Notícias

Proeminente no assunto, Dr. Carlos Costa fala sobre o investimento e financiamento das doenças tropicaisProeminente no ass

15/12/2011

Apesar de ser a maior nação tropical do planeta, o Brasil, para o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Dr. Carlos Costa, ainda está longe de ser um exemplo no que diz respeito ao combate de doenças tropicais. Em entrevista, o presidente comenta sobre dados e possíveis soluções que trariam benefícios a todo o país. Confira a entrevista na íntegra.

SBMT: Qual é a evolução do Brasil, na última década, no combate às doenças tropicais?
Dr. Carlos Costa: A erradicação do principal vetor da doença de Chagas, o Triatoma infestans, foi o grande marco da década, o ápice de uma luta de 30 anos, uma vitória da saúde pública brasileira. Mas não tem havido grandes mudanças estratégicas. Podem-se anotar mudanças nos esquemas de tratamento com incorporação de novas drogas para o HIV, a malária, o HBV e o HCV. Infelizmente, notou-se a ênfase no tratamento em detrimento da prevenção do HIV, embora esta tenha sido uma tendência mundial da década. Por fim, tenho que realçar a qualidade ainda não um item na agenda da assistência à saúde no Brasil.

SBMT: No campo de pesquisa, qual a responsabilidade do Brasil nesse combate?
Dr. Carlos Costa: O Brasil é a nação tropical de maior expressão do planeta, tem a quinta maior população e a quinta maior área do mundo, e aproxima-se para ser uma das cinco maiores economias, mas quase nada contribui na área de inovações e de conhecimento científico. Apenas uma universidade está ente as 200 melhores do mundo. Não é à toa que pouco tenha contribuído com conhecimentos para o controle das suas doenças endêmicas. Diante de um discurso de protagonista do mundo, o Brasil deveria exportar conhecimentos sobre doenças tropicais. Penso que o País deve ombrear os países desenvolvidos neste campo e deveria ser a principal fonte de conhecimentos em ciências dos trópicos no mundo. Mas, para isto, serão necessários muitos recursos, decisão política firme, e reorganização profunda de todas as áreas relacionadas à ciência.

SBMT: Como são decididas as prioridades das pesquisas?
Dr. Carlos Costa: Participei duas vezes de um sistema de identificação de prioridades liderados pelo antigo Decit, organizados magistralmente por Dr. Carlos Morel, da Fiocruz. Neste sistema, pesquisadores identificados por diversos critérios discutiam as lacunas do saber em doenças tropicais, que eram reunidas e enviadas para as instituições de pesquisa. Eram belos exercícios. Mas não li os relatórios finais e nem sei se as indicações foram devidamente atendidas. Talvez os resultados necessitem ser avaliados e publicados. Não sei como é a intimidade da eleição de prioridades no CNPq e na Finep e nem sei se existe uma política para tal, com um sistema organizado e explícito.

SBMT: O senhor, como proeminente do financiamento e prioridade brasileira das doenças tropicais, poderia traçar um panorama sobre o investimento/financiamento feito pelo Governo Federal estritamente voltado às doenças tropicais? Como é feita a divisão da verba? O senhor tem números e valores? O que investimos ainda é muito pouco? Qual seria o ideal?
Dr. Carlos Costa: Não tenho quantitativos, mas que podem ser obtidos junto às instituições de fomento à pesquisa. É muito difícil se estabelecer os valores para a pesquisa quando despidos de significado. Contudo, podem ser construídas estimativas a partir de expectativas, de desafios e de metas, partindo-se do impacto do que se tem produzido de conhecimentos até aqui, o que é quase nada. São desafios fundamentais, por exemplo, a base tecnológica para a construção de vacinas e de fármacos aliados a uma ciência básica forte. O Brasil não tem só que fabricar vacinas e remédios, como fazem o Butantan e a Biomanguinhos. O Brasil tem que inventar vacinas, tem que inventar fármacos, tem que navegar nas bordas do conhecimento. É difícil? Sim, claro que é, mas é factível, como demonstram muitas nações. Além disto, a base científica precisa ser reformulada.
O Brasil tem cada vez mais produzido pesquisas científicas, destacando-se no cenário internacional, mas as suas pesquisas ainda não são de elevado impacto. Para tal, as instituições públicas de ensino e pesquisa devem ser meritocráticas e competitivas e não entidades corporativistas e improdutivas. A administração da presidente Dilma Rousseff deu um importante passo agora ao financiar revolucionariamente a ida de jovens para o exterior, como fez o Japão, há um século, e mais recentemente a China, a Índia, e os Tigres Asiáticos. Esta é uma das bases fundamentais para o futuro. Outra seria a vinda de cientistas do mundo afora. Para atraí-los, entretanto, é necessário enfrentar uma legislação xenófoba e oferecer salários competitivos. As melhores cabeças têm que se sentir estimuladas para virem para o Brasil e, as brasileiras, para ciência, especialmente para a ciência voltada para os problemas dos trópicos. Quem sabe não ganharemos pelo menos um Nobel, especialmente se for para descoberta de vacinas para as doenças tropicais, como para tuberculose, malária ou AIDS.
Assim, vemos que é muito pouco o que oferecemos diante do que é necessário. O ideal é um desafio que poderia ser representado por marcos, como por exemplo, a classificação de  várias de nossas  universidades entre as top do mundo, ou pelo menos um Prêmio Nobel, qualquer um.

SBMT: De janeiro até setembro, foram identificados mais de 155 mil casos de dengue no RJ, com ocorrências de 130 mortes. O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, afirmou no mês passado que espera uma epidemia da doença em 2012. Na condição de autoridade no assunto, como o senhor enxerga esses números?
Dr. Carlos Costa: Este fatalismo trágico indica que as autoridades sanitárias não crêem que exista algo diferente do que se faz e que não pretendem ensaiar nada diferente. Toda a interpretação é de que a eficiência depende de quantidade de trabalho e não da qualidade do que se faz. Existe uma certeza de que se houver uma intensificação do que se faz hoje apenas, haverá controle da doença. Esta perspectiva, na minha compreensão, é uma atitude que imobiliza a busca de alternativas criativas. Creio que para a dengue, assim como em políticas de saúde específicas, deve haver ensaios controlados com alternativas criativas. A saúde pública poderia, assim, ser uma fonte importante de inovação, de tal modo que a história da saúde pública também se torne uma história da ciência.

SBMT: Qual a importância das doenças tropicais no país? O país dá pouca importância a elas?
Dr. Carlos Costa: A primeira questão é o que são as doenças tropicais. Causadas por parasitas, como a esquistossomose? Transmitidas por insetos, como a malária? De pessoas mais pobres, como a hanseníase? Contagiosas, como a tuberculose? Rurais, como a doença de Chagas? Creio que não, não mais isto apenas. Hoje, quem é estrela é o HIV. Quase 90% por cento dos casos de HIV/AIDS ocorre na África ao sul do Saara, no Sul e no Sudeste da Ásia, e na América do Sul, Central e Caribe. Não tenho medo de errar ao dizer que hoje a AIDS é a principal doença infecciosa tropical. Infecciosa? Mas não são as doenças tropicais todas infecciosas? Claro que não. Doenças com causas internas como a anemia falciforme, a endomiocardiofibrose, o pênfigo foliáceo, o bócio endêmico, o câncer de pele, o tumor de Burkitt, e muitas outras, são eminentemente tropicais. Mais ainda, não só de causas internas são as doenças tropicais. Hoje, com a transição populacional do campo para as cidades, o cenário das doenças tropicais passou para as cidades, onde não só grassam a dengue, o calazar e a leptospirose. Nelas surgem agora, de forma inusitada e explosiva, as causas externas, como a violência, os acidentes de motocicleta, a poluição, desafiando um sistema de saúde despreparado para enfrentar as emergências. As cidades dos trópicos, paupérrimas, injustas, imundas, desregradas são o novo palco. Assim, para dar a devida importância às doenças tropicais, temos que, primeiro, reconhecê-las, as velhas e as novas, para então poder desafiá-las. Vivemos em um mar de doenças tropicais, notórias pelo simples reconhecimento de que, de fato, vivemos nos trópicos. Para vê-las basta, por exemplo, uma volta em torno da maior instituição de pesquisa em doenças tropicais no Brasil, a Fiocruz, no Rio de Janeiro.

SBMT: Como o senhor entende a referimento a essas doenças como negligenciadas?
Dr. Carlos Costa: Creio que doenças negligenciadas se refere a uma denominação utilizada nos países ricos para reconhecer as doenças que eles próprios negligenciam. Mas o termo não serve para nós, que as enfrentamos no dia a dia. Por exemplo, a malária não é negligenciada pelas fracas economias africanas, não mais que outras doenças, como a AIDS, as doenças crônicas e a pobreza endêmica. As ditas doenças negligenciadas não são negligenciadas nos trópicos. São apenas doenças tropicais. Não permitamos que nossa inteligência seja negligenciada mais uma vez.

SBMT: O senhor poderia falar um pouco da sua experiência a respeito da relação com as doenças tropicais?
Dr. Carlos Costa: Nasci no meio delas, no Piauí. Quando estudava medicina na Universidade de Brasília, aproximei-me de Carlos Eduardo Tosta que me iniciou na ciência, na área de imunologia da malária e da esquistossomose. Depois, encontrei o Philip Marsden, com quem estudava a epidemiologia e ecologia da doença de Chagas. Ia às áreas de estudo de campo, acompanhando coortes que descreviam a história natural das doenças endêmicas, com ele, Marsden, com Aluísio Prata e com Vanize Macêdo. Fiz a Residência em Clínica Médica e o mestrado em Medicina Tropical, também na UnB, com os mesmos professores. Resolvi voltar para minha terra, pois achava que tinha o dever de ajudar um lugar que se tornou muito pobre. Lá, já na Universidade Federal do Piauí, me deparei com a primeira epidemia urbana de calazar, que resolvi estudar. Depois, fiz o doutorado na Harvard School of Public Health, com John David, James Maguire, Andy Spielman e Steve Pan, dedicando-me também ao estudo do calazar. Trabalho com clínica tropical no dia-a-dia, tenho muitos alunos e participo de muitos projetos de pesquisa.

SBMT: Recentemente, o DECIT afirmou que essa área tem sido prioridade no Governo. Essa informação procede? Qual a sua opinião?
Dr. Carlos Costa: Como disse acima, a aferição deste comentário depende dos desafios a que o Brasil se impôs. Se o sarrafo for alto, se as metas forem para grandes repercussões, então o investimento certamente é muito pequeno. Os investimentos terão, inicialmente, menos retorno, dado à fragilidade da formação básica de nossos pesquisadores e à pouco produtividade das corporativistas instituições de ensino superior e de pesquisa. Com correções nestas áreas, investimentos relativamente menores terão maiores retornos. Mas de qualquer modo, para os grandes desafios que as doenças tropicais representam, será necessário que se acrescente mais zeros à direita dos valores de investimento em ciência.

SBMT: Comente sobre o investimento e financiamento para a pesquisa nas doenças tropicais.
Dr. Carlos Costa: Dr. Adib Jatene começou uma palestra em Salvador afirmando que esta não é uma nação democrática, que é uma oligarquia. Os grupos de poder formam-se com facilidade sem que haja uma força moral, política ou administrativa capaz de inibi-los. Neste sentido, a distribuição de recursos para a pesquisa torna-se fortemente personalizada, o que, acaba por priorizar autores, em vez de projetos, eventualmente reduzindo os projetos mais inovadores. Embora haja um esforço para se quantificar as avaliações de projetos com atribuição de pontos de acordo com o coeficiente de impacto de onde os artigos são publicados, o forte componente personalístico pode continuar prevalecendo no momento da escolha dos projetos. A Fundação Bill e Melinda Gates resolveu isto, ao retirar a identificação dos autores dos projetos. Julga apenas o projeto. Se for bom, fica. Depois é que se verifica se quem fez o projeto tem condições de executá-lo. Acho uma excelente medida anti-oligárquica, pró-inovadora, que poderia ou deveria ser adotada pelo Brasil.

SBMT: O senhor acredita que essa nova reformulação dos comitês técnicos assessores do Ministério da Saúde pode ajudar no combate a essas doenças?
Dr. Carlos Costa: Esta foi uma iniciativa excelente da administração do Ministério da Saúde. É um passo fundamental para a elaboração de políticas de saúde espelhadas no conhecimento científico. Manifesto os meus cumprimentos ao Ministro Padilha e ao secretário de Vigilância em Saúde, Dr. Jarbas Barbosa, mas tenho o dever de lembrar que é preciso ir adiante. É preciso que se cultive de forma global e em cada município uma cultura de integridade e fidelidade ao conhecimento científico na formulação de políticas de saúde, sintetizado em revisões sistemáticas e apresentado a grupos de consultores independentes. O Brasil modernizou-se com esta iniciativa e a qualidade de suas políticas de saúde será de maior impacto.

Apesar de ser a maior nação tropical do planeta, o Brasil, para o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Dr. Carlos Costa, ainda está longe de ser um exemplo no que diz respeito ao combate de doenças tropicais. Em entrevista, o presidente comenta sobre dados e possíveis soluções que trariam benefícios a todo o país. Confira a entrevista na íntegra.

SBMT: Qual é a evolução do Brasil, na última década, no combate às doenças tropicais?
Dr. Carlos Costa: A erradicação do principal vetor da doença de Chagas, o Triatoma infestans, foi o grande marco da década, o ápice de uma luta de 30 anos, uma vitória da saúde pública brasileira. Mas não tem havido grandes mudanças estratégicas. Podem-se anotar mudanças nos esquemas de tratamento com incorporação de novas drogas para o HIV, a malária, o HBV e o HCV. Infelizmente, notou-se a ênfase no tratamento em detrimento da prevenção do HIV, embora esta tenha sido uma tendência mundial da década. Por fim, tenho que realçar a qualidade ainda não um item na agenda da assistência à saúde no Brasil.

   
SBMT: No campo de pesquisa, qual a responsabilidade do Brasil nesse combate?
Dr. Carlos Costa: O Brasil é a nação tropical de maior expressão do planeta, tem a quinta maior população e a quinta maior área do mundo, e aproxima-se para ser uma das cinco maiores economias, mas quase nada contribui na área de inovações e de conhecimento científico. Apenas uma universidade está ente as 200 melhores do mundo. Não é à toa que pouco tenha contribuído com conhecimentos para o controle das suas doenças endêmicas. Diante de um discurso de protagonista do mundo, o Brasil deveria exportar conhecimentos sobre doenças tropicais. Penso que o País deve ombrear os países desenvolvidos neste campo e deveria ser a principal fonte de conhecimentos em ciências dos trópicos no mundo. Mas, para isto, serão necessários muitos recursos, decisão política firme, e reorganização profunda de todas as áreas relacionadas à ciência.

SBMT: Como são decididas as prioridades das pesquisas?
Dr. Carlos Costa: Participei duas vezes de um sistema de identificação de prioridades liderados pelo antigo Decit, organizados magistralmente por Dr. Carlos Morel, da Fiocruz. Neste sistema, pesquisadores identificados por diversos critérios discutiam as lacunas do saber em doenças tropicais, que eram reunidas e enviadas para as instituições de pesquisa. Eram belos exercícios. Mas não li os relatórios finais e nem sei se as indicações foram devidamente atendidas. Talvez os resultados necessitem ser avaliados e publicados. Não sei como é a intimidade da eleição de prioridades no CNPq e na Finep e nem sei se existe uma política para tal, com um sistema organizado e explícito.

SBMT: O senhor, como proeminente do financiamento e prioridade brasileira das doenças tropicais, poderia traçar um panorama sobre o investimento/financiamento feito pelo Governo Federal estritamente voltado às doenças tropicais? Como é feita a divisão da verba? O senhor tem números e valores? O que investimos ainda é muito pouco? Qual seria o ideal?
Dr. Carlos Costa: Não tenho quantitativos, mas que podem ser obtidos junto às instituições de fomento à pesquisa. É muito difícil se estabelecer os valores para a pesquisa quando despidos de significado. Contudo, podem ser construídas estimativas a partir de expectativas, de desafios e de metas, partindo-se do impacto do que se tem produzido de conhecimentos até aqui, o que é quase nada. São desafios fundamentais, por exemplo, a base tecnológica para a construção de vacinas e de fármacos aliados a uma ciência básica forte. O Brasil não tem só que fabricar vacinas e remédios, como fazem o Butantan e a Biomanguinhos. O Brasil tem que inventar vacinas, tem que inventar fármacos, tem que navegar nas bordas do conhecimento. É difícil? Sim, claro que é, mas é factível, como demonstram muitas nações. Além disto, a base científica precisa ser reformulada.
O Brasil tem cada vez mais produzido pesquisas científicas, destacando-se no cenário internacional, mas as suas pesquisas ainda não são de elevado impacto. Para tal, as instituições públicas de ensino e pesquisa devem ser meritocráticas e competitivas e não entidades corporativistas e improdutivas. A administração da presidente Dilma Rousseff deu um importante passo agora ao financiar revolucionariamente a ida de jovens para o exterior, como fez o Japão, há um século, e mais recentemente a China, a Índia, e os Tigres Asiáticos. Esta é uma das bases fundamentais para o futuro. Outra seria a vinda de cientistas do mundo afora. Para atraí-los, entretanto, é necessário enfrentar uma legislação xenófoba e oferecer salários competitivos. As melhores cabeças têm que se sentir estimuladas para virem para o Brasil e, as brasileiras, para ciência, especialmente para a ciência voltada para os problemas dos trópicos. Quem sabe não ganharemos pelo menos um Nobel, especialmente se for para descoberta de vacinas para as doenças tropicais, como para tuberculose, malária ou AIDS.
Assim, vemos que é muito pouco o que oferecemos diante do que é necessário. O ideal é um desafio que poderia ser representado por marcos, como por exemplo, a classificação de  várias de nossas  universidades entre as top do mundo, ou pelo menos um Prêmio Nobel, qualquer um.

SBMT: De janeiro até setembro, foram identificados mais de 155 mil casos de dengue no RJ, com ocorrências de 130 mortes. O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, afirmou no mês passado que espera uma epidemia da doença em 2012. Na condição de autoridade no assunto, como o senhor enxerga esses números?
Dr. Carlos Costa: Este fatalismo trágico indica que as autoridades sanitárias não crêem que exista algo diferente do que se faz e que não pretendem ensaiar nada diferente. Toda a interpretação é de que a eficiência depende de quantidade de trabalho e não da qualidade do que se faz. Existe uma certeza de que se houver uma intensificação do que se faz hoje apenas, haverá controle da doença. Esta perspectiva, na minha compreensão, é uma atitude que imobiliza a busca de alternativas criativas. Creio que para a dengue, assim como em políticas de saúde específicas, deve haver ensaios controlados com alternativas criativas. A saúde pública poderia, assim, ser uma fonte importante de inovação, de tal modo que a história da saúde pública também se torne uma história da ciência.

SBMT: Qual a importância das doenças tropicais no país? O país dá pouca importância a elas?
Dr. Carlos Costa: A primeira questão é o que são as doenças tropicais. Causadas por parasitas, como a esquistossomose? Transmitidas por insetos, como a malária? De pessoas mais pobres, como a hanseníase? Contagiosas, como a tuberculose? Rurais, como a doença de Chagas? Creio que não, não mais isto apenas. Hoje, quem é estrela é o HIV. Quase 90% por cento dos casos de HIV/AIDS ocorre na África ao sul do Saara, no Sul e no Sudeste da Ásia, e na América do Sul, Central e Caribe. Não tenho medo de errar ao dizer que hoje a AIDS é a principal doença infecciosa tropical. Infecciosa? Mas não são as doenças tropicais todas infecciosas? Claro que não. Doenças com causas internas como a anemia falciforme, a endomiocardiofibrose, o pênfigo foliáceo, o bócio endêmico, o câncer de pele, o tumor de Burkitt, e muitas outras, são eminentemente tropicais. Mais ainda, não só de causas internas são as doenças tropicais. Hoje, com a transição populacional do campo para as cidades, o cenário das doenças tropicais passou para as cidades, onde não só grassam a dengue, o calazar e a leptospirose. Nelas surgem agora, de forma inusitada e explosiva, as causas externas, como a violência, os acidentes de motocicleta, a poluição, desafiando um sistema de saúde despreparado para enfrentar as emergências. As cidades dos trópicos, paupérrimas, injustas, imundas, desregradas são o novo palco. Assim, para dar a devida importância às doenças tropicais, temos que, primeiro, reconhecê-las, as velhas e as novas, para então poder desafiá-las. Vivemos em um mar de doenças tropicais, notórias pelo simples reconhecimento de que, de fato, vivemos nos trópicos. Para vê-las basta, por exemplo, uma volta em torno da maior instituição de pesquisa em doenças tropicais no Brasil, a Fiocruz, no Rio de Janeiro.

SBMT: Como o senhor entende a referimento a essas doenças como negligenciadas?
Dr. Carlos Costa: Creio que doenças negligenciadas se refere a uma denominação utilizada nos países ricos para reconhecer as doenças que eles próprios negligenciam. Mas o termo não serve para nós, que as enfrentamos no dia a dia. Por exemplo, a malária não é negligenciada pelas fracas economias africanas, não mais que outras doenças, como a AIDS, as doenças crônicas e a pobreza endêmica. As ditas doenças negligenciadas não são negligenciadas nos trópicos. São apenas doenças tropicais. Não permitamos que nossa inteligência seja negligenciada mais uma vez.

SBMT: O senhor poderia falar um pouco da sua experiência a respeito da relação com as doenças tropicais?
Dr. Carlos Costa: Nasci no meio delas, no Piauí. Quando estudava medicina na Universidade de Brasília, aproximei-me de Carlos Eduardo Tosta que me iniciou na ciência, na área de imunologia da malária e da esquistossomose. Depois, encontrei o Philip Marsden, com quem estudava a epidemiologia e ecologia da doença de Chagas. Ia às áreas de estudo de campo, acompanhando coortes que descreviam a história natural das doenças endêmicas, com ele, Marsden, com Aluísio Prata e com Vanize Macêdo. Fiz a Residência em Clínica Médica e o mestrado em Medicina Tropical, também na UnB, com os mesmos professores. Resolvi voltar para minha terra, pois achava que tinha o dever de ajudar um lugar que se tornou muito pobre. Lá, já na Universidade Federal do Piauí, me deparei com a primeira epidemia urbana de calazar, que resolvi estudar. Depois, fiz o doutorado na Harvard School of Public Health, com John David, James Maguire, Andy Spielman e Steve Pan, dedicando-me também ao estudo do calazar. Trabalho com clínica tropical no dia-a-dia, tenho muitos alunos e participo de muitos projetos de pesquisa.

SBMT: Recentemente, o DECIT afirmou que essa área tem sido prioridade no Governo. Essa informação procede? Qual a sua opinião?
Dr. Carlos Costa: Como disse acima, a aferição deste comentário depende dos desafios a que o Brasil se impôs. Se o sarrafo for alto, se as metas forem para grandes repercussões, então o investimento certamente é muito pequeno. Os investimentos terão, inicialmente, menos retorno, dado à fragilidade da formação básica de nossos pesquisadores e à pouco produtividade das corporativistas instituições de ensino superior e de pesquisa. Com correções nestas áreas, investimentos relativamente menores terão maiores retornos. Mas de qualquer modo, para os grandes desafios que as doenças tropicais representam, será necessário que se acrescente mais zeros à direita dos valores de investimento em ciência.

SBMT: Comente sobre o investimento e financiamento para a pesquisa nas doenças tropicais.
Dr. Carlos Costa: Dr. Adib Jatene começou uma palestra em Salvador afirmando que esta não é uma nação democrática, que é uma oligarquia. Os grupos de poder formam-se com facilidade sem que haja uma força moral, política ou administrativa capaz de inibi-los. Neste sentido, a distribuição de recursos para a pesquisa torna-se fortemente personalizada, o que, acaba por priorizar autores, em vez de projetos, eventualmente reduzindo os projetos mais inovadores. Embora haja um esforço para se quantificar as avaliações de projetos com atribuição de pontos de acordo com o coeficiente de impacto de onde os artigos são publicados, o forte componente personalístico pode continuar prevalecendo no momento da escolha dos projetos. A Fundação Bill e Melinda Gates resolveu isto, ao retirar a identificação dos autores dos projetos. Julga apenas o projeto. Se for bom, fica. Depois é que se verifica se quem fez o projeto tem condições de executá-lo. Acho uma excelente medida anti-oligárquica, pró-inovadora, que poderia ou deveria ser adotada pelo Brasil.

SBMT: O senhor acredita que essa nova reformulação dos comitês técnicos assessores do Ministério da Saúde pode ajudar no combate a essas doenças?
Dr. Carlos Costa: Esta foi uma iniciativa excelente da administração do Ministério da Saúde. É um passo fundamental para a elaboração de políticas de saúde espelhadas no conhecimento científico. Manifesto os meus cumprimentos ao Ministro Padilha e ao secretário de Vigilância em Saúde, Dr. Jarbas Barbosa, mas tenho o dever de lembrar que é preciso ir adiante. É preciso que se cultive de forma global e em cada município uma cultura de integridade e fidelidade ao conhecimento científico na formulação de políticas de saúde, sintetizado em revisões sistemáticas e apresentado a grupos de consultores independentes. O Brasil modernizou-se com esta iniciativa e a qualidade de suas políticas de saúde será de maior impacto.