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Novo campo da medicina pode ajudar a lidar com doenças infecciosas endêmicas e emergentes

De acordo com a Dra. Montira Pongsiri, a Saúde Planetária é um novo jeito de pensar sobre a saúde do nosso planeta e pode ajudar na prevenção de ameaças futuras

07/11/2017
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Talvez tenhamos hipotecado o futuro ao atingirmos nosso atual nível de saúde e desenvolvimento

De acordo com o artigo The need for a systems approach to planetary health, publicado em outubro deste ano, a Saúde Planetária foi lançada para entender melhor e abordar as formas com que os impactos do homem prejudicam a saúde da população através dos seus impactos sobre sistemas naturais. A Saúde Planetária oferece novas maneiras de: produzir uma base de evidências que caracterizam as relações complexas entre ambiente global e saúde humana; desenvolve pesquisas transdisciplinares com os usuários finais, criando soluções potenciais para mudanças transformadoras.

Para saber mais sobre o assunto, a assessoria de imprensa da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) entrevistou a Dra. Montira Pongsiri, que trabalhou na Fundação Rockefeller – Comissão Lancet em Saúde Planetária. Dra. Montira é atualmente pesquisadora Sênior Associada na Universidade Cornell (EUA) e já trabalhou na Agência de Proteção Ambiental dos EUA, onde desenvolveu e liderou uma iniciativa de pesquisa sobre biodiversidade e saúde humana, onde estudou os elos entre estressores antropogênicos, mudanças na biodiversidade e transmissão de doenças infecciosas.

SBMT: O que se entende por saúde planetária e quão diferente é da saúde global e da Medicina Tropical?

Dra. Montira Pongsiri: De modo simples, saúde planetária é a saúde da civilização e o estado dos recursos naturais dos quais ela depende. A saúde planetária prega que devemos prestar atenção ao estado dos recursos naturais dos quais a saúde humana depende. A menos que mudemos dramaticamente a maneira que vivemos e mudamos nossos recursos naturais, como oceanos, rios, florestas e o clima, nós colocamos a saúde da civilização humana em risco. Nós temos explorado nossos recursos naturais a fim de atender nossa saúde e desenvolvimento no presente. Em resumo, nós hipotecamos nosso futuro em função de nossa saúde e desenvolvimento. Enquanto tivemos progressos mensuráveis em saúde e desenvolvimento nos últimos 50 anos – aumento da expectativa de vida, declínio significativo na mortalidade infantil (0-5 anos), considerável declínio na porcentagem da população global vivendo em extrema pobreza – nós estamos vivenciando mudanças ambientais sem precedentes (forte aumento no uso de água e energia, desmatamento, secas extremas, mudança climática com aumento dos gases de efeito-estufa, perda de biodiversidade) que ameaçam reverter esses progressos e que ameaçam nossa expectativa de desenvolvimento sustentável. Deste modo, ações e soluções urgentes, integradas e transformativas são necessárias para proteger as gerações do presente e do futuro. Saúde planetária tem foco no melhor entendimento da relação saúde humana/mudança ambiental; e, mobilizando a base de evidências na relação alteração ambiental/saúde gerando soluções em políticas integradas que buscam sustentabilidade ambiental bem como saúde humana e desenvolvimento.

A Fundação Rockefeller – Comissão Lancet em Saúde Planetária analisou a dimensão dos riscos à saúde humana causados por mudanças ambientais que nós, humanos, estamos provocando. A Comissão concluiu que nós precisamos abordar saúde global e a prática em saúde global de formas distintas, de modo a integrar um entendimento de como nossa base de sistemas na Terra afetam maiores determinantes de saúde. Saúde planetária é diferente por que parte da premissa de que nossa saúde depende do estado dos recursos naturais, sobretudo, existe um acordo de que saúde global pode ser melhorada e que o caminho de desenvolvimento sustentável pode ser percorrido de forma positiva se os dirigentes e as consequências de mudança ambiental forem compreendidos, refletidos em políticas e planejamentos e, atendidos.

A saúde planetária oferece uma estrutura de organização coerente e coesa para implementar a agenda 2030 através de abordagens integradas para planejar e alcançar as metas em saúde, meio ambiente e desenvolvimento sustentável simultaneamente.

A saúde planetária apresenta a oportunidade de utilizar abordagens multissetoriais e baseada em sistemas para produzir uma base de evidências útil, caracterizando mudanças ambientais complexas, global e local e suas relações com a saúde humana em contexto e, através de parcerias multissetoriais, aplicar as estratégias baseadas em evidências para reduzir e, talvez até prevenir riscos à saúde humana.

SBMT: De que forma os impactos ambientais causados pelo homem prejudicam a saúde da população?

Dra. Montira Pongsiri: Permita-me dar alguns exemplos de relações entre mudança ambiental e saúde que se encaixam na estrutura da saúde planetária. Isso não é exaustivo. Alguns efeitos das mudanças ambientais a níveis global e local afetam diretamente a saúde humana. Mudança climática leva a extremos em temperaturas e temperaturas mais altas que causam estresse por calor e outras doenças ligadas à temperatura, além de morte. Pessoas vivendo nos trópicos estarão ainda mais vulneráveis. Estima-se que em 2050 metade da população mundial viverá nos trópicos. Aumentos na temperatura e umidade farão os trópicos se tornarem cada vez mais insalubres ao colocar mais e mais pessoas no limite de sua tolerância física.

Alguns efeitos da mudança ambiental sobre a saúde são arbitrados pelo ecossistema. Por exemplo, maiores concentrações de CO2 na atmosfera podem causar declínios na quantidade de zinco, ferro e proteínas em plantações de grãos como arroz e trigo, que têm importantes implicações na segurança nutricional. Outro exemplo de efeito arbitrado pelo ecossistema é o risco de doenças transmitidas por vetores, como a malária. Desmatamento e mudança na ocupação do solo (como estradas) podem levar a mudanças na abundância, composição e/ou distribuição de mosquitos vetores infectados que podem afetar o risco de transmitir doenças para humanos. Então, vem os efeitos indiretos da mudança ambiental global como destruição de recifes de corais e processos de urbanização que são mais difíceis de descrever e quantificar, mas que, no longo prazo, podem estar entre os mais importantes.

SBMT: Temos vivido uma série de epidemias, novas doenças sendo descobertas e outras reemergem em uma velocidade assustadora. Podemos dizer que seriam consequências do crescimento populacional desorganizado, do desmatamento desenfreado, das mudanças climáticas e até mesmo do desenvolvimento econômico global?

Dra. Montira Pongsiri: Mais da metade dos patógenos humanos são zoonóticos, e quase todos os patógenos humanos ou são zoonóticos ou originaram como zoonoses antes de se adaptarem aos humanos. O surgimento de epidemias está ligado aos sistemas de alimentação/agricultura e, ocorrem especialmente em áreas onde a perturbação ambiental é maior e onde existe uma sobreposição entre pessoas e agentes infecciosos. Deste modo, precisamos considerar o sistema no qual o surgimento de doenças ocorre – seus determinantes da mudança, seus impactos e as relações de feedback. Isso significa aprimorar nosso entendimento de como fatores ecológicos, bem como comportamentais, afetam o surgimento de doenças. Este tipo de entendimento baseado em sistemas pode nos ajudar a combater estes agentes de mudança ambiental ao invés de apenas combater as consequências.

SBMT: Como a criação deste novo campo da medicina saúde planetária pode contribuir para evitar tais impactos?

Dra. Montira Pongsiri: Como eu mencionei, a saúde planetária apresenta a oportunidade de ter uma abordagem multissetorial para 1) compreender as interconexões complexas entre a condição do sistema natural e a saúde humana e, 2) desenvolver estratégias para reduzir e talvez prevenir riscos para a saúde humana – ao alterar a administração dos nossos recursos naturais. São coisas originadas na saúde global e prática médica. Também é a oportunidade.

SBMT: Como a população pode ajudar na saúde planetária?

Dra. Montira Pongsiri: Ações são requeridas em múltiplos níveis – por indivíduos, residências, comunidades e governos – para tratar das mudanças ambientais que afetam a saúde e o desenvolvimento sustentável. Trabalhadores de saúde da comunidade e provedores de serviços de saúde podem ter uma atuação importante para aumentar a consciência de relações críticas de mudança ambiental e saúde. Aumentar a conscientização pode ajudar indivíduos e suas comunidades a reduzir seus riscos à saúde ao mudar as condições que afetam ao mudar como afetam o ambiente.

SBMT: Qual o papel dos médicos, pesquisadores e jornalistas no estudo e na prática da saúde planetária?

Dra. Montira Pongsiri: Precisamos de ações e soluções já. O que realmente é interessante sobre saúde planetária é que ela nos permite trabalhar juntos de forma diferente – na forma que produzimos ciência e nas maneiras que aplicamos essa ciência para melhorar as decisões e políticas de fato. Para pesquisadores, isso significa que devemos elaborar estudos de pesquisa que comecem com a política necessária, para então desenvolver a pesquisa com os usuários finais como legisladores e praticantes da saúde que podem ajudar a acelerar a aplicação do conhecimento científico para resolver problemas. Jornalistas e professores podem aumentar a compreensão das interconexões crítica entre mudanças ambientais globais e locais e saúde humana. Uma maior conscientização pode ajudar a reduzir os riscos em níveis individuais e comunitários. A chave é trabalhar em conjunto de novas maneiras baseados no entendimento de que ambiente é saúde devem ser tratados juntos.

SBMT: Ainda temos tempo para salvar o Planeta Terra?

Dra. Montira Pongsiri: Nós temos órgão e as soluções estão ao alcance. O relatório da Fundação Rockefeller – Comissão Lancet citou algumas das soluções:

  • Aproximadamente 30% de todo alimento produzido não é consumido. Quase 30% do total de terras cultiváveis do mundo são usadas para produzir alimentos que nunca serão comidos. Nós precisamos reduzir o uso exploratório de nossos recursos finitos de terra, e precisamos reduzir o desperdício de alimentos.
  • Nós podemos investir em estratégias baseadas no ecossistema para aumentar a resiliência a desastres. Por exemplo, restaurando pântanos, recifes de corais e mangues, podemos proteger os litorais de efeitos desastrosos de eventos extremos a um custo muito mais baixo do que comparado a soluções de engenharia. Também existem benefícios econômicos adjacentes a estes investimentos.
  • Não podemos executar a saúde planetária sem afetar os usos inerentes de recursos. Até o final do século, estima-se que a população mundial estará entre 10 e 12 bilhões de pessoas. Este aumento será acompanhado de demandas cada vez maiores por recursos. Melhorar o acesso ao planejamento familiar moderno pode reduzir o crescimento populacional. Existem benefícios inerentes ao prover métodos contraceptivos modernos, como a redução de mortalidade maternal.
  • Nós podemos evoluir para uma economia mais circular, onde se reduz o desperdício e se aumenta a reciclagem – essencialmente, isso se refere ao uso de recursos limitados de forma muito mais eficiente do que fazemos hoje.
  • Precisamos considerar a saúde nas decisões políticas de desenvolvimento para que a avaliação, monitoramento e planejamento se tornem práticas padrão para prováveis impactos em saúde decorrentes do uso do solo, planejamento e outras decisões políticas que afetem os recursos naturais.
  • Finalmente, relativo ao desafio de governança descrito acima, precisamos considerar cuidadosamente as taxas e subsídios para desincentivar práticas ligadas a impactos contra a saúde.