Notícias

Agenda com prioridades de pesquisa do MS não contemplou doença de Chagas, lamenta Dr. Pedro Tauil

Para evitar o retorno da transmissão domiciliar da doença de Chagas é necessário manter a vigilância entomológica na área anteriormente endêmica e pesquisas para prevenir esse eventual retorno. É preciso ainda pesquisar medidas mais eficazes de controle da transmissão oral

04/02/2019
width=450

A pesquisa científica e tecnológica em saúde é considerada um componente indispensável à melhoria das ações de promoção, proteção e recuperação da saúde da população

O Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit/SCTIE/MS) publicou em janeiro a Agenda de Prioridades de Pesquisa do Ministério da Saúde (APPMS). O documento tem como objetivo alinhar as prioridades atuais de saúde com as atividades de pesquisa científica, tecnológica e inovação e direcionar os recursos disponíveis para investimento em temas de pesquisas estratégicos. A construção de um sistema de ciência, tecnologia e inovação para a saúde e a definição de prioridades de investigações têm contribuído ainda para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da incorporação de novos conhecimentos e tecnologias.

O médico epidemiologista e docente do Núcleo de Medicina Tropical Universidade de Brasília (UnB), o Professor Emérito Dr. Pedro Tauil, assinala que a APPMS é bem ampla e contempla a maioria dos problemas enfrentados pelas ações de saúde no Brasil, no momento. Entretanto, ele observa que, por exemplo, em relação à doença de Chagas, em que o Brasil foi responsável por 70% das mortes no mundo em 2017, a Agenda não contemplou nada a respeito. “Estamos vivendo o risco do retorno da transmissão domiciliar e a necessidade de controle da transmissão oral, por alimentos contaminados existe. Penso que são necessárias pesquisas para prevenir o retorno da transmissão domiciliar e o controle da transmissão oral da doença”, alerta.

Questionado sobre o que se pode esperar da APPMS para pesquisas relacionadas às doenças negligenciadas, quando, por exemplo, em 2017, o Brasil registrou quase metade de todos os novos casos de dengue na América Latina e Caribe, foi responsável por 70% das mortes no mundo por doença de Chagas e contribuiu com 93% dos novos casos de hanseníase nas Américas, com quase 66 mil casos em 2017, o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, do Ministério da Saúde, Denizar Vianna de Araújo, pondera que o Brasil, por ser um país continental e corresponder a quase 40% da população da América Latina, concentrará, em números absolutos, uma alta incidência de casos em eventos epidêmicos. “Nesse contexto, as pesquisas sobre dengue, hanseníase, doença de Chagas e outras doenças negligenciadas continuarão sendo contempladas como temas prioritários nos diversos eixos da APPMS. Essas temáticas poderão ser financiadas por meio de chamadas públicas, que serão lançadas pelo Ministério da Saúde nos próximos anos”, esclarece.

De acordo com relatório publicado no final de janeiro pelo G-Finder, organismo internacional que analisa dados de investimento em pesquisa para desenvolvimento de produtos em saúde de mais de 200 organizações privadas, públicas e filantrópicas, o Ministério da Saúde está no TOP 12 mundial dos financiadores para pesquisas relacionadas à dengue. Ainda de acordo com o relatório, o Órgão, por meio da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, foi o quarto maior financiador de estudos relacionados ao controle de vetores ligados às doenças negligenciadas.

Cortes de recursos e gastos públicos

O presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), Dr. Sinval Pinto Brandão Filho, atenta que os pesados cortes de recursos para a área de Ciência e Tecnologia feitos pelo Governo Federal nos últimos tempos têm levado a produção científica brasileira a uma situação bastante difícil e precária e, em sua opinião, certamente a APPMS acaba atingida por eles, uma vez que muitos dos projetos em desenvolvimento estão no rol de seu âmbito. Em relação aos danos causados pelos cortes no orçamento científico do Brasil, em torno da metade do montante disponível nos últimos anos, o Dr. Sinval é categórico ao afirmar que isso trará um impacto bastante negativo na continuação de estudos relevantes em várias instituições brasileiras, conforme tem alertado a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e suas entidades associadas, como a SBMT, em contínuas reuniões na comissão de Ciência Tecnologia e Inovação (C&TI) do Congresso Nacional e em seus fóruns de discussão.

O Dr. Pedro Tauil concorda. Segundo ele, o efeito da ruptura gerada pelos cortes sobre a produção científica nos últimos anos são muito grandes e desestimulantes para os pesquisadores. Ele salienta que de maneira nenhuma a APPMS entra no mérito dessa questão. “É apenas uma relação dos principais problemas identificados. Deveria chamar a atenção para o fortalecimento das fontes de financiamento dessas pesquisas”, justifica. Ele chama a atenção para o fato de que a dinâmica de uma pesquisa nem sempre permite que ela seja interrompida e retomada, pois se podem perder esforços às vezes irrecuperáveis. “Não é fácil montar e manter equipes de pesquisa. A interrupção de um financiamento, por exemplo, pode desestruturar uma equipe, estimulando pesquisadores a, inclusive, pensar em se transferir para o estrangeiro”, acrescenta.

Indagado se o impacto da aprovação da emenda constitucional, que estabelece um teto de gastos públicos para o Governo Federal ao longo dos próximos 20 anos, influenciou a APPMS, o secretário Denizar Vianna de Araújo ressalta que a Agenda de Prioridades foi elaborada a partir dos principais problemas de pesquisa identificados pelas áreas técnicas e gestores de todas as secretarias do Ministério da Saúde, com o objetivo de subsidiar as decisões sobre financiamento de pesquisas estratégicas para o SUS. “A APPMS foi pensada justamente com o objetivo de otimizar os resultados e o planejamento em saúde, evitar a duplicidade de financiamento das pesquisas, redirecionar os esforços, fortalecer a articulação com as instituições e órgãos parceiros, entre outros”, assinala.

O impacto do corte de recursos tem motivado muitos pesquisadores a deixar o Brasil e buscar refúgio em países e universidades onde consigam verba para desenvolver seus trabalhos. De acordo com o Dr. Sinval, essa situação só pode ser revertida com a retomada dos investimentos orçamentários, recuperando e até mesmo ampliando patamares almejados razoáveis para um país da dimensão do Brasil e de sua comunidade cientifica, e que estão na pauta conjunta da SBPC e suas entidades associadas. Ele reconhece que a APPMS tem elevada importância, uma vez que insere na pauta, em um momento importante de mudança de governo, os temas prioritários de pesquisa, alguns já em andamento, e outros a serem desenvolvidos em novos projetos. “Sempre somos esperançosos de que ocorra uma reversão do quadro atual do impacto negativo dos cortes e como a APPMS está sempre se atualizando, esperamos que sejam mantidos os pontos que permanecem em evidência para priorização quando do momento oportuno de atualização deste importante documento”, completa.

O secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde esclarece que a APPMS é um documento de caráter consultivo que além de oferecer suporte para o planejamento estratégico, representa uma importante ferramenta de articulação com institutos e fundações de fomento à pesquisa, visando o estabelecimento de parcerias (públicas e privadas) para potencializar o financiamento de pesquisas em saúde e direcionar esforços para temas estratégicos e de relevância para o SUS. Ele explica ainda que a APPMS é um documento de caráter consultivo e será um instrumento norteador do fomento à pesquisa em saúde pelo Ministério da Saúde, em especial, na atuação do Departamento de Ciência e Tecnologia. Segundo ele, o fomento à ciência e tecnologia no âmbito do Ministério da Saúde tem se mantido estável nos últimos três anos e as ações planejadas têm sido realizadas com regularidade. “O financiamento de pesquisas em saúde do MS não se restringe ao Decit, há outras áreas que também trabalham com o fomento à pesquisa”, finaliza.