Notícias

Dengue silvestre: qual a importância?Dengue silvestre: qual a importância?

17/10/2011

Se houver adaptação de vírus de dengue a ambientes silvestres no continente americano, como ocorreu com o da febre amarela, o controle daquela doença se tornará mais difícil ainda, pois existirá um reservatório de vírus impossível de controlar, pronto para reintroduzi-lo nas cidades. No sudeste asiático, ocorrem vírus de dengue num ciclo silvestre na copa de árvores, mantido por macacos e Aedes niveus, e no oeste da África outros mosquitos deste gênero estão envolvidos, com provável participação de Ae. albopictus e Ae. furcifer, respectivamente na África e no oeste da Ásia, na transmissão para vilas. A partir deste ciclo, os vírus foram se adaptando a cidades. Há indicações de que os quatro sorotipos provieram de ciclo silvestre.

No continente africano, tem-se constatado, inclusive, casos hemorrágicos, e pode estar passando despercebida na América. Numa tribo isolada na Bolívia, foram constatados vários casos de dengue, sem Aedes aegypti. Ao (pouco) que se sabe, não há diferença entre a doença dengue do ciclo urbano e do silvestre, mas sem estudos é difícil definir a situação. O maior risco é que, como na febre amarela, os vírus de dengue se estabeleçam na floresta e se adaptem a um reservatório, dificultando ainda mais o controle e não sujeito a erradicação.

Mesmo não tendo sido (ainda) relatados casos humanos de transmissão silvestre de vírus de dengue no Brasil, esta é uma possibilidade a ser considerada. Na Guiana Francesa, já foram obtidos vírus de dois sorotipos em mamíferos de várias ordens, e um sagui foi encontrado com infecção e sintomas de dengue hemorrágico em Lauro de Freitas, na Bahia, dentre outros que morreram em condições similares e não puderam ser examinados (V. L. R. S. Barros – comum. pessoal, 2011). Haemagogus leucocelaenus estava infectado com DEN-1 no sudoeste deste estado e foi comprovada a transmissão vertical em Hg. equinus.

É conveniente a realização de levantamentos em áreas silvestres, especialmente perto de focos urbanos de dengue. Qual seria a situação (e o risco) em matas próximas a áreas de alta infestação por Aedes aegypti e com ocorrência de dengue, como a Mata da Tijuca, no Rio de Janeiro, e da Mata do Buraquinho, em João Pessoa, por exemplo?

Os poucos centros de estudo de arbovírus existentes no país estão assoberbados de trabalho e não têm pessoal e nem verba para se envolver nisto. As agências financiadoras (CNPq e outras) e os órgãos de saúde (MS, SESs e outros) não têm dado apoio a pesquisas e ao treinamento de pessoal capacitado, por exemplo, na identificação de mosquitos. Reconhecer Aedes aegypti não é suficiente, é preciso estudar a taxonomia e a biologia dos mosquitos, para participar de pesquisas de arbovírus. Milhares de jovens sabem processar moléculas de DNA e de proteínas, mas quantas dezenas sabem identificar mosquitos? Quantos estão sendo formados por ano? O Brasil tem 466 espécies reconhecidas de mosquitos, a maior fauna no mundo, mas quantos taxonomistas de mosquitos?

Vasilakis et al. (2011) e Marcondes & Tauil (2011) publicaram revisões recentes sobre dengue silvestre. Analisa vários aspectos da dengue silvestre nos três continentes em que ela ocorre (Ásia, África e América), ressaltando que, apesar de pequenas diferenças entre os vírus de ciclo silvestre e urbano, há indícios de ligação entre os ciclos, ainda mal esclarecidos, sendo recomendáveis estudos mais completos. A nossa curta revisão foi feita especificamente para chamar a atenção dos pesquisadores e órgãos de saúde do Brasil para os poucos dados existentes no subcontinente sul-americano e para o risco do ciclo silvestre. Esperamos que incentive estudos mais aprofundados, de preferência com mais disponibilidade de verba e formação de pessoal. Não podemos continuar “na felicidade que advém da ignorância”.


Prof. Dr. Carlos Brisola Marcondes
Depto. de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia
Centro de Ciências Biológicas
Universidade Federal de Santa Catarina
Florianópolis (SC)

* A opinião do autor não reflete, necessariamente, a posição da SBMT

Se houver adaptação de vírus de dengue a ambientes silvestres no continente americano, como ocorreu com o da febre amarela, o controle daquela doença se tornará mais difícil ainda, pois existirá um reservatório de vírus impossível de controlar, pronto para reintroduzi-lo nas cidades. No sudeste asiático, ocorrem vírus de dengue num ciclo silvestre na copa de árvores, mantido por macacos e Aedes niveus, e no oeste da África outros mosquitos deste gênero estão envolvidos, com provável participação de Ae. albopictus e Ae. furcifer, respectivamente na África e no oeste da Ásia, na transmissão para vilas. A partir deste ciclo, os vírus foram se adaptando a cidades. Há indicações de que os quatro sorotipos provieram de ciclo silvestre.

No continente africano, tem-se constatado, inclusive, casos hemorrágicos, e pode estar passando despercebida na América. Numa tribo isolada na Bolívia, foram constatados vários casos de dengue, sem Aedes aegypti. Ao (pouco) que se sabe, não há diferença entre a doença dengue do ciclo urbano e do silvestre, mas sem estudos é difícil definir a situação. O maior risco é que, como na febre amarela, os vírus de dengue se estabeleçam na floresta e se adaptem a um reservatório, dificultando ainda mais o controle e não sujeito a erradicação.

Mesmo não tendo sido (ainda) relatados casos humanos de transmissão silvestre de vírus de dengue no Brasil, esta é uma possibilidade a ser considerada. Na Guiana Francesa, já foram obtidos vírus de dois sorotipos em mamíferos de várias ordens, e um sagui foi encontrado com infecção e sintomas de dengue hemorrágico em Lauro de Freitas, na Bahia, dentre outros que morreram em condições similares e não puderam ser examinados (V. L. R. S. Barros – comum. pessoal, 2011). Haemagogus leucocelaenus estava infectado com DEN-1 no sudoeste deste estado e foi comprovada a transmissão vertical em Hg. equinus.

É conveniente a realização de levantamentos em áreas silvestres, especialmente perto de focos urbanos de dengue. Qual seria a situação (e o risco) em matas próximas a áreas de alta infestação por Aedes aegypti e com ocorrência de dengue, como a Mata da Tijuca, no Rio de Janeiro, e da Mata do Buraquinho, em João Pessoa, por exemplo?

Os poucos centros de estudo de arbovírus existentes no país estão assoberbados de trabalho e não têm pessoal e nem verba para se envolver nisto. As agências financiadoras (CNPq e outras) e os órgãos de saúde (MS, SESs e outros) não têm dado apoio a pesquisas e ao treinamento de pessoal capacitado, por exemplo, na identificação de mosquitos. Reconhecer Aedes aegypti não é suficiente, é preciso estudar a taxonomia e a biologia dos mosquitos, para participar de pesquisas de arbovírus. Milhares de jovens sabem processar moléculas de DNA e de proteínas, mas quantas dezenas sabem identificar mosquitos? Quantos estão sendo formados por ano? O Brasil tem 466 espécies reconhecidas de mosquitos, a maior fauna no mundo, mas quantos taxonomistas de mosquitos?

Vasilakis et al. (2011) e Marcondes & Tauil (2011) publicaram revisões recentes sobre dengue silvestre. Analisa vários aspectos da dengue silvestre nos três continentes em que ela ocorre (Ásia, África e América), ressaltando que, apesar de pequenas diferenças entre os vírus de ciclo silvestre e urbano, há indícios de ligação entre os ciclos, ainda mal esclarecidos, sendo recomendáveis estudos mais completos. A nossa curta revisão foi feita especificamente para chamar a atenção dos pesquisadores e órgãos de saúde do Brasil para os poucos dados existentes no subcontinente sul-americano e para o risco do ciclo silvestre. Esperamos que incentive estudos mais aprofundados, de preferência com mais disponibilidade de verba e formação de pessoal. Não podemos continuar “na felicidade que advém da ignorância”.


Prof. Dr. Carlos Brisola Marcondes
Depto. de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia
Centro de Ciências Biológicas
Universidade Federal de Santa Catarina
Florianópolis (SC)
 

* A opinião do autor não reflete, necessariamente, a posição da SBMT