Notícias

Deflagrado processo sucessório da SBMT

.

13/06/2013

Dr. As doenças tropicais são resultado de dois grandes fenômenos: clima e economia ou trópicos e pobreza. Não é possível aceitar a condenação de que os trópicos serão pobres para sempre

 

Está aberto o processo eleitoral que visa constituir a nova diretoria da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT). A votação ocorre nos dias 07 e 08 de agosto na assembléia da Sociedade realizada no Congresso anual, este ano em Campo Grande (MS). Quem não puder comparecer ao evento pode votar em uma agência dos correios. Presidente da SBMT, durante os dois últimos anos, Dr. Carlos Costa defende que a alternância é positiva, uma vez que uma diretoria sozinha, em uma gestão, não consegue fazer tudo que gostaria.

“É importante ter várias correntes passando pela SBMT para que se contribua de diferentes formas. O processo natural de uma sociedade científica como essa é que as lideranças sejam mudadas. Há muitas pessoas que podem e querem contribuir”, aponta o presidente ao complementar que cada gestão acaba por priorizar determinado assunto. Ele defende que seu sucessor (a) também tenha uma visão de Medicina Tropical moderna.

Dr. Carlos Costa destaca que seu maior desafio, por exemplo, foi buscar trazer e conduzir um novo conceito de Medicina Tropical, além de melhorar as comunicações. Ele conta que teve muitas dificuldades e lamenta não ter conseguido deslanchar os grupos de trabalho com participação de todos os membros da SBMT, bem como não ter reforçado as regionais – o que segundo ele foi feito por sua antecessora. Entretanto, o presidente lembra importantes realizações de sua gestão, tais como: o Congresso Internacional de Medicina Tropical (promovido pela SBMT juntamente com a Federação Internacional de Medicina Tropical), o Leishvaccines e o Worldleish 5.

Os eventos deram visibilidade, grande prestígio e boa repercussão para a SBMT no mundo inteiro. “Fizemos parcerias importantes com várias iniciativas, como o DNDi, o Médico sem Fronteiras (MSF) e organizações de combate à tuberculose, além de colocarmos novamente temas relevantes como a Aids no front de doenças tropicais”, realça. Segundo ele, a Aids anda esquecida, principalmente nos seus aspectos mais tropicais, abandonada, de certa forma, pela comunidade científica.

O atual presidente considera a ampliação da comunicação como um ponto forte em sua gestão. Dr. Carlos salienta que tanto a newsletter, quanto a Revista da SBMT, assim como o website, estão com melhor qualidade. “Hoje, a comunicação da SBMT é mais dinâmica e moderna. Bilíngue, com alcance realmente nacional, de acordo com a importância que o Brasil está adquirindo na área internacional”, opina ao acrescentar que diante do mundo o Brasil não pode falar português e sim inglês.

Dr. Carlos Costa salienta que sua motivação, nesses dois anos à frente da SBMT, foi poder expandir a ideia de Medicina Tropical, promovendo a discussão de temas mais atuais e mais urbanos. “É um conceito de Medicina Tropical voltada para fenômenos, sem ser apenas focada em doenças infecciosas”, atenta o presidente ao pontuar que o debate leva em consideração a importância dos trópicos.

Para ele, a SBMT estava, de certa forma, sendo comida pelas suas sucessivas divisões. “É uma área de conhecimento multidisciplinar e diversas faces dela estavam sendo separadas dentro da Sociedade, reduzindo a sua importância. A SBMT estava, praticamente, ficando restrita a algumas parasitoses e doenças transmitidas por vetores das zonas rurais”, assinala ao lembrar que o primeiro conceito de Medicina Tropical foi de Patrick Manson, que mostrava uma sociedade voltada para doenças que ocorriam nos trópicos.

Revendo conceitos

Naturalmente, à medida que as descobertas foram aparecendo, o aspecto mais importante e que mais chamava a atenção nos trópicos eram as doenças que impediam a colonização como a malária e a doença do sono, conforme destaca Dr. Carlos Costa. Segundo ele, essas moléstias dominaram o espectro das doenças tropicais na visão dos ingleses e americanos.

“Dessa forma, a malária se tornou um grande problema e deu a noção de que essas doenças são a paisagem típica dos trópicos. Esse conceito predominou e, não se dava destaque a outros comuns aos trópicos como a mortalidade materna, a fome e outras importantes doenças tropicais, que não são necessariamente infecciosas, como anemia falciforme, endomiocardiofibrose (cardiopatias)”, analisa ao enfatizar que a malária foi moldando as perspectivas de doenças tropicais.

Dr. Carlos Costa explica que a partir do momento em que começou o controle da malária, a doença teve sua importância reduzida. Ele diz que o Brasil voltou seus cientistas para região rural, onde a população e a saúde estavam praticamente abandonadas. “Isso resultou na descoberta de várias doenças, como: Chagas, leishmanioses, esquistossomose. E, como são doenças parasitárias, elas começaram a dominar o ideário que se tinha de doenças tropicais”, pondera ao destacar que recentemente temos visto um esvaziamento rural relevante, com a população saindo do campo para a cidade.

Ele reconhece que com os avanços na ciência, a importância dessas doenças foi diminuída gradativamente, e, simultaneamente, outros problemas mais comuns dos trópicos surgiram nas cidades que passaram a ser invadidas por uma multidão de pessoas pobres, expulsas do ambiente rural e vivendo nas mais precárias condições de vida.

“Esse é o drama que tive e tenho a missão de tocar adiante. Divulgar esses temas, ampliar e melhorar a comunicação entre os cientistas”, acredita Dr. Carlos Costa. Segundo ele, foi assim que surgiu a ideia de refazer a newsletter da SBMT e distribuí-la a mais pessoas, sempre abordando a questão da saúde nas cidades. Carlos Costa, declara seu interesse em aprofundar os estudos não só em doenças tropicais, mas nos trópicos como um todo. “Os trópicos concentram quase metade da população mundial e, daqui poucas décadas, serão o local onde a maioria das pessoas estará concentrada”, diz.

Ele adverte que é preciso buscar compreender por que os trópicos são tão pobres e qual a relação entre a pobreza e as doenças, além de como trabalhar para superar a pobreza.

Entendendo os trópicos

Segundo Dr. Carlos Costa, as doenças tropicais são resultado de dois grandes fenômenos: clima e economia ou trópicos e pobreza. Ele considera não ser possível aceitar a condenação de que os trópicos serão pobres para sempre e assegura que vai dar continuidade ao seu trabalho como pesquisador à frente do Instituto de Medicina Tropical – recém criado por ele – que tem como objetivo facilitar e contribuir para o desenvolvimento científico e tecnológico dos trópicos.

“Sabemos hoje que um dos principais fatores que pode contribuir para o desenvolvimento dos trópicos é o científico e o tecnológico. Entretanto, suas estruturas são tão pobres e devastadas que não há muito recurso para investir nessa área”, destaca. Para ele, se faz necessário tratar a raiz do problema ao invés de alocar dinheiro para que os países pobres combatam doenças.

Dr. Carlos Costa atenta para a necessidade de criar uma cultura científica com mentalidade investigativa, como ocorre em outros países. “Há uma distância muito grande e por isso precisamos de colaboração dos países ricos e da criação de sociedades científicas nas ações. Temos que colocar os trópicos como a mais importante meta, como um tema global”, realça ao ponderar que o Brasil e a Índia são nações proeminentes que podem de fato conduzir esse processo de libertação científica e cultural nos trópicos.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**