Notícias

Morte por febre amarela urbana pode ligar sinal de alerta na rede de saúde do País

Apesar do caso parecer atípico, investigações dirão se há necessidade de mudanças nos protocolos de combate à doença

11/01/2016
img-dengue

IEC recebeu o material do caso com a suspeita clínica de dengue hemorrágica, mas resultado foi negativo. Foram realizados outros exames confirmando febre amarela

O último caso de transmissão urbana de febre amarela no País havia ocorrido em 1942, no Acre. Por isso, a morte pela doença na cidade de Natal (RN) tem recebido uma atenção especial das autoridades sanitárias. Caso a vítima tenha adquirido a infecção de forma natural, a rede de saúde brasileira poderá entrar em alerta. É o que acredita o doutor Pedro Vasconcelos, virologista e ex-diretor do Instituto Evandro Chagas (IEC), no Pará.

Foi o IEC que elaborou o laudo confirmando a recente morte por febre amarela urbana. Em entrevista à Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, o doutor Vasconcelos explica como tem sido a análise do caso. Ele acredita que as investigações dirão se há necessidade de mudanças nos protocolos de combate a doença, apesar de, inicialmente, tratar-se de um caso atípico.

Veja, abaixo, a íntegra da entrevista:

SBMT: Como foi a investigação do caso?

Dr. Pedro Vasconcelos: Primeiro é importante esclarecer que o IEC recebeu o material do caso com a suspeita clínica de dengue hemorrágica. Após a realização dos exames para dengue terem apresentado resultados negativos, é hábito no Instituto realizar outros exames para doenças com quadro clínico parecido (diagnóstico diferencial em vigilância sindrômica) em busca de um esclarecimento do diagnóstico etiológico. E assim, foram realizados outros exames para febres hemorrágicas incluindo febre amarela que mostrou resultado positivo na imunohistoquímica (IHQ). O resultado foi surpreendente, eu diria mesmo inesperado. Desse modo foram realizados novos exames de IHQ usando soros específicos para febre amarela tanto policlonal quanto monoclonal, e os resultados se confirmaram como positivo para febre amarela. Em face desse achado, toda uma investigação acerca de viagens e antecedentes vacinais da paciente foram conduzidos pela SVS-MS e, aparentemente não se obteve êxito em esclarecer possível viagem para a área endêmica nem o de ter recebido vacina anti-amarílica. Também foi desencadeada investigação eco-epidemiológica para captura de mosquitos vetores potenciais do vírus da febre amarela. Esses estudos estão em desenvolvimento.

SBMT: O resultado indica sinal de alerta para a rede de saúde brasileira?

Dr. Pedro Vasconcelos: Caso se confirme tratar-se de infecção naturalmente adquirida, sim. Pois pode significar a reintrodução da febre amarela numa área onde os últimos casos ocorreram há cerca de 80 anos. É preciso excluir a possibilidade de doença viscerotrópica aguda pela vacina 17DD, cujos casos iniciais ocorridos no Brasil em 1999 foram publicados em 2001 no The Lancet, um dos mais respeitados jornais científicos e eu tive a honra e privilégio de conduzir a publicação do artigo. É óbvio que, se for caso de febre amarela naturalmente adquirida, será necessário estender a vigilância vetorial urbana (Aedes aegypti) e silvestre (Haemagogus e Sabethes), bem como dos hospedeiros primários em busca de identificar epizootias em primatas não humanos, e dependendo dos resultados pode ser necessário realizar vacinação em parte da população.

SBMT: Há suspeitas de outras mortes devido à doença?

Dr. Pedro Vasconcelos: Que eu saiba não. Aparentemente foi um caso isolado, o que é muito estranho.

SBMT: Deve haver mudanças nos protocolos de combate à doença ou o caso pode ser tratado como atípico?

Dr. Pedro Vasconcelos: Tudo vai depender das investigações que estão sendo conduzidas pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), Secretaria de Estado de Saúde do Rio Grande do Norte e IEC. Em princípio poderia ser considerado como um caso atípico, mas é preciso esperar pelos resultados das investigações. É conhecido que prudência não faz mal a ninguém.

SBMT: Como a morte por febre amarela vem sendo recebida pela comunidade científica?

Dr. Pedro Vasconcelos: Com reserva, mas com tranquilidade, pois a vigilância está ativa e sensível, além de apta a detectar precocemente outros casos se eventualmente virem a acontecer. Lembro que em 2008, no Paraguai, ocorreu um surto de febre amarela urbana na periferia da Grande Assunção, e as ações de controle vetorial combinadas com a vacinação da população exposta eliminou a transmissão que ficou restrita a um cluster com nove casos da doença. Portanto, as medidas são conhecidas e podem ser adotadas imediatamente se ocorrer um novo caso humano, ou uma epizootia (morte de macacos pelo vírus da febre amarela) ou mesmo o vírus vir a ser detectado em mosquitos vetores potenciais. O Ministério da Saúde junto com a Secretaria Estadual de Saúde estão alertas e prontos para intervir caso seja necessário.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**