelizmente, não temos como saber ao certo que consequências essas mudanças climáticas, principalmente o aumento da temperatura global, podem ter em todo o planeta. Há regiões que vão sofrer com isso, ilhas já estão ficando submersas. Isso pode ocasionar também a perda da biodiversidade, com a morte de organismos que vivem apenas nesses ambientes e que, com o aquecimento, podem não sobreviver”, atenta.

Presença brasileira, passo importante na pesquisa e na conservação

O Brasil é o único país entre as 10 maiores economias do mundo a não ter nenhuma participação efetiva nos temas relativos ao Ártico. A primeira missão oficial do Brasil ao Polo Norte, contribui para que o País assine o tratado de Svalbard para continuar pesquisas em diferentes áreas do conhecimento na região. Futuramente, também pode pleitear assento como membro observador do Conselho do Ártico e assinar o Tratado do Ártico, o que pode contribuir para que apresente propostas científicas e geopolíticas pacíficas de preservação e pesquisa para região, como é feito para a Antártica.

Uma segunda expedição para uma compreensão mais completa do Ártico e seu impacto global já está sendo planejada. O Dr. Rosa antecipa que um novo projeto, para mais quatro anos de estudos no Polo Norte e Sul, foi aprovado. Nele estão previstas duas novas coletas no Ártico, provavelmente em julho, durante o verão boreal. “Vamos explorar outros locais e assim prospectar a biodiversidade na Groenlândia e na Islândia. Também pretendemos voltar a Svalbard, entre dezembro de 2024 e fevereiro de 2025, durante o inverno Ártico, para estudar os organismos que ocorrem no ar e na neve neste período e retornar à geleira Longyearbreen, que está morrendo, para seu monitoramento”, finaliza.

Compreender a diversidade e o funcionamento dos micro-organismos é crucial para desvendar os mistérios do Ártico e ajudar a entender como as mudanças climáticas podem afetar esse delicado equilíbrio ecológico. Além disso, os estudos prometem abrir novas oportunidades para a biotecnologia e a conservação da biodiversidade, bem como a presença de pesquisadores brasileiros no Ártico contribui para o melhor entendimento e conservação do Polo Norte, consequentemente, também do Polo Sul. À medida que os cientistas seguem explorando o Ártico, novas descobertas são esperadas e devem revelar ainda mais sobre a incrível adaptação da vida aos ambientes mais extremos da Terra. O estudo da biodiversidade das regiões mais extremas e desafiadoras do planeta não apenas amplia nosso conhecimento sobre o mundo natural, mas também destaca a importância de proteger esses ecossistemas únicos e frágeis para as futuras gerações.

Saiba mais:

Soil Fungal Diversity and Ecology Assessed Using DNA Metabarcoding along a Deglaciated Chronosequence at Clearwater Mesa, James Ross Island, Antarctic Peninsula

Selection of Antarctic yeasts as gray mold biocontrol agents in strawberry

 

 

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**